Ser 'barriga de aluguel' de outros clubes é passado no América

Henrique André
11/01/2019 às 11:00.
Atualizado em 05/09/2021 às 15:59
 (Henrique André/Hoje em Dia )

(Henrique André/Hoje em Dia )

A paixão de Marcus Salum pelo América vem de berço. Influenciado pelo pai, Salim, o hoje presidente do alviverde brincava de bola e também vestia a camisa para acompanhar os jogos no antigo Estádio da Alameda, situado na avenida Francisco Sales, no bairro Santa Efigênia. Como atleta, foi goleiro e chegou à Seleção Mineira de futsal. Convidado pelo ex-técnico Barbatana para fazer teste no Atlético, rechaçou.

Com a missão de retornar à elite do futebol brasileiro e evitar outro “bate-volta”, o dirigente/engenheiro de 62 anos tem como trunfo sua experiência em contornar momentos turbulentos do Coelho e o conhecimento de todos os setores do clube, no qual teve o primeiro trabalho em 1986, numa função administrativa. Em 1989 ele se tornou diretor de futebol.

Nesta entrevista ao Hoje em Dia, Salum conta quais os planos para fortalecer o América e deixá-lo apto a disputar novamente a Série A, explica porque, novamente, optou pela contratação do técnico Givanildo Oliveira, revela que o clube apostará na venda de jogadores para alavancar o caixa, argumenta porque ainda não vendeu o zagueiro Messias e diz quem ocupará o cargo diretivo deixado por Ricardo Drubscky.

O América manteve a rotina do “bate-volta” no Campeonato Brasileiro. Por quê?
Tenho muitos anos de América e vivi o clube intensamente. Temos um clube extremamente organizado e uma estrutura invejável. Porém, temos algumas limitações de ser um grande time no futebol brasileiro. O América hoje pode se honrar de ser um dos 20 melhores times do Brasil no ranking da CBF, em resultados nos últimos cinco anos. Isso é uma honra muito grande. Perdemos nas décadas de 60 e 70 a renovação da nossa torcida. Recuperamos muito a partir da década de 90, mas isso causou um desequilíbrio na nossa receita e numa série de outras coisas, o que fez o América ficar um pouco para trás. Estamos lutando contra isso há algum tempo, com muito sucesso, mas é perverso o sistema no país. Disputamos a Série A com R$ 60 milhões. A maioria dos clubes gastam isso no futebol em três, quatro meses. Diminui demais a nossa margem de erro. 

O que fazer?
Hoje temos um América muito bem estruturado, mas com limitações de recursos. Falei com minha equipe de trabalho que precisávamos dar um passo atrás, disputar novamente a Série B e voltar para a Série A numa condição diferente. Uma grande torcida nos ajudaria a alavancar as receitas, porém, não temos isso. Contudo, temos outras competências que nos fazem estar acima de outros clubes do nosso porte no Brasil. Sempre fomos um grande time na Série B nos últimos anos, mas ainda não fomos na Série A; é uma realidade nossa. Como vamos reverter isso? É o grande enigma. Arquivo Pessoal 

EX-GOLEIRO – Na adolescência, Marcus Salum (sexto da esquerda para a direita, em pé) defendeu a Seleção Mineira de futsal

Quanto tempo o América precisa para ter esta “condição diferente”?
O América fez um planejamento estratégico em 2016. Eu não estava no clube, mas me convidaram para participar do desenvolvimento. Disse que se não tivesse um orçamento, no mínimo, de R$ 100 milhões, não teríamos a tranquilidade e a condição para nos manter na Série A. Nosso objetivo ao recuar é lutar para voltar e por um orçamento condizente num “padrão América”. Nossa vantagem é ser um clube economicamente rico em questão de patrimônio e devemos muito pouco. Se tivermos o menor orçamento, mas compatível, com menos eu faço mais.

Quem ocupará a função do Ricardo Drubscky na diretoria de futebol?
Por enquanto, ninguém. Quem contrata hoje é um grupo comandado por mim. Temos um núcleo que faz avaliação, tudo com o aval do Givanildo. Tivemos muitos desgastes neste setor. Queremos dar uma saneada, já que temos menos recursos. Meu histórico de montagem de plantel, hoje muito bem melhor assessorado, acho que funciona muito bem. 

Qual o perfil das contratações?
Como estamos começando um novo trabalho, muito focados no que já fizemos durante muitos anos no América, vimos que o que sempre deu certo foi a mescla de experiência e juventude. Perdemos muitos jogadores com a queda e o grupo que está vindo é para dar um pouco de embocadura para o time; não tem essa de novo ou velho. A base mais experiente que precisávamos, já trouxemos.

Se Luan e Rafael Moura não tivessem protagonizado aquele lance no Maracanã, quando trocaram o batedor oficial (Moura) na hora do penal contra o Fluminense, teriam permanecido no clube?
É uma pergunta difícil de responder. Eu não gostaria mais falar neste assunto, pois está superado. Acho que as decisões foram equivocadas e que a sorte não nos ajudou naquele dia, independente de quem bateu o pênalti. Poderíamos ter ganhado o jogo. Não quero mais olhar para trás.

“Se nós não tivermos um orçamento, no mínimo, de R$ 100 milhões, não teremos a tranquilidade e a condição para nos mantermos na Série A. Temos que voltar com este valor à elite”


E as vendas de jogadores?
O América nunca foi um clube vendedor, mas vamos ter que nos transformar. Nosso maior ativo atualmente é jogador. Por isso estamos lutando pelo Planeta América e por melhorias na base. Estamos nos estruturando para melhorar. Espero que esteja tudo bem avançado nestes dois anos de mandato.

Por que o América não vendeu o Messias ainda? Recebeu boas propostas?
Não teve nenhuma boa proposta. A construção da venda do Messias tem dois fatores que precisam ser considerados. Ele pode ser vendido a qualquer hora, desde que recebamos uma proposta que nos atenda. A maioria das propostas que o América recebe é de empréstimo; isso não resolve nosso problema. Não queremos ser mais “barriga de aluguel” e, por isso, não vamos vender os 100% do Messias. Queremos um percentual para revenda, pois acreditamos muito no potencial do jogador. 

Existe mesmo uma cultura de não negociar grandes jogadores com Atlético e Cruzeiro?
Não é uma verdade absoluta. Se você pegar o passado,  tem muitos jogadores que foram vendidos para eles, como Wágner, Fred, Gilberto Silva, Gustavo Blanco... Porém, se você me perguntar se, como dirigente, prefiro vender para fora ou para Atlético ou Cruzeiro, não vou ser hipócrita. Prefiro que não vá. Não quero o jogador por perto e a torcida me xingando por ter vendido para um ou outro. Só que não posso fazer escolha, se a proposta for boa. Se eles chegarem de uma proposta real de compra do Messias, ele sai  tranquilamente. Brinquei com a mídia que, se tivessem (Atlético) feito a proposta do Igor Rabello - cerca de R$ 13 milhões - pelo Messias, que teriam o levado. Por que pro Messias tem que ser empréstimo e pro Igor Rabello compra?  Tenho um relacionamento com as diretorias.

Como você encarou a saída do João Ricardo para a Chapecoense?
Para te falar a verdade, achei natural. Ele criou uma expectativa de fazer o contrato da vida dele com 29 anos, se o América ficasse na Série A. O que ele nos pediu é fora da realidade da Série A. A luva que foi pedida pelo empresário, eu duvido que ele tenha recebido para acertar com a Chapecoense. Oferecemos a ele o melhor salário do elenco, mas ele não quis. 

Quem será o substituto?
Vamos dar a oportunidade ao Fernando Leal, que já está em fim de carreira. Que faça um bom campeonato (Mineiro). Mas vamos trazer outro goleiro (mais jovem) e dar a ele a mesma chance que demos ao João Ricardo. Mourão Panda/América 

Salum, por que sempre o Givanildo?
Olha, eu trabalhei com ele em cinco vezes e todas as passagens foram muito boas. Mudamos nosso modelo, fizemos um contrato de dois anos com um treinador que a gente acreditava, que era o Enderson Moreira, e ele quebrou o contrato. Então, precisamos na emergência de um treinador experiente. Achamos que, para fazer esta caminhada de volta à elite, o Givanildo é o treinador ideal. 

Por que sempre demiti-lo?
Na verdade, a volta da Série A, comigo, ele nunca fez. Eu nunca tive a experiência de fazer um acesso com ele e fazer a manutenção. Infelizmente, futebol é resultado; se o técnico não está dando resultado, ele tem que sair. 

O América tem prejuízo de mais de R$ 20 mil por jogo disputado como mandante no Independência. Atuar num estádio mais acanhado já esteve na pauta da diretoria?
O Independência é a nossa casa e a nossa paixão. Esquece esse negócio de sairmos de lá. Lutei por esta reforma e vamos recuperar o estádio após o comodato. O prejuízo que temos no Independência, no nosso orçamento, é investimento. O América vinha de uma média de 2.500 torcedores e esse ano batemos os 5 mil. Escolas, meninos, promoção... tudo isso é investimento. Estamos trabalhando para recuperar nossa torcida. Se não tivéssemos caído, a nossa meta para 2019 seria de uma média de 7 mil por partida. Queremos fidelizar o torcedor, com muitas escolinhas, muitas camisas, muito investimento em escolas, e por aí vai. 

O que o clube ganhar com a marca própria para a produção de material esportivos? 
Ganharemos mais mobilidade com o material. Quando vocês fica preso a uma marca, você não consegue fazer produtos mais populares, não consegue formatar pequenas quantidades para as lojas e por aí vai. Você passa a ser devedor de material para todo mundo. Ficamos limitados no mercado e vendemos menos. Queremos desenvolver cada vez mais um diferencial nos nossos produtos. 

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