'Paguei pelas minhas escolhas, mas nunca fiz mal a ninguém', diz Ramon Osni, ex-joia do Galo

Frederico Ribeiro e Henrique André
esportes@hojeemdia.com.br
25/01/2018 às 17:55.
Atualizado em 03/11/2021 às 00:57
 (Carlos Roberto/Arquivo Hoje em Dia)

(Carlos Roberto/Arquivo Hoje em Dia)

“Não é sobre quão duro você bate. Se trata do quanto você aguenta apanhar e seguir em frente”. Quando a frase de Rocky Balboa chegou às telas de cinema, o meia-atacante Ramon era considerado uma das grandes joias do futebol brasileiro. A filosofia do personagem de Sylvester Stallone ilustra bem o que o jogador, hoje aos 30 anos, vivenciou com a bola. 

De diamante do Atlético aos 17 anos, quando foi campeão sul-americano e vice mundial da categoria, Ramon foi pra Rússia, voltou ao Brasil, defendeu as camisas de Corinthians e Flamengo, mas viu a carreira tomar um rumo inesperado, mas explicável. Nesta entrevista, o filho mais ilustre de Nova Era (MG) conta da saída repentina do Democrata-GV antes do Mineiro 2018 começar, mas também lembra as escolhas erradas que fez na vida, confessa o exagero das baladas, mas também revela dramas pessoais como a morte do pai: “meu maior ídolo”. 

Hoje longe dos holofotes do futebol, Ramon assinou por seis meses com o Barretos EC, time da Série A3 do Campeonato Paulista. Foi à lona várias vezes e carregou rótulos de “garoto-problema”, e agora ele chega ao 13º ano da carreira com história para contar. Se não ficou glorificado, ao menos tem a certeza de “nunca ter feito mal a ninguém” e ter “ajudado a colocar comida na mesa de muita gente”.

Você seria uma das figuras do Campeonato Mineiro 2018. O que aconteceu para sair do Democrata-GV antes mesmo de jogar?
Esse episódio ficou um mal entendido. Eu tinha uma proposta financeiramente melhor antes do Democrata. Mas era a chance de voltar ao futebol mineiro, de jogar perto da minha cidade (Nova Era-MG). Fiquei treinando 45 dias com aval da comissão técnica. Então eles alegam que havia deficiência física e técnica minha e do Mateus (zagueiro, ex-Cruzeiro e Boa). O jogador com meu currículo, que jogou em grandes times, falar de deficiência técnica? Ficou nítido para mim é que foi algo pessoal. Mas isso já passou, estou em outro clube já, me acostumei a tomar essas porradas do futebol.

Agora já há um acerto como Barretos-SP. Como encara essa nova mudança?
É um recomeço, de alguns que já tive na carreira. Hoje eu tenho a cabeça bem diferente daquele menino que surgiu no Atlético. Algo até natural, amadurecimento com o tempo. Acertei com o Barreto (Série A3 do Paulista) um contrato de seis meses.

Você está prestes a fazer 30 anos, sendo 13 anos de carreira, 16 times. Como avalia sua trajetória?
Tive ótimos momentos, desde o surgimento no Atlético, fui muito bem na Rússia, com lembranças positivas e títulos o currículo. Lógico que poderia estar num lugar melhor agora, sei da minha capacidade. Mas infelizmente fazemos escolhas erradas na vida, todo ser humano erra, comigo não foi diferente, até porque muita gente não sabe o que eu vivi.Reprodução

Recomeço: Ramon Osni está no Barretos EC,
da 3ª divisão do Paulistão

Quando se fala em Ramon Osni, o que se vem à cabeça são alguns rótulos: “talento desperdiçado”, “era pra ter sido craque”. Como você lida com isso?
As pessoas que não me conhecem acham que o Ramon é maluco, é um cara do mal. Eu nunca fiz mal a ninguém, a verdade é essa. Não sou uma pessoa de má índole, nunca precisei passar ninguém para trás para conseguir qualquer coisa na minha vida. Como eu falei, minha carreira poderia ter seguido um caminho diferente, mas jamais prejudiquei outra pessoa. Fiz escolhas ruins, paguei por isso. Mas também fiz coisas boas, pois ajudei a minha família a ter condições melhores, também já coloquei comida no prato de muita gente. Mas isso não vira notícia, isso não interessa pras pessoas.

Sempre se fala do seu comportamento extra-campo como grande prejudicial. As noitadas te minaram? Excesso de alcóol? Drogas?
Eu surgi muito novo, com 17 anos fazia a minha estreia no profissional do Atlético. Então algumas coisas foram difíceis de lidar com tranquilidade. Acabei curtindo muito a noite, em baladas. Mas droga eu nunca usei. Com menos de 20 anos, eu passei a ter uma situação financeira boa, podia comprar tudo que desejava. Errei, como toda pessoa estaria sujeita a errar sob estas condições.

Voltando no começo de tudo, como você chegou ao Atlético?
Cheguei com  9 anos, passando por peneiras de 300 meninos, vindo de Nova Era. Passei a treinar no clube, pegando ônibus da minha cidade até BH. Meu pai me levava, quando não era ele, era os amigos. Fui subindo de categoria, cheguei nas Seleções de base até o profissional.

E você aparece como uma grande revelação, mas num período conturbado do clube. Ao mesmo tempo, foi lapidado por Tite, atual técnico da Seleção.
Foi uma felicidade muito grande trabalhar com o Tite. Infelizmente o clube passava por dificuldades financeiras, era uma época que o time acabou caindo para a Série B

Qual sua relação com o Galo, atualmente?
Relação de torcedor, fui em alguns jogos em 2013 na Libertadores. Tenho contato com alguns funcionários lá, o Belmiro (massagista), o Domênico (Bhering, diretor de comunicação). Visitei o CT em outras ocasiões e sempre tento ajudar a molecada da base. Sou muito grato ao Atlético, pois foi o clube que tirou a minha família de um lugar mais humilde para morar em outro de melhores condições de vida.

Do Atlético você é vendido para o fundo de investimentos MSI, que o coloca no Corinthians. Foi um passo planejado por você?
Eu tinha um ano de profissional do Atlético quando me venderam. Fiz essa negociação porque o Atlético precisava de dinheiro. Eu estava na Seleção sub-20 quando meu empresário falou que eu estava vendido. Eu queria ter continuado mais tempo no Galo, mas era uma situação que o clube tinha necessidade financeira. Eu já tinha recebido sondagem de clubes europeus, do Benfica, do próprio CSKA, mas fui para o Corinthians, outro grande clube.Renato Cobucci/Arquivo Hoje em Dia / N/A

Ramon na Cidade do Galo: microfones para ouvir a palavra da promessa que surgia

De lá você fica pouco tempo e é vendido pela MSI ao CSKA. Do que lembra da passagem da Rússia?
Muitas lembranças boas. Fui campeão lá, fiz muitas amizades, tinha brasileiros lá como o Jô, que depois brilhou no Atlético e é um grande amigo. Fui treinado pelo Zico. Era uma legião de brasileiros, e éramos muito unidos. Experiência maravilhosa, com 4 anos e meio de clube. É um país muito diferente, outra cultura, frio excessivo. Imagina sair de Nova Era para Moscou? Mas vivi ótimos momentos em campo. O lado negativo é o racismo que lá é algo até comum, não deveria ser.

Da Rússia você chega ao Flamengo, emprestado. Curta passagem até voltar para o CSKA. Depois volta para o Bahia, passa por Náutico e começa a defender times pequenos...
Recebo a oferta do Flamengo para ser emprestado. Lembro da minha mãe me ligando para falar. Era a decisão certa, trocar o CSKA pelo Flamengo. O time era o atual campeão brasileiro, tinha o Vágner Love que jogou comigo, Adriano Imperador. Fiz boas atuações, com assistências. Um ano depois eu volto pro Brasil pro Bahia e depois o Náutico, que foi a minha última oportunidade num time, digamos assim, que tem chance de disputar a Primeira Divisão. Depois fui para o Japão, pra jogar no Consadole Sapporo, um lugar ótimo de viver. Mas lá cometi um erro de pedir a rescisão contratual, mais uma escolha errada na vida.

Você volta para jogar no Remo, depois Brasiliense, Goianésia, Rio Verde-Go, Araxá, Democrata-SL. Neste período, viveu o nascimento do seu filho, mas teve talvez a maior tristeza da vida...
Sim. Foi quando meu pai adotivo morreu. Sou criado por dois pais adotivos. Tenho contato com minha mãe biológica, que mora em Nova Era, mas foram outras pessoas que me criaram, me deram uma infância sem faltar nada. Meu pai é meu maior ídolo e ele faleceu há três anos. Isso foi um grande baque na minha vida. Ainda tive que conviver com um problema que minha irmã teve. Hoje, graças a Deus, ela está recuperada. Mas se meteu numa vida errada, se envolveu com drogas. Eu fiquei fraco no momento em que tinha de ser forte. 

Nestes 13 anos de carreira, qual foi o melhor e o pior momentos?
O melhor foi minha primeira passagem no CSKA, os dois primeiros anos. Fiz gols, assistências, consegui jogar em bom nível e fui campeão. Também o começo no Atlético, quando eu era destaque da Seleção de base. O pior momento foi quando fiquei seis meses desempregado em 2016, quando fiquei em casa e meu empresário dizia que não tinha oferta de ninguém. Neste momento minha irmã chegou a ter uma recaída, eu engordei, não queria mais jogar futebol. Mas voltei para o Brasiliense e fui campeão do Estadual em 2017. 

Se você tivesse o poder de voltar ao tempo, o que o Ramon prestes a fazer 30 anos falaria para aquele Ramon de 17 que surgia no Atlético?
Ter boas escolhas de amizade, não se apegar à fama. Não se deslumbrar e, acima de tudo, ser profissional, se dedicar aos treinos. Saber que é preciso se cuidar, que a balada terá o momento certo. Infelizmente, tive que apanhar da vida. Mas sou um Ramon com outra cabeça, outro pensamento, estou amadurecido, fui pai muito novo, mas hoje tenho um filho de seis anos, cumpro minhas responsabilidades e com disposição para seguir a carreira.

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