Técnico da seleção sub-20, Rogério Micale terá contatos permanentes com Dunga

Felippe Drummond Neto e Henrique André
Hoje em Dia - Belo Horizonte
31/05/2015 às 10:15.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:17
 (Rafael Ribeiro/CBF -15/5/2015)

(Rafael Ribeiro/CBF -15/5/2015)

O imediatismo do futebol brasileiro e a gangorra em que se colocam os treinadores são cruéis, mas também dão oportunidades. Prova desta realidade, o baiano Rogério Micale, 46 anos, deixou a base do Atlético para substituir Alexandre Gallo na Seleção Brasileira Sub-20. Com a missão de preparar a equipe para o Mundial da Nova Zelândia – que começa hoje – em menos de 20 dias, ele assume de peito aberto o principal desafio da carreira. Como a lista de convocados já havia sido enviada à Fifa, Micale terá que trabalhar com os “meninos do Gallo”.   Em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia – primeiro veículo mineiro a conversar com o treinador após sua ida para a Seleção Brasileira –, o ex-técnico do Galo fala sobre o curto prazo para colocar em prática sua filosofia de trabalho, revela a postura tática que irá adotar, revela que estará bem próximo do técnico Dunga e comenta a pressão que o futebol brasileiro sofre desde a derrota por 7 a 1 para a Alemanha, na Copa do Mundo.   Você assumiu a Seleção a menos de 20 dias do Mundial. Quais as dificuldades de trabalhar nesse curto espaço de tempo?  As dificuldades são as normais do pouco tempo para trabalhar, como conhecer os jogadores mais profundamente, apesar de já conhecê-los dos times. Mas é diferente do convívio mais de perto, do dia a dia. O prazo é muito pequeno e é preciso acelerar vários conceitos estabelecidos para a equipe.  Mesmo assim, tenho sentido uma resposta positiva do grupo. Isso nos traz confiança. Espero que assimilem o mais rápido possível a nossa filosofia e que a gente possa fazer um grande mundial.    Como está o clima na Seleção Brasileira entre os atletas por conta das muitas mudanças ocorridas no comando da base? A receptividade que estou tendo dos atletas é surpreendente. Foi tudo muito tranquilo e a transição está muito boa. As informações que tenho passado estão sendo bem aceitas. Vejo o grupo empenhado e muito focado nos treinamentos e também os jogadores concentrados na proposta de conquistar títulos. A mudança de treinador na última hora é difícil, mas a resposta tem sido tão boa que nos surpreende e nos deixa esperançosos de que coisas boas acontecerão.    Você cortou quatro jogadores (Yuri Mamute, David, Bruno Lopes e Caio Rangel) da lista feita pelo antigo treinador (Alexandre Gallo). Por quê? Quatro jogadores tinham de ser cortados. A gente tem que fazer escolhas dentro do conceito e do esquema de jogo que quer para a Seleção. Foram atletas que optei, em função dos que se enquadram mais dentro de determinadas características. Foi num prazo muito curto de treinamentos – quatro dias – que tive de tomar essa decisão.    Nenhum jogador do Atlético, seu ex-clube, foi convocado para o Mundial. Foi uma opção mais ética do que técnica? Na verdade, eu não fiz a convocação. Quando assumi o cargo, a relação já tinha sido feita pelo Gallo e enviada à Fifa. Tem muitos jogadores do Atlético que eu gosto e que poderiam estar lá, mas eu não tive essa opção. Dentro dos 35 que eu poderia manter na lista não tinha nenhum do Atlético, por opção do Alexandre (Gallo). Eu não tive nenhum tipo de influência na escolha.   Formar um time mais técnico e leve é o foco que você traçou para a sua seleção. É esse tipo de jogador que a comissão técnica da seleção principal também deseja ter em breve? Meu contato com o Dunga foi apenas de um dia. Tivemos uma conversa franca. Não posso te assegurar que este seja o pensamento do Dunga, mas é uma tendência. A gente acredita que o futebol brasileiro é de qualidade técnica, velocidade e habilidade. É uma tendência do futebol atual. Todos os treinadores, de forma geral, querem seus times assim. Tivemos um primeiro contato, mas eu, particularmente, olho com muito bons olhos esta forma de jogar.    Até que ponto o fracasso no Sul-Americano, no Uruguai, pode servir de aprendizado para o time? Sempre que acontecem derrotas ou quando você tem uma expectativa em cima de algo que tem condições de realizar, e isso não se concretiza, ocorrem decepções e questionamentos. Nesta Seleção, os atletas vão saber tirar proveito e aprender com o que aconteceu. Estamos olhando para frente, sabendo das dificuldades do passado. Nosso alvo está na frente (mundial) e é para ele que estamos olhando. Estamos nos preparando para isso.   Existe, na base, a mesma pressão que há na equipe principal, devido ao fracasso na Copa do Mundo?  Na verdade o futebol brasileiro, de forma geral, é que sofre essa pressão. É claro que a consequência e as marcas ficam. Foi um recado para todos que trabalham no meio. Temos duas opções: aprender ou simplesmente ficar lamentando. Acredito que estamos aprendendo e caminhando para algumas mudanças. Desastres acontecem e estão aí para fortalecer as pessoas que sofreram na pele. Estamos reagindo e precisamos olhar para frente, trabalhar e reverter a situação. Temos que jogar com alegria e para frente.   Passados dez meses da “tragédia” dos 7 a 1, a impressão é de que ainda não há um projeto de reinvenção do futebol nacional e da Seleção, um trabalho uniforme da base ao time principal. Como avalia isso? O mundo hoje está praticando um futebol diferente. Eles se preparam para jogar contra o Brasil. Agora precisamos nos preparar um pouco melhor para enfrentá-los. É uma tendência, estamos passando por um processo de transição e vamos dar uma resposta, apesar das dificuldades. Tudo que precisar de readequação demanda tempo. Já identificamos o que precisa melhorar e estamos em busca disso.   Gallo dizia que o trabalho padronizado no futebol alemão, com o forte intercâmbio entre clubes e seleção, não é possível no Brasil, pelo fato de nosso país ter uma dimensão continental, o que dificultaria um monitoramento e uma uniformidade no trabalho. Concorda? Nesta perspectiva de monitoramento, sim. Por outro lado, temos fartura de mão de obra. Existe hoje na CBF um departamento de monitoramento com vários observadores em cada região. A intenção é errar cada vez menos e estar bem servido de material humano. Estamos transformando uma perspectiva ruim em uma boa. Com esse trabalho teremos um leque bem maior de opções para formar as seleções, melhorando a qualidade.    Na sua avaliação, quais são as nossas chances no Mundial? Por se tratar de futebol brasileiro, sempre buscamos o título. Mesmo com pouco tempo de trabalho, esta camisa é respeitada, o grupo de trabalho é de excelência e os jogadores já atuam nos principais clubes do país. É com esta perspectiva que vamos ao mundial sonhando com o título.    Com qual frequência você vai se comunicar com o técnico Dunga?  Combinamos de nos falar com uma frequência grande. Falaremos sobre planejamento. Foi tudo muito recente, mas o Dunga nos deu uma abertura muito grande e uma forma bacana de trabalho. Fico feliz de trabalhar com pessoas que estão tendo uma visão promissora para a seleção principal. Teremos vários encontros para definir diretrizes, modelo de trabalho e perfil de jogadores que iremos convocar. Vamos ter muito trabalho pela frente.   Você teve uma oportunidade de trabalhar no profissional do Atlético, com a saída de Luxemburgo, em 2010. Depois, treinou o Grêmio Prudente. Em ambos não teve tempo de mostrar o trabalho e acabou substituído. Sente-se frustrado profissionalmente? Não me sinto frustrado. Infelizmente a gente sabe que no futebol brasileiro não existe na maioria dos clubes um planejamento e a convicção quando se contrata um profissional. Se houvesse, não veríamos dispensas com duas derrotas. Foi o que aconteceu comigo no Grêmio Prudente. Era uma equipe que estava sendo montada, os resultados não vieram e acabei sendo desligado. Se a coisa não acontecer sobra para o treinador. As pessoas só observam o resultado do hoje, do agora. Não existe um planejamento a médio prazo. Por isso não me senti frustrado. Me sinto preparado e novo para assumir grandes clubes e acredito que minha carreira só está começando. Não quero precipitar etapas e acredito que meu trabalho vai me levar a uma equipe que me dê a manutenção de um trabalho e que eu possa desenvolvê-lo.   Você entende que o mercado para os técnicos entre os grandes clubes brasileiros é viciado e muito restrito a poucos nomes? Por que a renovação é tão lenta? Por falta de convicção das pessoas que gerenciam o futebol brasileiro. Se alguém te tira de um ambiente é porque ela acreditou no seu trabalho e vai te dar condições de desenvolver o mesmo na nova empresa. Mas se algo dá errado e ela quer mudar logo de cara é porque falta convicção na aposta feita. Precisamos entender o que queremos primeiramente, para depois iniciar um trabalho em qualquer área profissional. No futebol, hoje as pessoas vão pela pressão da torcida e da imprensa, e acabam interrompendo o trabalho. Geralmente quem está buscando seu espaço é muito mais suscetível a perder espaço do que aquele profissional que já tem um nome feito no mercado.

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