Economia

Mais emprego e menos dinheiro: cenário dos trabalhadores domésticos na flexibilização da pandemia

Bernardo Estillac
bernardo.leal@hojeeemdia.com.br
09/02/2022 às 20:05.
Atualizado em 10/02/2022 às 14:30

“Quando começou a pandemia eu falei: e agora, o que vou fazer?”, conta a diarista Marcilene Borges, 49 anos. Segundo ela, as oportunidades de trabalho voltaram acompanhando a oscilante flexibilização das regras de isolamento social, mas a remuneração não é a mesma de antes do coronavírus. Dados do IBGE e economistas ouvidos pelo Hoje em Dia ajudam a explicar o fenômeno vivido por trabalhadores domésticos no Brasil.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do 3º trimestre de 2021, divulgada pelo IBGE em novembro do ano passado, o número de trabalhadores domésticos aumentou 9,2% em relação ao 2º trimestre. Já em relação ao mesmo período de 2020, o aumento foi de 21,3%.

No entanto, o rendimento médio não acompanhou a oferta de oportunidades. Os ganhos dos funcionários domésticos no 3º trimestre de 2021 foi 3,1% menor em comparação com o 2º trimestre. Em relação ao mesmo período de 2020, a queda foi de 7,6%.

"Eu tive que sair de uma casa porque o dono tinha diabetes. E uma loja em que trabalhava, fechou. Durante a pandemia, fiquei dias sem trabalhar e, agora, está voltando. Não é aquela coisa certa igual antes, a quantidade de dinheiro diminuiu. É pouco mas não tá deixando de entrar", conta Marcilene.

Para o coordenador do curso de Economia do Ibmec em Belo Horizonte, Márcio Salvato, o cenário descrito pela diarista e descrito na pesquisa do IBGE era esperado para o Brasil.

“Em um cenário de início de recuperação econômica em que a taxa de desemprego é muito elevada, esse é o movimento primário. Se o desemprego atingiu mais postos de trabalho com menor renda, a recuperação dos postos também vai começar a partir de trabalhadores de menor renda”, explica Salvato.

De acordo com o economista, o setor de trabalhadores domésticos possui características que o tornou mais vulnerável durante a pandemia e até mesmo no retorno às atividades.

“A categoria de empregados domésticos é bem peculiar, porque o desemprego a afetou em massa. Com o isolamento, as famílias não queriam ter contato com pessoas de fora e o setor foi dizimado. Agora o que se vê é que essas pessoas se oferecem disponíveis a receber até menos do que o esperado”, afirma.

A diminuição do rendimento não se limitou a quem trabalha nas residências. De uma maneira geral, os dados do 3º trimestre de 2021 apontam que o ganho médio para todas as funções foi de R$ 2.549, o menor valor no país desde 2012.

A situação dos trabalhadores influencia justamente os ganhos de faxineiros, diaristas, empregados domésticos e afins. De acordo com o conselheiro efetivo do Conselho Regional de Economia (Corecon-MG), Gelton Pinto Coelho, a diminuição da renda e o aumento da informalidade afeta os valores que uma família pode oferecer a um funcionário que trabalha na casa.

“As pessoas não têm como contratar o trabalhador de forma permanente porque também perderam rendimento ou não têm uma fonte de renda segura, já que não têm trabalho formal. Quando a gente vê a perda salarial de um grupo específico, percebe o impacto nas outras profissões. O empregador não pode pagar um valor alto e o que acontece, na verdade, é o custo do desespero: a pessoa não tem trabalho, não tem como comer e aí aceita qualquer salário”, explica Gelton.

A análise do economista é vivida na prática pela empregada doméstica Sidneya Matos, de 52 anos. Ela contou à reportagem que já está com a agenda cheia, mas a negociação com os patrões não é das mais fáceis quando o assunto é pagamento.

“Eu cheguei a ficar nove meses desempregada, achei que não ia conseguir mais nada, mas aí apareceu uma oportunidade em uma empresa que faz limpeza de condomínios. Eu faço faxinas por fora, no fim de semana; tenho trabalhado bastante, mas o pessoal tá pão duro, com a mão apertada mesmo. Eu acabo conseguindo trabalho porque cobro barato”, relata.

Informalidade
A última Pnad divulgada pelo IBGE mostrou que 75,6% dos trabalhadores domésticos não atuam com carteira assinada. O número de empregos formais no setor cai consecutivamente desde 2019, quando atingiu um terço.

Para o economista Márcio Salvato, em um momento de ressurgimento de vagas de emprego, é comum a informalidade ser majoritária. O fenômeno, segundo ele, não pode ser condenado em um primeiro instante, mas não deve ser uma regra permanente.

“Claro que a estrutura do emprego com menos formalização, intitulado às vezes como precarização das formas de trabalho, significa a perda de alguns benefícios. Mas a estrutura de trabalho que temos, às vezes, é o primeiro ingresso no mercado, é uma oportunidade para as pessoas se empregarem. Estamos vivendo um momento em que existem pessoas absolutamente sem renda. Essa primeira entrada no trabalho eu acho justificável, o que não pode é não ter um segundo movimento em que a pessoa que estava sem formalização ir para formalização”, analisa.

A empregada doméstica Eva Flores, 57, é um exemplo da estabilidade proporcionada pelo emprego de carteira assinada. Questionada pela reportagem sobre como passou pela tormenta da pandemia, ela disse: "Tenho muitas amigas que passaram por dificuldades e agora estão voltando a ter trabalho. Como trabalho fichada há cinco anos, não tive problema. Fiquei um tempo sem ir trabalhar, mas segui recebendo".

Futuro
Tanto em relação ao rendimento como em relação à formalização do trabalho, o futuro próximo não sorri para os trabalhadores brasileiros, em especial os domésticos, de acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem.

Gelton Pinto Coelho afirma que a projeção para 2022 é de piora econômica, capitaneada pelos altos índices da inflação. O aumento dos preços dificulta a vida de quem recebe menos e aperta o orçamento das famílias que precisam contratar um trabalhador doméstico.

“Nem podemos falar em recuperação econômica e o cenário para esse ano é ainda pior. A gente voltou a ter uma inflação que se retroalimenta. Essa inflação é de custos, mas, no Brasil, a gente convencionou a chamar de inflação inercial. Era comum antes do Plano Real, a gente aumenta os preços sem ter relação direta com o valor real do produto. Por exemplo: um veículo usado valorizar mais do que um veículo novo”, analisa.

Para Márcio Salvato, os prognósticos de crescimento econômico no Brasil não indicam que o país viverá um segundo momento da retomada de empregos, quando os salários e o percentual de carteiras assinadas sobe.

“A gente está tendo uma recuperação econômica pífia neste ano. Um crescimento tão baixo assim vai fazer com que um segundo momento de ganho de salários fique muito mais pra frente, não é pra esse ano ainda. Normalmente, a pressão de salários para cima acontece quando a taxa de desemprego tá bem baixa e o crescimento da economia tá alto, não é o caso”, conclui.

Campanha Nacional pelo Trabalho Doméstico Decente
Nessa segunda-feira (7), o Ministério do Trabalho e Previdência lançou a Campanha Nacional pelo Trabalho Doméstico Decente, para alertar sobre os direitos da categoria.

Dentre outros pontos, a campanha reitera que o empregador não pode ter um aumento patrimonial a partir da atividade do trabalhador doméstico. Se o funcionário produz comida para vender, por exemplo, ele precisa ser regulamentado em outra categoria de trabalho pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Os trabalhadores domésticos têm direito a ter a carteira de trabalho assinada, com direito a férias remuneradas e 13º salário. Além disso, o fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia podem ser descontados da remuneração do funcionário.

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