Torcedores impedidos de ir ao estádio ignoram punição em Minas Gerais

Rodrigo Rodrigues - Hoje em Dia
06/10/2013 às 15:54.
Atualizado em 20/11/2021 às 13:06

Quarta-feira, 18 de setembro. Vestido a caráter, Caio H. V. sai de casa, na Região Noroeste da capital, para empurrar o Cruzeiro em busca de mais uma vitória no Campeonato Brasileiro. Um “descuido”, porém, impede que ele acompanhe a goleada sobre o Botafogo, por 3 a 0, no Mineirão. “Vacilei. Esqueci de esconder o ‘baseado’”, lamenta o jovem de 23 anos, referindo-se ao cigarro de maconha apreendido com ele, durante revista na entrada do Gigante da Pampulha. “Nos próximos três jogos do Cruzeiro em Belo Horizonte, você precisará se apresentar à Justiça. Assim, terá tempo para refletir sobre o que está fazendo com a própria vida. Vai pensar que poderia estar no jogo, mas está lá no Juizado Especial Criminal (Jecrim)”.    A sentença, em forma de sermão, é dada por Geraldo Luiz Ribeiro, juiz de plantão naquela noite. No mesmo instante, o termo circunstanciado é lavrado na delegacia do estádio, na presença do defensor público, Henrique Vilaça Belo, e do promotor, André de Oliveira Andrade.    Cumprida as formalidades, o cruzeirense é liberado e deixa o local visivelmente aliviado. Promete respeitar o acordo que assinou. “Obrigado”, agradece, ao apertar a mão do magistrado. Torcer para o Cruzeiro no Mineirão, somente no fim deste mês, quando a Raposa receberá o Criciúma, no dia 27.   A exemplo de Caio, outros cidadãos têm sido impedidos de frequentar estádios em várias regiões do país. O objetivo da medida é afastar os considerados “maus” torcedores.   Acordo no lixo   Embora a Justiça esteja fazendo sua parte, ao definir penas de forma rápida, não se pode afirmar que os infratores estão longe dos jogos dos seus times. Na última quarta-feira, o Cruzeiro goleou a Portuguesa, por 4 a 0, no Mineirão. Enquanto o time de Marcelo Oliveira garantia mais três pontos no Brasileirão, Caio deveria estar no Jecrim.    No prédio da Avenida Juscelino Kubitschek (Via Expressa), 3250, ele se “encontraria” com Arthur Augusto Ferreira, 20 anos, Cristiano Pereira da Silva, 25, e Edivaldo Luiz de Avelar, 18.   Por dois meses, o trio está proibido de torcer pela Raposa, além de ter de prestar serviço comunitário pelo mesmo período. No duelo contra o Flamengo, em 8 de setembro, eles foram presos com outros três cruzeirenses, após briga generalizada no entorno do Mineirão. “Os envolvidos são da Máfia Azul e Pavilhão Independente, e vêm se enfrentando com frequência, devido a uma briga antiga de torcidas”, descreve o boletim de ocorrência.   O jogo contra a Lusa já está no segundo tempo, mas nem sinal dos quatro torcedores no Jecrim. “Mesmo se chegarem agora, não posso emitir a certidão. Vou encaminhar ao promotor, para que sejam tomadas as providências”, informa um funcionário do Juizado.    FMF descumpre procedimentos por três anos   Quem for proibido de ir ao estádio deve ter o nome publicado no site da federação local, bem como em todas as entradas dos estádios onde ocorrerão as partidas. É o prevê o Estatuto do Torcedor. O inciso que determina a divulgação foi incluído em 2010.   O Estatuto promete rigidez no cumprimento da lei. Em alguns casos prevê, até mesmo, a destituição dos seus dirigentes, “na hipótese de violação das regras”, após a tramitação do processo legal.    Na prática, contudo, a situação é outra. A Federação Mineira de Futebol (FMF), por exemplo, descumpriu esse item por mais de três anos. Até o último dia 30, o registro mais recente de torcedores impedidos era de fevereiro de 2010. À época, seis cruzeirenses e dois atleticanos compunham a lista, com as sanções terminando em abril e maio daquele ano.   “Os nomes são divulgados no site a partir do encaminhamento de ofício do Juizado Especial Criminal. Porém, segundo o órgão, esse tipo de punição não tem sido constante desde o retorno dos jogos dos times para os estádios da capital”, alega a FMF.   Mando de campo    Em relação às outras três principais federações do país (SP, RJ e RS), a Paulista é a exceção. Em seu site há uma lista atualizada semanalmente. A mais recente, publicada na última quinta-feira, contém 129 torcedores, entre eles Leandro Silva de Oliveira. O corintiano ficou preso seis meses na Bolívia, acusado de envolvimento na morte do jovem Kevin Espada, de 14 anos, em fevereiro.   Vinte e dois dias após voltar ao Brasil, foi flagrado brigando no jogo Vasco e Corinthians, no Mané Garrincha, em Brasília. Raimundo Cesar Faustino, seu parceiro de confusão, também está na lista. Eles só poderão voltar a jogos do Timão em 25 de novembro.    Além disso, os dois times perderam quatro mandos de campo cada. O Palmeiras também perdeu dois mandos por uma confusão entre seus torcedores, no fim de julho, em Guaratinguetá. Já Atlético e Cruzeiro foram multados pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) por uso de sinalizador em suas torcidas no Serra Dourada, contra o Goiás.   Nem a Justiça tem controle sobre os condenados    

Preso por atuar como cambista, Aguilar da Cruz Jesus, que é cruzeirense, cumpre a pena durante os jogos do Atlético (Foto: Ricardo Bastos/Hoje em Dia)

  O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) admite não ter o controle exato sobre quantos torcedores estariam proibidos de frequentar o Mineirão e o Independência atualmente. “O TJ não possui um sistema que centraliza esse dados”, informa a assessoria do órgão.   Na Coordenadoria Administrativa do Juizado Especial Criminal há o registro de seis homens que estariam cumprindo a medida. A reportagem do Hoje em Dia identificou mais dois, entre os quais, Aguilar da Cruz Jesus, 36 anos, aposentado por invalidez.   De jeito simples e muito humilde, ele afirma ter sido vítima de uma “armação”. Aguilar foi flagrado pela polícia com três ingressos para a final da Copa Libertadores, entre Atlético e Olimpia, em 24 de julho.    “Eu tinha o costume de ficar na fila para comprar ingressos para um taxista, e recebia R$ 15 por isso. Na final, paguei R$ 150 a meu primo para ele ficar para mim. Ele comprou dois, depois, um colega me deu mais três para vender. O de R$ 200 iria passar por R$ 500. Acho que esse taxista ‘armou’ para mim”, relata, sem revelar o nome do suposto delator.   Preso em flagrante como cambista, no bairro Caiçara, Aguilar perdeu três ingressos, R$1,3 mil e um celular com dois chips. Outros R$1.150 encontrados com ele, para pagar um boleto, foram devolvidos pela Justiça. Como pena, ficou impedido de ir a jogos do Galo por três meses. “A coisa mais difícil é eu ir em jogo. Sou bobo de dar dinheiro para jogador?”, indaga. “Para completar, sou cruzeirense, mas agora tenho que ficar aqui de castigo”, brinca.   Em dia   Na última quinta-feira, Aguilar marcava presença no Jecrim, enquanto o Atlético vencia a Ponte Preta, por 3 a 0, no Horto. O aposentado fez questão de mostrar os demais comprovantes de comparecimento. Pelo visto, é o único dos impedidos que tem levado a punição a sério. 

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por