Dois séculos depois

7 de setembro: como o Grito do Ipiranga ecoa nos dias de hoje

Pesquisadores e lideranças de movimentos sociais analisam os sentidos da independência à luz da história, da política e das lutas dos grupos minoritários

Publicado em 07/09/2025 às 15:14.
Independência do Brasil (Pedro Américo-Gravuras)
Independência do Brasil (Pedro Américo-Gravuras)

Mais de dois séculos depois do Grito do Ipiranga, dado por Dom Pedro I, em 7 de setembro de 1822, quando o Brasil se tornou independente de Portugal, a soberania nacional se vê ameaçada em meio a ataques políticos dos Estados Unidos da América: novas taxas estão sendo impostas às exportações brasileiras, bem como restrições a integrantes do Supremo Tribunal Federal e do governo. 

Para a historiadora Heloísa Starling, coordenadora do Projeto República da UFMG), apesar das ameaças, o Brasil continua independente, por atender a três critérios históricos e políticos: fronteiras definidas, autonomia política e jurídica e não submissão a outro país. 

Ainda assim, para a pesquisadora, o Brasil vive, hoje, a terceira maior tentativa de interferência estadunidense na soberania brasileira: “Até os anos 1960, na Guerra Fria, a América Latina não era uma prioridade política. Após a Revolução cubana e com o vínculo de Cuba com a então União Soviética, o governo do presidente dos EUA à época, Kennedy, se assusta, e os EUA começam um processo de tentativa de interferência na América Latina, especialmente no Brasil, porque faz fronteira com quase todos os outros países latinoamericanos. A segunda tentativa é o envio de uma força-tarefa caso houvesse resistência que impedisse de fato o golpe militar em 1964. O terceiro momento é agora, em uma tentativa de ditar as leis no Brasil", descreve a historiadora.

Conceito múltiplo

Em meio às tentativas de interferências estadunidenses, o governo brasileiro tem reagido e resistido, buscando fortalecer outras parcerias comerciais internacionais, como com a China e com o México, além de reafirmar a autonomia dos três poderes. Por isso, a professora do Museu Paulista da USP, a também historiadora Cecília Helena Oliveira, afirma: “o Brasil segue independente. Entretanto, o conceito de independência é múltiplo. A independência pode se referir à autonomia para gerir a vida de forma independente, mesmo fazendo parte da coletividade. Por isso, comunidades e agrupamentos populacionais podem se ver também como independentes, como eram os povos originários que estavam na América antes da colonização. Independência, autonomia, soberania são temas da política e se renovam a cada momento histórico e exigem, portanto, esforço, concentração e muitas vezes, uma luta social pela sua manutenção”.

A voz dos excluídos

Questionando o conceito (ou subvertendo a ideia histórica) de que o Brasil é um país independente, o Grito dos Excluídos, há 30 anos, vai às ruas por diversas cidades do Brasil para dizer que muitos grupos ditos minoritários socialmente - conjunto de pessoas com direitos sociais negados - ainda não conquistaram a independência e o acesso ao básico garantido pela Constituição Cidadã de 1998. 

O movimento foi iniciado em 1995, 10 anos após a redemocratização brasileira, iniciada após o fim da ditadura (1864-1985). Em Minas Gerais, o sociólogo Frederico Santana Rick integra a coordenação do Grito, cujo tema, neste ano, é Cuidar da casa comum e da democracia é luta de todo dia. 

O mote faz alusão à defesa da soberania nacional em meio às interferências estadunidenses, reforça a importância das lutas sociais para a manutenção da independência, numa perspectiva social: “O Grito dos Excluídos em 7 de setembro e a luta diária dos movimentos sociais são uma maneira fundamental de se questionar a fragilidade da nossa democracia e da nossa soberania e mesmo da nossa independência. Somos ainda um país de economia bastante agroexportadora e de pouca elaboração: somos dependentes tecnológicos, somos dependentes em termos de desenvolvimento econômico e social. Estamos vivendo um franco processo, há algum tempo, de desindustrialização, o que faz com que a nossa população tenha acesso a empregos de menor qualidade, de menor remuneração, de precarização, tudo isso fragiliza a nossa independência enquanto país e enquanto coletividade social", argumenta Frederico Santana.

Paralelamente ao movimento do Grito dos Excluídos, pesquisadores de universidades públicas estudam os movimentos sociais e defendem a inclusão de grupos marginalizados socialmente. Dois exemplos emblemáticos são ligados à Universidade Federal da Bahia (UFBA) e à Universidade de Brasília (UnB) . O primeiro é o professor aposentado da UFBA e sociólogo Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia, mais antiga organização brasileira de defesa da população LGBT+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneros e demais orientações não heterossexuais e identidades não cisgênero), iniciado em 1980. O segundo é o professor aposentado da UnB e jurista José Geraldo de Souza Junior, fundador do grupo de pesquisa O Direito Achado na Rua, iniciado em 1989, um dos mais importantes grupos de estudo do direito das pessoas em situação de rua, entre outros temas.

Em relação à comunidade LGBT+, levantamento do GGB, com base em dados de 2024, indicam cerca de uma morte violenta de pessoa LGBT+ a cada 36 horas. Por isso, Mott vê a independência brasileira como relativa: “Tivemos conquistas importantes, como o direito de casar, à herança, de adotar crianças e as cotas para pessoas trans na universidade. Porém, o Brasil continua sendo o campeão mundial de assassinatos de LGBT, uma morte a cada 16 horas, segundo pesquisa da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, O Estado Brasileiro, o município, as secretarias Estaduais de Direitos Humanos, da Justiça e o Ministério da Justiça Federal não garantem a nossa liberdade, a nossa independência, a nossa, o nosso direito a viver”.

No Brasil, 260 mil pessoas vivem em situação de rua, segundo dados do Programa Polos de Cidadania da UFMG, em parceria com a Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). De acordo Souza Junior, da UnB, o Grito ‘Independência ou morte’, do Grito do Ipiranga, não significou superar o colonialismo que organizava a vida social e que alienava da dignidade social diversos grupos subjugados socialmente. Hoje, séculos depois, sabemos que a independência de um país e de um povo é a capacidade de assumir, enquanto identidade política e social, um projeto de sociedade. O povo precisa se constituir como capaz de elaborar politicamente tal projeto e ter autonomia. A condição de exclusão da população de rua indica  alienação completa não só da cidadania, mas da própria condição de redução da dignidade humana”. 

A historiadora da UFMG Heloísa Starling reafirma o conceito de independência brasileira no sentido histórico de fronteiras estabelecidas, não submissão e leis próprias, mas ressalva: “O problema é que nós vivemos em um país profundamente desigual. Isso não tem nada a ver com a nossa independência. Isso tem a ver com o país profundamente desigual, com uma série de políticas que têm de ser feitas e, eventualmente, estão sendo feitas. É a questão de você pensar que a democracia sempre em movimento, é o que dá movimento a ela é a luta por direitos. Então, avançar na questão dos direitos é fundamental para expandir a prática democrática e a vida democrática”.

* Informações da UFMG

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