entrevista

‘Ser treinador no Brasil é um exercício de sobrevivência’, diz Ricardo Drubscky

Treinador e dirigente, com passagens marcantes por diversos clubes do país, fala sobre gestão, formação de atletas e desafios no futebol atual

Angel Drumond
angel.lima@hojeemdia.com.br
Publicado em 28/07/2025 às 07:27.Atualizado em 28/07/2025 às 14:22.
Drubscky quando voltou ao Cruzeiro (Gustavo Aleixo)
Drubscky quando voltou ao Cruzeiro (Gustavo Aleixo)

Com mais de quatro décadas de atuação no futebol brasileiro, Ricardo Drubscky construiu uma trajetória que transita entre campo e bastidores, formação e gestão. Foi preparador físico, treinador, coordenador de base, executivo de futebol e mentor de novos profissionais. No currículo, passagens por clubes como Atlético, Cruzeiro, América, Goiás, Fluminense, Paraná e Vitória, além de trabalhos fundamentais na base, como nos títulos da Taça São Paulo com o América (1996) e no projeto do América-RN que o levou ao acesso da Série B em 2011.

Com trânsito respeitado no meio, Drubscky também teve papel ativo como educador: participou da criação da CBF Academy, lançou cursos e livros, e hoje atua como consultor e mentor no futebol. Na entrevista ao Hoje em Dia, ele comenta o momento atual de Cruzeiro e Atlético, analisa a chegada de Ancelotti à Seleção, fala sobre formação de atletas e os novos desafios enfrentados por quem trabalha no futebol brasileiro. Aos 65 anos, ele diz seguir ativo e motivado: “Não vivo do passado. Minha época é hoje”.

Diante da boa campanha do Cruzeiro no Campeonato Brasileiro, o senhor, que tem uma trajetória vitoriosa no clube como treinador e dirigente, acredita que há estrutura para o time brigar por vaga na Libertadores ou até algo maior nesta temporada?

O Cruzeiro está num processo interessante de reconstrução. Primeiro, com a SAF comandada pelo Ronaldo, e agora com o Pedro Lourenço, o clube vem dando passos consistentes. Estrutura tem, torcida tem, e está retomando a força institucional. O elenco é competitivo, e o modelo de jogo vem sendo respeitado. O Leonardo Jardim faz um trabalho moderno, baseado em conceitos que inclusive uso nas minhas aulas — construção sustentada, amplitude com pontas, entrelinhas bem ocupadas. Se mantiver essa coerência, tem chance real de brigar por Libertadores, sim. Mas o futebol brasileiro é muito dinâmico: lesões, suspensões ou perda de jogadores na janela podem mudar tudo. Não dá para garantir nada, mas vejo um cenário positivo. Mas hoje, Flamengo e Palmeiras ainda estão um pouco acima, em termos de projeto consolidado.

O Atlético tem oscilado entre competições nacionais e a Sul-Americana. Com sua vivência no clube em diferentes funções, o senhor acredita que o elenco atual tem condições de brigar por títulos em 2025?

O Atlético sempre vai brigar na parte de cima. É um clube com estrutura de excelência, um dos melhores centros de treinamento da América do Sul, estádio próprio e elenco de qualidade. Mas no futebol só isso não basta. É preciso identidade, continuidade e modelo de jogo claro. O time do Cuca ainda oscila, e vejo um esforço para encontrar esse encaixe. Há talentos individuais decisivos, mas falta a consistência que vimos, por exemplo, em 2021. Se houver estabilidade no comando técnico e uma ideia bem executada, o Galo pode chegar forte em 2025. 

A chegada de Carlo Ancelotti à Seleção Brasileira marca um novo momento na CBF. Como o senhor avalia os primeiros passos do treinador italiano à frente da equipe e quais os principais desafios na adaptação ao futebol sul-americano?

O Brasil precisava de um nome de peso, e o Ancelotti é um dos técnicos mais vencedores da história. Acredito que sua experiência pode trazer o equilíbrio que falta à Seleção. Ele sabe lidar com grandes egos, valoriza o jogo coletivo e conhece profundamente o futebol internacional. O desafio vai ser entender o contexto sul-americano: eliminatórias duras, viagens longas, pressão intensa da imprensa e da torcida. E claro, a questão do calendário e das convocações. Mas ele terá um grupo talentoso nas mãos. Se conseguir criar um ambiente positivo e um modelo de jogo simples e eficaz, pode ser o início de uma retomada. O Brasil ainda é respeitado no mundo, mas precisa se reencontrar internamente.

Em 2025, o senhor passou por um desafio importante ao assumir o Itabirito durante o Mineiro e a Série D. Qual balanço faz dessa experiência, principalmente diante da missão de evitar o rebaixamento e organizar o time em meio às dificuldades da divisão?

Foi uma experiência intensa. Peguei o clube na reta final do Campeonato Mineiro, numa situação delicada, e conseguimos cumprir o objetivo de evitar o rebaixamento. A estrutura era boa, com o suporte do Coimbra e o apoio da diretoria. Na Série D, começamos com bons resultados, mas oscilamos. No Brasil, infelizmente, os treinadores têm pouco tempo para implementar ideias. É uma realidade cruel. Fico feliz pelo que construí, pelas relações profissionais e pelo aprendizado. Saí com a sensação de dever cumprido no Estadual, embora na Série D o projeto tenha sido interrompido cedo. Essas passagens mostram como o futebol precisa ser tratado com mais racionalidade. Sem isso, os clubes menores dificilmente terão continuidade e planejamento.

Com sua ampla experiência na base de clubes como Cruzeiro, Atlético e América, como o senhor avalia a atual metodologia de formação no Brasil? Há um avanço concreto nos processos ou o talento individual ainda é o principal diferencial?

O Brasil é um país naturalmente formador. O talento continua surgindo, seja no futsal, na rua, na escola ou nos campos de várzea. O problema é que muitas vezes esse talento não é bem lapidado. Ainda vemos clubes que pulam etapas, que cobram resultados na base, que forçam meninos a jogarem como profissionais antes da hora. Melhoramos na estrutura física, na organização dos departamentos, mas ainda falta equilíbrio entre a intuição do jogador e o desenvolvimento coletivo. A Europa, por exemplo, nos superou em termos de metodologia e planejamento. Precisamos investir mais em formação de treinadores, em educação esportiva, em entender o futebol como processo. Se fizermos isso, voltaremos ao topo com naturalidade.

Seu filho, Lucas Drubscky, tem ocupado espaço relevante como diretor de futebol do Ceará. Como o senhor observa o desenvolvimento profissional dele e os principais desafios de atuar em um cargo de tanta pressão no futebol brasileiro atual?

Tenho muito orgulho do Lucas. Apesar de jovem — vai fazer 35 anos —, ele já tem uma bagagem considerável, passou por clubes como Bahia, Sport, Coritiba, Guarani, e agora está no Ceará. Sempre digo que ele construiu seu próprio caminho. Claro que cresceu num ambiente em que o futebol era tema diário, mas nunca foi levado pela mão. Temos uma relação muito profissional, trocamos ideias, nos criticamos. O que mais me preocupa é o ambiente em que os profissionais estão inseridos. As ameaças, invasões de centros de treinamento, pressão desmedida de torcida organizada — isso não contribui em nada. É preciso proteger quem trabalha, dar tempo para os projetos e entender que o futebol é feito por pessoas. O imediatismo tem destruído carreiras e afastado talentos da gestão.

Depois de décadas dedicadas ao futebol em diferentes funções — da base à coordenação técnica — o que ainda o motiva a seguir no esporte? Já vislumbra um novo projeto ou desafio no horizonte?

Sigo muito motivado. Não me vejo fora do futebol, mesmo que em outra função. Tenho desenvolvido cursos, mentorias, escrevi dois livros e continuo estudando. Lancei recentemente um projeto online com videoaulas e e-books, e isso me dá enorme prazer. Gosto de compartilhar conhecimento, de ajudar profissionais em início de carreira, de contribuir com clubes. Claro que continuo aberto a projetos como treinador ou coordenador, desde que tenham seriedade e propósito. Não quero mais viver de passado. Minha época é hoje. Enquanto eu puder oferecer algo ao futebol, estarei disponível. Quando perceber que minha contribuição terminou, eu mesmo saberei recuar. Mas por enquanto, ainda tenho muita lenha pra queimar.

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