Papo em Dia: 'Já tinha dupla e treinava desde fevereiro para jogar na praia’, revela Sheilla

Henrique André*
14/06/2019 às 17:28.
Atualizado em 05/09/2021 às 19:07
 (Henrique André)

(Henrique André)

Da primeira convocação para a Seleção Mineira, quando tinha apenas 15 anos, ao gostinho de retornar às quadras após se tornar mãe de gêmeas, aos 35, a oposto Sheilla experimentou o amargor e a doçura de uma carreira que impõe respeito. Bicampeã olímpica, ele retorna ao clube que a projetou no cenário nacional e interrompe hiato de três temporadas fora de combate. No Minas Tênis, inclusive, se sente no quintal de casa.

Pressionada pelos fãs a reiniciar a vida no vôlei, Sheilla abandonou o projeto de migrar para as praias – ela, inclusive, já treinava desde fevereiro pra isso –, e, ouvindo os conselhos de Breno Blassioli (marido), José Roberto Guimarães (técnico da seleção) e Zé Elias (preparador físico), deu preferência ao piso que sempre dominou.

Nesta entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, Sheilla revela projeto de Zé Roberto em tê-la na Olimpíada do Japão, em 2020, comenta sobre a nova geração de atletas no país, compara o comportamento dos jovens, na sua época e atualmente, fala da expectativa em manter o Minas no topo e vibra com a oportunidade de voltar a atuar no clube pelo qual conquistou a primeira Superliga da carreira.

Você volta às quadras após três anos. Mesmo sendo uma atleta multi-campeã, sente aquele mesmo frio na barriga do início da carreira?

Ah, com certeza. Não parou de existir ao longo desta trajetória. Sumiu quando eu estava parada. É um frio na barriga gostoso, que você tem em desafios que fazem parte da vida do atleta.

Você teve o privilégio de experimentar uma rotina de aposentadoria. Como atleta, chegou a dar uma certa ansiedade para voltar logo?

Eu não parei completamente fisicamente. Foram quatro meses sem fazer nada, depois de perder a primeira gravidez. Resolvi tirar um tempo para descansar. Parei de jogar com o objetivo de engravidar. Se eu tivesse parado sem objetivo algum eu ia enlouquecer. Meu marido estava em Brasília, então eu ia pra lá, ele vinha pra cá... Até passou muito rápido. Em agosto faria três anos que eu não jogava e este tempo passou razoavelmente rápido. Tudo por causa das outras coisas que eu estava fazendo.

Muitos atletas dizem que só tomam conhecimento do tamanho que têm no esporte quando param de jogar. Você alcançou esta reflexão?

Olha, eu acho que dá para ter sim. Você vê tudo de fora, fica mais próxima dos fãs nas redes sociais, aí acaba tendo esta noção. Antes do retorno, há mais de um ano, um tanto de gente vinha me perguntar quando você volta? Quando você volta?”. Eu pedia calma (risos). Na verdade, eu ia voltar para a praia e não para a quadra. Agora vejo a felicidade deles, então é um carinho muito legal, muito gratificante.

Você já tem em mente quanto tempo mais irá jogar?

Olha, eu já tenho filho, então agora eu vou até onde meu fator físico deixar jogar. Não estou pensando se vou ficar mais duas, três ou quatro temporadas. Meu outro sonho era ter filhos, agora tenho duas meninas, quero ter mais mas meu marido não quer (risos), então agora é jogar.CBV/Divulgação 

A Olimpíada do Japão bate à porta. É um sonho estar lá? 

Então, não me passava na cabeça de jeito nenhum, mas o Zé Roberto (treinador), neste tempo de pós-gravidez em que eu ganhei as meninas, conversou bastante comigo, assim como faço também com o Zé Elias (preparador físico). Eles falavam o tempo inteiro, antes da minha decisão, para voltar para um clube, e não para a praia. Eu até brincava com o Zé de que se fosse para clube não era pra voltar à Seleção e ele dizia que depois a gente conversaria sobre isso. Acho que tem sim a possibilidade de eu tentar ir para Tóquio, é uma coisa que ele quer que eu tente, mas depende do meu jogo. Ele acha que é importante eu jogar bem para ajudar nos Jogos. Não sei quando vou me apresentar à Seleção, mas é uma coisa que vai acontecer em algum momento. 

Tem acompanhado este novo ciclo olímpico? 

Sim, tenho acompanhado bastante. O tempo inteiro. Não parei de acompanhar a seleção em hora alguma. As três últimas Superligas que não acompanhei integralmente. Quando fomos homenageadas no Maracanãzinho pelos 10 anos do primeiro título olímpico, até disse para o Zé que eu ainda me sentia parte daquilo. Quando vejo a seleção não jogando bem, é triste né? Mas são coisas que fazem parte da fase de renovação e eu já passei por isso em 2002. Ele já sabe em quais jogadoras pode confiar e já tem uma base. Agora é encontrar outras para encaixar.

Por que hoje é difícil encontrar jogadoras com o mesmo peso que vocês tiveram mesmo quando muito jovens? As diferenciadas estão em extinção?

Acho que hoje os jovens, falo até pela minha família e meus primos mais novos, veem tudo ao mesmo tempo e acabam não tendo um foco. Se não dá num caminho, seguem outro. No vôlei é a mesma coisa; se não dão certo, partem para outra coisa. Naquela época a gente tinha um objetivo, talvez até por não ter tantas dispersões, e lutava em busca daquilo. Passávamos por cima das decepções. Com as redes sociais, parece que as pessoas enxergam o mundo todo muito perfeito, acham que vai ser tudo fácil e não têm tanta resiliência. Precisamos mudar isso.

E os salários para os jovens atletas também aumentaram...

Sim! Hoje, um juvenil já pede um salário que, se eu pedisse na minha época, me falariam: “filha, está achando o quê?”. Se hoje você exige uma coisa das mais novas, elas acham um absurdo. Acho que ganham dinheiro muito mais cedo sim e acha que vai cada vez aumentar mais e, quando vê que estacionou, não está jogando bem e vai para o fundo do poço, entra num depressão porque não conseguiu manter. Isso não é só no esporte, é na vida. Os pais querem proteger tanto as crianças que acabam criando filhos fracos para o mundo. Eles não têm desafios quando crianças; no primeiro obstáculo que precisam superar, parece o fim do mundo.

Estamos carentens das escolinhas também?

Quando eu joguei na base, no Mackenzie, a gente tinha uns seis ou sete times disputando o metropolitano. Hoje em dia, posso estar enganada, mas temos muito menos. Não tem a mesma base forte de antes. A Educação Física não sendo mais obrigatória nas escolas põe o esporte em segundo plano. Fica mais difícil produzir atletas assim. O esporte não é só para quem vira profissional; ele ensina muito de tudo e é fundamental para toda criança. É uma maneira de se educar.Instagram/Reprodução 

Suas filhas não terão escapatória, né?

Elas vão fazer tudo! Se vão jogar vôlei eu não sei, pois são elas que irão decidir. Mas que vão fazer vários tipos de esportes, elas vão (risos).


Como ao Minas é voltar e ver o clube novamente no topo do país? Mesmo com as saídas de Natália e Gabi, dá para se manter nesta posição?

Perdemos duas grandes jogadores, que eram a base do time, principalmente pelo passe e a liderança. Mas o Minas está se fortalecendo. Vamos brigar para ganhar tudo, estamos tentando construir uma equipe tão forte quanto a do ano passado. Temos tudo para nos manter brigando com as melhores. Não sei falar das estrangeiras que chegaram, mas se elas se sentirem em casa, têm tudo para dar certo. 

Você citou que cogitou jogar na praia. Já tinha um projeto engatilhado?

Não vou falar que eu tinha patrocínios nem nada, porque eu não tinha aberto para ninguém. Mas eu já tinha uma dupla, já estava fazendo treinos aqui desde fevereiro; o técnico vinha para cá me dar os treinamentos. Eu já vinha falando com as pessoas envolvidas desde 2017. Eu já tinha uma coisa montada sim. O que me fez tomar esta decisão foi... a pressão (risos). Meu marido, Zé Roberto e o Zé Elias me mostraram que o vôlei de quadra é que era minha praia. Falaram que ainda tenho muito a render. Então decidi tentar a quadra de novo, tentar ir para Tóquio e depois eu vejo se jogo ou não na praia.

E a questão da Bruna Honório?

É bem triste pelo o que ela passou, mas ainda bem que já está recuperada. Assustou todo mundo. Eu vi a notícia pela imprensa, num dia à noite. Mandei mensagem para Natália e para a Gabi, perguntando o que estava acontecendo e nem elas sabiam ao certo. Eu já estava negociando com o Minas antes disso acontecer. Conversei com a nossa cardiologista e ela disse que, com a Bruna, aconteceu dos males o menor, até por ter descoberto bem no inicinho. Não sei quando ela volta, mas creio que seja logo. Eu e ela aqui será muito bom para o Minas e também para as duas.

O Minas terá as duas opostas em Tóquio?
Aí é com o Zé. Vou jogar isso para ele (risos). A Bruna fez uma temporada fantástica e, com certeza, seria a titular no momento. Se ela não tivesse sido convocada, não descobriria o problema de saúde. No Minas ela faria um pouco tempo depois. Tudo acontece por um motivo. Há onze meses havia feito exames e não tinha nada.Instagram 

* Colaborou Hugo Lobão

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por