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Preparador físico das seleções de base ataca Lei Pelé e explica ‘padronização’

Wallace Graciano
Hoje em Dia - Belo Horizonte
08/02/2015 às 08:52.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:57

(Divulgação)

Há quem diga que Eliott Paes, de 53 anos, é o mentor intelectual de Alexandre Gallo. Uma espécie de guru do coordenador técnico das seleções de base do Brasil. Certo é que o fisioterapeuta e preparador físico está em alta na CBF. No cargo de coordenador de preparação física das categorias de base, Eliott tem a missão de padronizar os trabalhos físicos na base da Seleção e também nos principais clubes do país.    Para tal, tem ministrado palestras e clínicas em vários estados. Com um currículo extenso, o paulista radicado em Minas acumula experiência no atletismo de ponta do país, no vôlei e no futebol, com passagens por Atlético e clubes da Europa, como Lyon, Schalke 04 e Galatasaray. Em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, Eliott diz que participou do processo de modernização da Cidade do Galo, fala dos desafios do atual cargo e afirma que a Lei Pelé impacta negativamente na formação de novos valores, por conta das restrições acerca de atletas com idade inferior a 14 anos.    Como surgiu a oportunidade de assumir a coordenação de preparação física das categorias de base da Seleção Brasileira? Voltei ao Náutico em 2012 e conseguimos chegar à Copa Sul-Americana. O trabalho chamou a atenção de todos. Quando o (Alexandre) Gallo foi chamado para a Seleção Brasileira, em 2013, e me convidou posteriormente, cheguei a conciliar um pouco os dois trabalhos, já que havíamos feito um projeto de reestruturação do Náutico, semelhante ao que fizemos no Atlético em 2001, quando projetamos a Cidade do Galo. Depois é que fui ser efetivado na Seleção Brasileira.   Você disse que participou do processo de modernização do CT do Atlético. Como foi esse trabalho no clube? Sim, participei diretamente em todo o processo de formação ao lado do Bebeto, principalmente na divisão das áreas. Quando cheguei ao Galo, em 1999, peguei o período de vacas magras, que o clube ainda tinha uma estrutura aquém da sua grandeza. E fizemos parte da transição da Vila Olímpica para a Cidade do Galo. Ajudamos a projetar onde fica a mus-culação, a piscina, a fisiologia. Na época, para você ter noção, os atletas ficavam em cadeiras com seu material de fisioterapia. Muitas vezes, eu tinha que ir com esse material no meu carro. E isso evoluiu. Na época, muitos não acreditavam, já que se fazia muita promessa, mas nada saía do papel. Mas tínhamos bons dirigentes como o (Alexandre) Kalil e o Bebeto, que elaboraram esse projeto de CT. Eles souberam estruturar a Cidade do Galo.    Vários clubes do país possuem centros de treinamentos de primeira linha, mas não conseguem o resultado esperado. Por quê? Vejo que não adianta ter apenas estrutura. Precisa ter estrutura de pessoal competente. Os clubes precisam perceber que tudo que for investido em profissionais preparados e capacitados trará retorno. E isso foi nítido no Atlético. Percebi isso também na Alemanha.   Você está com o desafio de estabelecer um padrão de preparação física nas seleções de base do Brasil, da sub-15 à olímpica. Como tem sido esse trabalho? Nosso projeto quer criar uma unidade não só nas categorias de base da Seleção, mas de todo o país. A CBF entra em contato com as federações especiais, que comunicam aos clubes. E os preparadores físicos dos clubes se apresentam no encontro. Já passamos por vários estados brasileiros, como Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, entre outros. Já tivemos quase 200 profissionais presentes.   Quais as vantagens de se padronizar a preparação física das categorias de base? A gente tem pedido a esses profissionais que eles tenham dentro do seu planejamento um projeto preventivo dentro do foco de empenho. Nossa maior preocupação é quanto à qualificação do movimento do atleta. E, felizmente, vários clubes estão mudando essa mentalidade, qualificando o movimento em todos os exercícios passados aos meninos. Esses jovens estão em fase de formação e precisam vivenciar o máximo possível de tarefas motoras. Assim, terão uma formação integral.    E vocês conseguiram obter resultados significativos nesse pouco tempo de trabalho? Sim, o trabalho teve a curto prazo ótimos resultados. Estamos felizes com isso. Nossa maior alegria é que os clubes aderiram à avaliação do movimento em detrimento das avaliações de agilidade e força. Tivemos esse ganho. A CBF está cada vez mais próxima dos clubes.    E quais são os resultados que podemos esperar no futuro? Quando o atleta sair de um dos clubes, ele terá uma boa metodologia de crescimento. Percebemos hoje que a mudança de profissionais é constante. E a gente não quer que essa falta de continuidade atrapalhe a evolução do atleta. Quando temos uma comunicação constante e uma filosofia em comum, fica mais fácil o trabalho. É uma via de mão dupla.   Depois dos 7 a 1 na Copa 2014, muito se falou da estrutura alemã. Você conhece bem as duas culturas. Há realmente defasagem na preparação física do futebol brasileiro? A defasagem que percebo é muito mais na interação entre os trabalhos físicos, táticos e técnicos do que o trabalho físico em si. O que ocorre na Europa é que o resultado ruim de um domingo não muda algo que estava estabelecido para a semana. Quando a intensidade do trabalho é bem controlada, os treinos têm todo o potencial para dar bons resultados. Quando não é feito de forma progressiva, trará sérios problemas no futuro.    E na formação de atletas. Onde estamos errando? Alguns analistas dizem que está faltando o lúdico na base, e sobrando competitividade. O Brasil, por suas dimensões, possui várias culturas. E essas culturas de cada região fazem com que o trabalho seja direcionado a apenas uma forma. Penso que devemos fazer uma formação integral, com a preocupação de formar um vocabulário motor no atleta. Na Alemanha, se trabalha a partir dos cinco anos. Aí, já se faz um planejamento da chegada dessa criança até o profissional, sempre respeitando sua idade. Aí você chega no Brasil, até pela questão da lei, você pula certos aspectos na formação. Se atropela processos essenciais.    A legislação atual está interferindo negativamente no processo de formação? Sim. O Gallo apresentou um modelo para se mudar alguns pequenos detalhes na legislação atual, que considera como relação trabalhista os atletas menores de 14 anos alojados no clube. Temos que ver que a realidade no Brasil é diferente da alemã. Aqui, um menino sai do interior de Minas tentando conseguir seu sonho de jogar futebol, mas fica inviável se manter em BH sem poder se alojar no clube. É preciso chegar rápido à conclusão de que uma mudança na lei beneficiará crianças e futuros atletas. A legislação atual prejudica etapas de transição. É uma loucura. Arrebenta todo o processo.   Uma mudança efetiva na legislação já traria bons resultados? Sim, mas não é somente nela que temos que mudar. Vejo também como um processo educacional. O sistema educacional alemão faz com que o professor trabalhe em cima do mesmo sistema educacional do clube. O trabalhador físico da escola conhece o do clube. Assim, os trabalhos são parecidos. Assim, quando o atleta tentar se tornar um jogador, terá mais possibilidades de obter sucesso.    Dizem que você é um “guru” do Alexandre Gallo. Procede? Na verdade, o mais importante do trabalho é ser respeitado naquilo que você estuda e acredita como essencial para obter um resultado positivo. E com o Gallo é assim. Não só comigo. Mas com o grupo. Quando se tem o respeito, conseguimos passar informações essenciais. E ele sabe que pode acatar nossas opiniões. Entendo que é preciso um entendimento, que todos não pensem no individual, mas, sim, no coletivo. Não posso deixar de entender o coletivo por um capricho, até mesmo meu. Preciso pensar em quem represento e com quem represento.   E que informações seriam essas? Como são aplicadas? Hoje, ao lado do campo, conseguimos interferir nos atletas. Se ele tiver em uma intensidade reduzida, vou falar com o Gallo para ampliar os trabalhos. O mais importante não é conseguir o resultado depois, é durante o processo. Às vezes, ele inicia o trabalho em intensidade alta e posso diminuir. Essas informações facilitaram muito sobre qual a necessidade que o grupo está fazendo. Não são só físicas, mas técnicas e táticas. Podemos olhar o que grupo precisa e melhor direcionar.    Mudando um pouco de foco, por quê alguns jogadores, como Fred, Guilherme e Pato se machucam muito mais do que outros? O que a gente percebe é que o atleta precisa passar por um mapeamento específico do problema dele. Não é só olhar a lesão, mas descobrir a causa. Quanto mais recursos você tiver para fazer esse mapeamento, através de testes e laboratórios, mais chances você vai ter desse atleta voltar às condições normais. Percebemos que o atleta que tem essas lesões frequentes precisa ser observado de forma diferente. O Pato estava na Europa e não conseguia jogar. Voltou, teve pequenas lesões no início, mas depois respondeu muito bem. Tudo por conta do mapeamento completo.    Muito se discute sobre a caixa de areia na preparação física. Alguns são a favor, outros contra. Qual é a sua posição? Em termos fisiológicos, a caixa de areia é uma ótima alternativa para recuperação. Porém, a questiono pela especificidade em trabalhos de preparação física. Qual é a especificidade do atleta? Trabalhar na grama! Se não tem como ser específico daquela modalidade, não tem porque fazer o trabalho.    Vocês conseguiram o objetivo primário, que era obter uma vaga para o Mundial Sub-20. Quais serão seus próximos passos visando ao torneio? Neste domingo, viajo rumo à Nova Zelândia para acompanhar o sorteio das chaves do Mundial. Depois, vou para a Austrália para passar um tempo de adaptação ao fuso horário e ver em que condições vamos reagir, já pensando na preparação para o torneio. Vamos avaliar academias, campos, já pensando pensando na estrutura para que a gente utilize em maio para o início do torneio.

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