'Trocaria outros resultados pelo título da Superliga', diz Stefano Lavarini no Papo em Dia

Rodrigo Gini
19/04/2019 às 20:38.
Atualizado em 05/09/2021 às 18:18
 (Fotos Orlando Bento/MTC)

(Fotos Orlando Bento/MTC)

"Tentei jogar futebol, mas era um desastre. Tentei lutar caratê, mas só apanhava. Aí, adolescente, vi o time juvenil feminino da minha cidade começar a se destacar, e a meninada toda não perdia uma partida. As vezes estava assistindo um treino e o técnico me pedia ajuda com alguma coisa. Uma vez, e outra, e outra, quando vi, era assistente". Começava assim a carreira como técnico do comandante que carrega a esperança do Minas Tênis em dar fim a um jejum de 17 anos e voltar a vencer a Superliga Feminina de Vôlei, o italiano Stefano Lavarini, 40 anos. Disposto a deixar a 'zona de conforto' e a chegar mais longe na carreira, ele não pensou duas vezes em 2017, quando recebeu a proposta do clube da Rua da Bahia. Encarou diferenças culturais, de idioma, a concorrência com nomes de peso como Bernardinho e Zé Roberto Guimarães e, já no primeiro ano (18), cumpriu o objetivo audacioso do título sul-americano. Agora, tem a chance de fazer história como primeiro estrangeiro a conquistar o título na competição feminina. Em meio à agitação da preparação para as finais (que começam amanhã, no Mineirinho, contra o Praia Clube), ele encontrou tempo para falar sobre a trajetória, a experiência brasileira e os planos, que incluem o desafio de dirigir a seleção da Coreia do Sul em busca da vaga olímpica em Tóquio'2020.

O que esperar da decisão mineira? Que pontos destaca no Praia Clube que exigirão atenção especial?

Sem dúvida serão os jogos mais importantes desde que cheguei, a Superliga foi o objetivo que traçamos para este ano. A equipe chega muito bem, física e tecnicamente, embora tenha sido uma temporada muito cansativa pela quantidade de partidas e campeonatos. As meninas começaram a respirar a atmosfera da final, estão muito concentradas, motivadas e ainda temos bastante energia para encarar as finais. São pelo menos duas, talvez três partidas, é necessário contar tanto com o talento de quem pode fazer a diferença (e que existe dos dois lados) quanto com a força do grupo. Posso dizer que tive a sorte de encontrar aqui o melhor grupo com que trabalhei, e não comparo o aspecto técnico, mas o caráter, a união. O Praia é uma equipe equilibrada, muito forte, que chama a atenção pela relação bloqueio/defesa. Não temos um bloqueio tão alto, somos um time de qualidade de recepção e passe que busca compensar os aspectos em que elas possam ser superiores. Mas sei que eu quero muito esse título, disse às meninas que trocaria outros resultados que conquistamos pelo campeonato.

O que te fez aceitar o convite para treinar no Brasil, ainda por cima encarando treinadores vencedores como Bernardinho, Zé Roberto...?

Bom, eu vinha de cinco anos consecutivos no Bergamo e sentia a necessidade de algo diferente, de uma nova experiência. De início imaginava que defenderia outro time a 50 quilômetros de casa, mas acabei a 10 mil quilômetros. Quando fui convidado, pensei 'o que tenho a perder? Se não der certo, terá sido um aprendizado e uma grande vivência, sigo meu caminho'. Sempre tive ambição de chegar o mais longe possível e isso passa por enfrentar os melhores treinadores e comandar atletas de grande destaque. Foi o melhor que poderia acontecer comigo, mostrar que sou capaz de desenvolver um trabalho à altura.

Foi necessário adaptar alguma coisa a seu estilo de trabalho habitual?

Se eu tentasse vir repetindo o que os brasileiros fazem e não confiando nas minhas convicções, eu teria fracassado, e não acho que tenha sido o caso. Procurei unir a minha visão, minha experiência, a uma realidade de jogadoras de alto nível internacional. Lógico que procurei conversar com cada uma, de repente ajustar uma ou outra coisa, sugerir uma mudança, e todas se mostraram muito abertas a ouvir e tentar. Pude constatar que, tecnicamente, as brasileiras são mais completas do que as atletas de outros países. Numa emergência, qualquer uma consegue levantar uma bola com qualidade, dar uma manchete, isso me parece fruto do trabalho na base. Aqui se é primeiro jogadora de vôlei, e depois central, ponteira, oposta ou levantadora. Além da criatividade que os brasileiros têm, do Carnaval à música, passando pelo esporte.

Pelo que viu no Minas e nos adversários, existe material humano para uma renovação que mantenha o Brasil entre as grandes forças mundiais?

Do ponto de vista do talento e do interesse pelo vôlei não há a menor dúvida. As meninas jogam na praia, na escola, na Itália muitas começam a treinar para acompanhar as amigas, não mais do que isso. Mas nos últimos anos as seleções de base italianas têm vencido praticamente tudo, mesmo contra rivais como Brasil, China, Rússia, que eram verdadeiros pesadelos para nós. O que eu questiono é: será que o trabalho de formação e desenvolvimento fora da quadra está prosseguindo com a mesma qualidade? O problema, para qualquer país, é a cultura do resultado. Você tem uma atleta de 1,90m num time sub-14 e prefere não usá-la porque é mais lenta e, assim, ela não se desenvolve, quando poderia ser trabalhada.

Como é administrar os altos e baixos normais das mulheres, hormônios, variações de humor?

Sem dúvida o ciclo (menstrual) interfere, assim como a forma de refletir, o aspecto hormonal e é necessário descobrir a forma e o momento ideais para conversar com cada jogadora, qual modo de conseguir de cada uma seu melhor desempenho. Por sorte eu comecei no vôlei feminino, então não posso traçar um paralelo, dizer que é mais difícil, apenas diferente. Dois homens discutem, depois se entendem e o assunto morre ali. Já a mulher é capaz de se lembrar de algo que ouviu e a incomodou há seis meses, eu não me lembro nem do que comi ontem. Como disse uma vez Júlio Velasco (ex-técnico da Itália e atual da Argentina no masculino), felizmente as mulheres enfrentam outras mulheres, pois assim as circunstâncias estão presentes também do outro lado da quadra.

Você chama a atenção pelo estilo ponderado na beira da quadra, prefere a conversa ao grito

Não é uma questão de achar melhor um ou outro, mas um aspecto cultural. Italianos e brasileiros são muito parecidos mas, nessa hora, acho que somos menos passionais, mais racionais, sempre preferi agir assim, de uma forma mais equilibrada: sem perder a calma quando as coisas não vão bem, e também não me exaltando em excesso a ponto de perder o controle quando tudo dá certo. Por outro lado, esse ímpeto, essa capacidade do brasileiro de ir de um extremo a outro o leva a momentos de excelência (e também negativos) que nós não conseguimos atingir. Não existe um estilo mais eficiente que o outro, o importante é que se conquiste a confiança do grupo. É até engraçado: hoje muita gente comenta 'que ótimo, ele não precisa gritar e o time vence', mas assim que cheguei, cansei de ouvir quando perdíamos: 'mas como assim, o time em desvantagem e ele não grita'. Com certeza o Bernardinho não vence tanto porque grita, mas porque trabalha melhor que os adversários. 

Na temporada, Lavarini conquistou os títulos do Mineiro, da Copa Brasil e o bicampeonato sul-americano

O que mais chamou a atenção no Minas?

Eu nunca havia trabalhado em um clube assim, com equipes competitivas em várias modalidades e toda a estrutura à disposição no mesmo espaço, confesso que fiquei meio perdido de início. Mas com o passar dos dois tive a oportunidade de interagir com as demais condições físicas, começamos a trocar ideias e isso foi importantíssimo. O nível dos profissionais de todos os setores não me surpreendeu. A sensação que tenho é de que o Minas é uma grande família, em que todos se envolvem, se interessam, torcem pelo sucesso do seu trabalho.

E em Minas?

Eu devo confessar que isso me deixa até com raiva de mim mesmo, mas nesse tempo todo fiz muito menos para viver a cultura, a vida, do que gostaria. Quando não estou no clube estou estudando, assistindo vídeos, preparando as partidas, e não sobra muito tempo para as outras coisas. Me senti bem, aprendi a falar português razoavelmente, mas não fui a Inhotim, a Ouro Preto, a Diamantina, Tiradentes, não vi nada. Da cozinha eu posso dizer que experimento tudo, gosto de tudo e encontrei uma grande semelhança com a minha região (Piemonte, no Norte da Itália). Lá, além das massas, a base são carne vermelha e queijo. Exatamente como aqui. Vocês têm muitas variedades de queijos, me senti completamente em casa nesse sentido. O mesmo com as frutas.

O que falta para que os clubes brasileiros consigam encarar os melhores europeus em igualdade de condições? O Minas venceu um turco (Eczasibasi) na semifinal do Mundial, mas acabou tropeçando em outro (Vakifbank) na decisão.

Acima de tudo é uma questão de filosofia das competições. Para preservar as atletas locais e evitar um desequilíbrio, no Brasil há o limite de duas estrangeiras por equipe e o ranking. Na Itália, na Turquia e em outros países isso não existe, quem tem dinheiro contrata as melhores, sejam brasileiras, russas, chinesas ou italianas. São verdadeiras seleções internacionais. O único jeito de encará-las em igualdade de condições seria levando a Seleção Brasileira.

Terminada a Superliga, será a vez de comandar a Coreia do Sul na busca pela vaga olímpica...

Pois é, foi como falei antes da minha vinda para o Brasil, da vontade de enfrentar treinadores como Bernardo, Zé Roberto, Paulinho (Coco). Me senti desafiado a tentar classificá-las para os Jogos de Tóquio, ainda que não seja simples. Talvez minha experiência brasileira tenha me levado a subestimar a missão (risos), certamente o choque cultural será muito maior, mas quero tentar. Vir ao Brasil foi como viajar para encontrar um primo distante, ir à Coreia será como viajar a outro planeta. O vôlei delas é fortíssimo na defesa, a bola quase não cai, mas vence quem põe a bola na quadra adversária mais vezes. Acredito que por isso buscaram alguém de outra escola, para crescer nos outros fundamentos. Ir a uma Olimpíada seria um feito e tanto, mesmo que com outro escudo no peito. Só não garanto que vá conseguir aprender o hino a tempo.

E será um adeus ou um até breve?

Quando aceitei o convite da Coreia do Sul, quis ter a liberdade de seguir trabalhando com um clube, ter a possibilidade de seguir no Minas, ou voltar à Itália e eles entenderam isso. Não depende do meu desempenho lá. Estou muito feliz aqui, aprendi muito, quando cheguei não seria capaz de imaginar uma experiência tão positiva. Vamos ver o que será melhor para todos: para o clube, para mim, quem sabe não tenhamos outras páginas ainda a escrever juntos?

* Com participação de Hugo Lobão

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