Vavá: ‘Fomos lá mostrar um futebol que eles não conheciam’

Frederico Ribeiro - Hoje em Dia
19/10/2015 às 07:25.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:07
 (Ricardo Bastos)

(Ricardo Bastos)

Um exame cardíaco enganoso abreviou a carreira de Walter José Pereira, o Vavá, promissor atacante do Atlético no início dos anos 50. Aos 23 anos, ele foi obrigado a largar as chuteiras. Mas as retinas do ex-auditor fiscal da Receita Federal são mais preciosas que o pé-direito, que anotou 58 gols em 118 jogos pelo clube mineiro.

Última testemunha ocular de uma façanha alvinegra que se iniciou há 65 anos, Vavá foi o caçula da excursão atleticana à Europa, entre 23 de outubro e 16 de dezembro de 1950. O relato do “campeão do gelo” de 84 anos é documento histórico e poderá ser escutado na Sessão em Preto e Branco que o Centro Atleticano de Memória organizará mês que vem. No inverno europeu, Vavá e mais 18 atletas do Galo “honraram o nome de Minas no cenário esportivo mundial”.

Em qual contexto o Atlético foi convidado para a excursão à Europa?
Na Copa do Mundo de 1950, o futebol brasileiro, assim como o argentino e o uruguaio, era considerado o mais técnico. Mas não havia intercâmbio com a Europa. Antes da Copa, veio uma comissão de alemães ao Brasil - um empresário alemão, um presidente do Hamburgo e um jornalista - com um projeto. Eles focaram mais no eixo Rio-São Paulo. Mas um jornalista mineiro radicado no Rio de Janeiro, Canor Simões Coelho, sugeriu ao colega alemão que olhasse também o futebol de Minas Gerais, pois aqui tinha um time tão bom ou superior às equipes do eixo. Eles gostaram do Atlético e acertaram a viagem.

Quais consequências o Atlético deixou implantadas para os europeus?
O Galo foi, praticamente, o primeiro time a fazer uma excursão de quase dois meses em outro continente. O projeto idealizado era de melhorar o futebol europeu. Eu sempre digo que o Atlético foi um catalisador da mudança sofrida no futebol europeu. Haja visto que o próximo Mundial foi disputado na Suíça e quem ganhou? A Alemanha. Porque já tinham evoluído o próprio futebol.

Como foi conhecer a Alemanha cinco anos após o término da Segunda Grande Guerra?
Fomos a todas as regiões da Alemanha, jogamos em Munique, que fica ao sul. Jogamos em Hamburgo e Bremen que ficam ao norte e em Gelsenkirchen que fica ao centro. 50% de todas as cidades que nós conhecemos lá estavam destruídos. Você não via dois quarteirões sem destroços escombros de prédios para todo lado. Mas a capacidade de recomeço do alemão era incrível.

Como era para um garoto de 19 anos visitar um país tão diferente?
Eu era o mais novo da turma e ficava ansioso para conhecer todos os lugares. Por exemplo, em Munique, conhecemos a cervejaria do Adolf Hitler (Hofbräuhaus). Você imagina? O lugar que o Hitler dava ordens aos nazistas enquanto tomava uma cerveja (risos). Ela acabou sendo bombardeada.

Em 1950, o Maracanazo foi uma frustração. Em 2014, o 7x1 foi uma tragédia. Se um clube brasileiro excursionasse pela Alemanha hoje, seria para ensinar ou aprender?
Ah, com certeza seria para aprender. Hoje os valores estão invertidos. Na época, fomos mostrar aspectos que eles não tinham, como a ginga, a flexibilidade e a malandragem. Hoje não. Eles possuem estrutura, organização e até capacidade técnica, nos fundamentos básicos, melhores do que o nosso, infelizmente”.

O feito do Galo é valorizado como deveria?
Há muita ignorância sobre o assunto. A memória e a história não são preservadas no Brasil. O que fizemos foi marcante. O Atlético, através do Emmerson Maurílio (da Central Multimídia), está buscando muitas informações de jornais e revistas da época. Temos filmes de jogos nosso. Tanto que no dia 23 de novembro, terá uma Sessão na Sede do Galo para apresentar detalhes inéditos da nossa excursão e demonstrar o tamanho do nosso feito.

O Atlético reencontrará o Schalke 04, um dos adversários de 1950, na Florida Cup, em janeiro. O senhor foi convidado para o jogo?
Estarei lá. Eu fui convidado por alguns amigos brasileiros que moram na Flórida. Não são nada do clube, são amigos particulares. Vou viajar em janeiro e aproveitarei para estar presente nesta partida.

O senhor é o único campeão ainda vivo. Ainda mantém contato com a família dos ex-companheiros?
Felizmente para mim, mas infelizmente para os meus companheiros. Gostaria de que todos estivessem aqui. Mas todos nós éramos muito unidos, e até hoje tenho contato com as viúvas dos meus colegas. Porque no futebol daquela época, os jogadores ficavam no clube por anos e viravam amigos de verdade. Hoje já não é mais assim.

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