Velocista Terezinha Guilhermina fala sobre o Parapan de Toronto e a Rio 2016

Felippe Drummond Neto - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
02/08/2015 às 08:46.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:11
 (Patrícia Santos/CPB)

(Patrícia Santos/CPB)

Mineira de Betim, a velocista Terezinha Guilhermina, de 36 anos, embarca hoje para Toronto, no Canadá, com a delegação brasileira que vai disputar Parapan-americano entre os dias 7 e 15 deste mês. Ela vai competir contra atletas das classes T11 (deficiência visual total – cego) e T12 (baixa visão) nas provas de 100, 200 e 400 metros rasos. Dona de três ouros paralímpicos (um em Pequim 2008 e dois em Londres 2012), a velocista, que perdeu a visão por conta de uma doença congênita (retinose pigmentar), tem um histórico arrebatador nos Parapans: ganhou três ouros no Rio 2007 e três em Guadalajara 2011. Radicada em Maringá, no Paraná, por conta da falta de estrutura adequada em Minas, a atleta fala ao Hoje em Dia sobre o desafio de repetir o feito e ajudar o Brasil a se manter este ano como a principal potência do continente, já que o país terminou os últimos dois Parapans em primeiro lugar no quadro geral de medalhas.    Como você conseguiu se adaptar a provas de velocidade tão diferentes? Quando eu comecei no atletismo, eu não tinha nenhum patrocínio, e a única forma de ganhar algum dinheiro era disputando as provas de rua, que variam de 5 a 21 quilômetros. Em Atenas (2004), eu competi nos 400, 800 e 1500 metros rasos. Só em 2005 que decidi pelas provas de velocidade. Ter disputado provas longas no início me deu uma resistência maior. Em 14 anos competindo, nunca me machuquei.    Como você chega para a disputa do Parapan de Toronto? Crê na conquista de mais três medalhas de ouro? Estou muito bem preparada, estou mantendo minha melhor forma e as medalhas de ouro são consequência disso tudo. Vou dar o meu melhor e espero que seja o suficiente para que eu consiga ganhar as três provas.    Desde 2003, o Brasil é a principal potência no Parapan. Acredita que o país conseguirá manter essa posição? Assim como nos dois últimos Parapans, devemos ser a principal força da competição. Este é o nosso grande desafio, manter o bom rendimento e o primeiro posto. Afinal, foi feito um grande investimento do CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro) em vista da Paralimpíada do ano que vem no Brasil, e vamos para Toronto com a equipe completa.   Até que ponto o Parapan vai servir como termômetro para a Paralimpíada do Rio em 2016? Serve como uma mostra principalmente pelo formato similar de competição. Mas no caso do atletismo, o Parapan não é a principal competição do ano. Será o Mundial de Doha, no Catar, que será disputado em outubro. Lá, acho que será o verdadeiro termômetro, já que estarão os principais atletas do mundo competindo.   Qual sua expectativa para a Paralimpíada em casa no ano que vem?  Meu principal objetivo é que conquistemos o reconhecimento do público em geral e da mídia. Vamos mostrar que embora sejamos deficientes também somos campeões. Que os pais de crianças especiais e pessoas com deficiência vejam naquilo um exemplo para seguir. No lado pessoal, quero superar as minhas marcas e os resultados que conquistei em Londres.   A meta do CPB é ser top 5 no quadro de medalhas em 2016. É possível? Com certeza. Temos muitos atletas que estão no topo em suas modalidades. Nossa equipe de natação é fortíssima, no atletismo também. Se analisarmos os números de cada modalidade, tendo em vista os mundiais, na natação somos a terceira força, no atletismo a segunda, e podemos melhorar ainda mais esses resultados até o ano que vem. E como essas duas modalidade são as que distribuem mais medalhas, temos totais condições de terminar entre as cinco primeiras.    Você foi perdendo a visão gradativamente. Como foi sua adaptação a essa nova vida? Como eu já nasci com essa doença, então desde criança eu sempre enfrentei muitas dificuldades, mas, ao mesmo tempo, por nunca ter sido tratada como cega, sempre fiz tudo o que uma pessoa normal faz. Desde 2000, quando comecei no atletismo, passei por vários exames de oftalmologia, e eles sempre me falavam que eu tinha a visão muito comprometida. Mas como ainda tinha um pouco da visão, eu era classificada como uma atleta e enfrentava pessoas que enxergavam melhor que eu. Só em 2005 que um médico francês deu um diagnóstico de retinose pigmentar e me reclassificou como uma atleta T11 (deficiência visual total). Aquilo me revoltou porque além de saber que eu estava totalmente cega, eu passei a depender de uma pessoa para fazer aquilo que eu amo. Chorei muito, foi uma situação extremamente angustiante. No início, eu trombava muito com o guia, caía algumas vezes. Eu quase desisti de correr por conta de tudo isso, me sentia humilhada em depender de alguém. Mas graças a Deus eu consegui me adaptar.    Como é a sua relação com o seu guia, dentro e fora das pistas? Eu não tenho como treinar nem competir sozinha, por isso eu falo que meu esporte não é individual, é coletivo. O Guilherme esta comigo quase todos os dias e nossa relação é a melhor possível. Ele me passa uma sensação de estar correndo sozinha desde a primeira vez que me guiou. O movimento de braço dele é tão sincronizado com o meu que nem parece que ele está ali. Costumo falar que ele é perfeito por ser invisível pra mim. Já quebramos juntos três recordes mundiais. Fora da pista também temos uma ótima relação, conheço a família dele e ele conhece a minha, vamos um na casa do outro.   Quais são as suas maiores dificuldades no dia a dia, fora das pistas? Não gosto de sair de casa sozinha. Não consigo prever se tem alguém se aproximando de mim e sinto uma sensação ruim com isso. Por isso, sempre que vou sair é com minha irmã, com o Guilherme ou com uma amiga.    Cinco dos seus doze irmãos têm o mesmo problema congênito que você. Como a família lida com isso? Nós não sabíamos que havia deficiência, e meus pais, por serem muito exigentes, sempre nos cobravam como se não tivéssemos problema. Não enxergar nunca foi desculpa lá em casa para fazer mal feito. Além disso, como éramos cinco, achávamos que o mundo em volta da gente é que estava errado. Não era eu que trombava nas pessoas, elas que trombavam em mim. Só fui descobrir que tinha um problema quando entrei na escola, e meus irmãos também. Como meu pai era faxineiro e minha mãe empregada doméstica, os únicos exames que fazíamos eram na escola. Usei óculos com grau muito alto que até ajudava, mas eu não conseguia nem enxergar o quadro. Eu descobri realmente que era uma doença mais grave apenas com 17 anos. Foi quando descobri que era uma doença que não tinha cura e que podia até perder a visão.    Como é ser um exemplo para milhões de pessoas? E em casa, você é um espelho para os irmãos? Acho que me tornei um exemplo não apenas pelas minhas conquistas e superação, mas pela forma que eu falo sobre minha história sem pudor. Não importa de onde a pessoa venha, mas até onde ela quer chegar, e é isso que eu tento passar. Me sinto lisonjeada por ter me tornado esse exemplo. Já dentro da minha casa eu tenho além do carinho meus principais fãs, meus apoiadores para sempre ir mais longe.    Como é a vida de uma tricampeã paralímpica? É menos complicado conseguir apoio e patrocínio?
Comparado a outras atletas paralímpicas que não têm as mesmas conquistas que eu, talvez sim, mas em comparação a esportistas sem deficiência, não. Hoje tenho quatro patrocinadores; três deles são programas, na verdade, da Caixa, do Governo de São Paulo e do Ministério do Esporte. Infelizmente, ainda existem portas que não se abrem para atletas paralímpicos.   É reconhecida pelas pessoas nas ruas ou o esporte paralímpico não rende tanta fama como o futebol e outros esportes?  Quando vou a alguns lugares, algumas pessoas me reconhecem, e aí começa a comentar com a do lado e se espalha. Algumas vezes, até pedem para tirar foto comigo. Eu gosto.   Como analisa a triste realidade de falta de apoio e investimento no movimento paralímpico por parte do governo e do empresariado mineiro? Acho que o problema é mais a falta de vontade de fazer um centro de treinamento com as adaptações necessárias, porque atletas tenho certeza de que não vão faltar. Claro que eu tinha vontade de treinar em casa, mas por morar em Betim, era muito complicado para mim ter que pegar três ônibus até o Centro Esportivo da UFMG (CEU). Espero que haja investimentos nesse sentido para que o que aconteceu comigo não se repita com outros atletas. Tenho vontade de voltar, mas dependo dessa estrutura. 

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