Papo em Dia: 'A ponte para a seleção é estar bem no Minas' (Thaísa)

Rodrigo Gini
27/09/2019 às 20:45.
Atualizado em 05/09/2021 às 21:59
 (Orlando Bento/MTC)

(Orlando Bento/MTC)

Muita gente não se lembra, mas um dos principais reforços do Itambé Minas para a temporada 2019/2020 está, na verdade, voltando para a primeira casa. A adolescente carioca revelada pelo Tijuca Tênis Clube cresceu em todos os aspectos. Thaísa Daher é uma das mais vitoriosas jogadoras do vôlei mundial. No currículo, duas medalhas de ouro olímpicas, 5 títulos do Grand Prix, 1 ouro pan-americano, dois mundiais interclubes e cinco Superligas. Sempre com o jeito divertido, vaidoso e bem-humorado que esconde uma atleta obcecada pela evolução e muito crítica com o próprio desempenho.

Consciente de que só o nome não valerá uma vaga na seleção olímpica que lutará pelo terceiro ouro em Tóquio, a central de 32 anos e 1,96m começa pelo clube um ciclo em que espera provar a Zé Roberto Guimarães que merece um lugar no grupo, decisiva como sempre. Depois de uma contusão grave, quando defendia o Eczacıbaşı, da Turquia, em que chegou a ser diagnosticada com apenas 20% de chance de voltar às quadras, que só aumentou a vontade e a motivação para atuar. Em entrevista ao Hoje em Dia, ela falou sobre o momento, expectativas e lembranças tatuadas nos braços.

HOJE EM DIA ­­­­– Como está sendo para você esse retorno, depois de 14 anos e tantas conquistas?
Eu vim para cá com 15 anos e, no ano seguinte eu já estava participando dos treinos e partidas no adulto. Está sendo demais. As primeiras semanas eram até engraçadas, porque eu passava pelos lugares e voltava no tempo, andando na rua novinha e vindo treinar. É muito prazeroso estar de volta, agora com uma responsabilidade bem maior, uma situação bem diferente, mas que me deixa bastante grata.

Apesar de manter boa parte do grupo campeão da Superliga, o time do Minas mudou bastante, começando pelo técnico (agora o italiano Nicola Negro). Quais as expectativas para a temporada?
Cada temporada é uma temporada. Se a gente ficar com o pensamento do que foi, do que era, na maioria das vezes os times mudam muito de um ano para o outro. A gente sabe que a saída da Gabi e da Natália é uma perda grande, pela maturidade, experiência, qualidade do passe, pela velocidade de jogo, mas estamos com peças diferentes e temos que pensar no que podemos fazer para conseguir os melhores resultados. Pressão sempre vai existir, ainda mais agora, como campeão. A Superliga é um campeonato longo, o importante é crescer e evoluir ao longo da temporada.

Você tem praticamente todos os títulos que uma jogadora pode desejar, com exceção do Mundial pela seleção. O que te motiva e faz brilhar os olhos?
Tudo. Independentemente do trabalho que você tem, se você não tem brilho nos olhos, amor pelo que faz está no lugar errado. Qualquer um tem que estar num lugar que ama, que satisfaz ou, do contrário, você não está vivendo, mas simplesmente existindo. Fazer um treino melhor, por exemplo. As pessoas muitas vezes me perguntam, 'ah, por que você se cobra tanto, exige tanto?" Não é porque eu ganhei tanto, que cheguei onde cheguei que vou deixar de me cobrar, de querer chegar mais longe, evoluir. A gente não pode parar, em qualquer área da vida. E é esse prazer de querer fazer mais, de buscar mais, nunca ficar na zona de conforto, sair sempre dela, porque tem dia que é difícil, é assim para todo mundo. É isso que dá motivação. Eu sempre fui muito dura, crítica comigo, mas acho que isso é que me tornou imparável, de não parar de querer estar melhor.  Para mim esse sempre foi o caminho.

Quão importante foi para sua carreira trabalhar com Bernardinho e Zé Roberto Guimarães? Algum conselho ou dica especial te fez crescer muito no começo?
Eu aprendi muito com os dois. Até hoje eu estou aprendendo, mas especialmente quando era mais nova. Eu peguei o Bernardo na fase dos 18 até os vinte e um, vinte e dois, depois o Zé, e tudo o que eu podia eu absorvia. Os dois são treinadores chatos no bom sentido. Treinador não tem que ser legal, se ele for muito alguma coisa está errada. Ele tem que cobrar, exigir que você faça o que foi pedido. É esporte de alto rendimento, de alto nível e quem não aguenta levar uma bronca, uma pressão, não tem que estar aqui. Vai ser secretário, fazer alguma coisa que não tenha pressão em cima. É um jogo de quem erra menos, não tem como. O aprendizado está nisso também e quem lida melhor com a pressão é quem vai ganhar.

Você jogou por apenas um clube no exterior. Por que a opção? Fale um pouco do período na Turquia (2016/2017), que acabou sendo conturbado.
Eu tive chance de jogar fora muito antes, mas eu sempre falei que priorizava continuar no meu país, perto da minha família, na minha casa. Naquele ano muita gente que não sabe o que diz fala que eu fui por dinheiro, mas eu fui porque quando o Osasco preferiu rescindir meu contrato de dois anos ao fim do primeiro, eu fiquei sem opção. Eu não teria como me transferir para qualquer outro time no Brasil, por limitação do ranking ou de orçamento. E eu acabei obrigada a ir para fora. Tirando a contusão, foi ótimo para minha experiência, meu crescimento, tudo. Um time ótimo, com meninas espetaculares, mas eu fui querendo ficar aqui.

Você presenciou o atentado de janeiro de 2017, em Istambul, que provocou a morte de 39 pessoas. Ia inclusive participar da passagem de ano na boite atacada...
A gente fala nossa, atentado, meu Deus, bomba, atiraram. E aqui, que a gente vive isso a cada esquina, todo dia aqui, no país inteiro? É estupro, assassinato, roubo, tudo. Você não anda mais no país tranquilo. Mas as vezes num barzinho passa um maluco atirando. Você vai com medo pegar um carro de aplicativo, a gente não tem mais paz, só que a gente acha que lá é muito pior, porque acostumou com o que acontece aqui. Se a gente for ver em números de vítimas, aqui é muito, muito pior.

A contusão em 2017 acabou sendo muito grave e te deixou fora das quadras por um longo período. De onde veio a força para a recuperação?
Foi uma recuperação longa, complicada, muito por causa dos diagnósticos de muitos médicos e gente que não sabe p.... nenhuma e dizia que eu não iria jogar mais, que eu não voltaria. Meu próprio médico me disse que eu teria 20% de chance de jogar novamente, mas eram 20%. Era pequena, mas eu tinha. Muita gente dizendo que eu não jogaria mais e eu tendo que passar por cima disso. Além de eu estar sofrendo com aquilo, sem poder pisar, sentada na cama por sei lá quantos meses, tinha dia que batia aquela tristeza, em chorava, mas eu pensava 'vamos lá, eu vou conseguir, vou fazer', se tinha que ir para a piscina eu ia, fiz tudo da melhor maneira possível. Se eu não tivesse uma cabeça muito boa e não pensasse muito positivo, seria difícil passar pela situação, mas minha família estava do meu lado o tempo todo, muitos fãs me mandaram energias positivas também. Teve gente também que falou besteira, que eu não consigo entender o raciocínio de uma pessoa ter tanto mal para distribuir, mas eu focava no lado positivo. Em momento ennhum eu pensei que não ia jogar mais. Eu me via voltando, com dificuldade, mas voltando à quadra, jogando, e o pensamento tem muito poder, essa positividade me ajudou muito.

E como está a cabeça em relação à seleção? O que o futuro reserva? Tem lugar na estante para mais uma medalha de ouro (em Tóquio'2020)?
Eu sempre falo que minha cabeça está no Minas. Eu preciso voltar ao ritmo, já que a gente ficou três meses sem fazer nada, aquela coisa toda. Fazer uma boa temporada, ir numa crescente, um bom campeonato, a ponte para estar numa seleção é estar muito bem no clube. Aí sim, estando bem, com a cabeça boa, fisicamente bem, tranquila, aí sim pensar em seleção. Por isso é que eu não falo 'claro que sim, com certeza'. Não é porque eu sou a Thaísa, ganhei duas olimpíadas, sou legal pra caramba que o Zé Roberto vai me convocar. Seleção é merecimento, a pessoa tem que estar lá e representar, e eu acho injusto tomar o lugar de alguém que mereça.

E como vê o momento de renovação na seleção? É possível manter o nível ou é natural a oscilação?
A gente já passou por isso antes, renovação é isso, não tem jeito. Vai ter altos e baixos, de oscilar, perder jogos, ganhar, encarar times que estão melhores do que a gente, mas esse processo é que endurece, que dá o casco pra jogadora que vai criando experiência, tem que ter paciência. Ninguém consegue renovar o time inteiro para ele chegar voando, totalmente entrosado, tudo é um processo. Tem que criar uma conexão, e isso não acontece com dois, três meses de treino. O brasileiro é muito imediatista, do tipo 'trocou a seleção inteira, mas tem que ganhar'. Não é assim, tem que ganhar. Elas estão jogando bem, se esforçando, evoluindo, vão perder, vão ganhar, faz parte. O time da Sérvia hoje está voando, mas há alguns anos só tomava pau. Elas estavam em processo, em evolução. Sempre perdiam para nós, mas hoje estão nas cabeças, difícil pra caramba de jogar contra.

Você vai atuar ao lado da melhor jogadora da última Superliga, Carol Gattaz? A Macris só vai levantar bolas para o meio de rede?
Tomara. É maravilhoso isso, só que a gente precisa de um bom passe, a gente não existe sem um bom passe. O jogo da central é muito de equipe, porque se não tiver uma boa recepção e uma boa bola na mão da levantadora, é muito difícil jogar. Já joguei na seleção com a Carol, é uma pessoa maravilhosa, de astral bom, só tem a acrescentar, a experiência dela e minha com a das meninas tem tudo para fazer o time evoluir. Melhor que isso, só dois disso.

E esse lado divertido, bem humorado, vaidoso. Fala um pouco sobre ele
Quem joga contra acha que eu sou carrancuda, cara fechada, mas quem joga comigo sabe que eu gosto de brincar, contar piada. E sou vaidosa mesmo, acho que a mulher tem que ser, a gente vive suada, cabelo preso, respeito quem pensa diferente, mas gosto de ser assim. Desde muito pequena eu sou. No jogo eu esqueço, fico descabelada, maquiagem borrada, mas é hora de esquecer de tudo e ter sangue nos olhos.

A seminfinal olímpica de 2012 (Brasil x Rússia), com a virada improvável, foi 'o jogo'?
Sim, com certeza. A gente estava jogando ponto a ponto, elas tiveram seis match points contrários, tinha de ser com pequenas metas, e estávamos dando muita energia uma a outra, fico até arrepiada de lembrar. Quando você quer e deseja o bem para a outra pessoa que está no time isso conspira a seu favor, é outro segredo de time essa cumplicidade. Já joguei com atletas que passam longe de propósito para que a bola volte para ela e não para a central.FIVB/divulgação

Ao lado das mineiras Sheilla e Fabiana, Thaísa foi decisiva para o bi olímpico, em Londres'2012

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