Átila Simões: “Educação não é prioridade estratégica no Brasil”

Tatiana Moraes - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
01/12/2014 às 07:00.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:13
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Aos 41 anos, Átila Simões é um dos reitores mais novos do Brasil. Natural de Campinas (SP), o dirigente máximo da UNA – universidade do grupo Ânima, presente em Belo Horizonte, Contagem e Betim – afirma que o principal desafio da educação superior brasileira é manter o aluno em sala de aula. Segundo ele, os jovens chegam às universidades sem sonhos e, muitas vezes, são apáticos. Ainda de acordo com o reitor, que está à frente da instituição responsável pela formação de 33 mil estudantes, a sociedade participa pouco da educação do país. “Os alunos têm que entender que eles são protagonistas da própria história. Uma mudança depende deles. Não depende de presidente da República, de empresas ou dos pais”, diz. De sorriso largo e conversa fácil, o reitor recebeu o Hoje em Dia para falar sobre as perspectivas no setor.

Qual é o principal desafio da educação brasileira atual?
O maior desafio, sem sombra de dúvidas, é trazer a turma para o jogo. Ainda há uma apatia muito grande por parte dos alunos. Fazemos muito esforço para despertar nestes meninos uma vontade, pois os estudantes chegam à universidade sem sonhos. Eles não sabem aonde podem chegar. Muitos ingressam no ensino superior sem aquela vontade de crescer, sem aquele apetite de conhecimento, sem curiosidade. E esse comportamento é comum a alunos de todas as classes sociais. O aluno classe A também chega com apatia. E, às vezes, até mais. É uma geração inteira apática.

Qual é a diferença dessa geração?
Ela quer resultados imediatos, sem entender que é protagonista da própria história. Quer tudo de mão beijada e para ontem. Sem esforço. Tanto que temos vários programas de auxílio na carreira na UNA, todos gratuitos, e nem todos estão lotados, como era de se esperar.

E, na sua avaliação, por que isso acontece?
É um processo de amadurecimento. Cada vez mais o jovem amadurece mais tardiamente. Porém, a época de trabalhar, de assumir responsabilidades não mudou. O ensino superior tem o desafio de romper esse ciclo de apatia e de passividade. Nós fazemos de tudo. Levamos o menino para a praça, para a comunidade, criamos eventos, realizamos palestras.

Qual a idade desse aluno mais apático?
Cerca de 19 anos. Os alunos mais experientes, dos cursos tecnólogos, por exemplo, têm um perfil diferente. Nos cursos tecnólogos as turmas são maduras. O professor não tem que lutar com a turma por causa de exercício. O estudante já sabe o que quer. Mas em alguns cursos em que os alunos são mais novos, o desafio é muito grande. O nosso papel aqui é formar o sujeito crítico. É formar o sujeito que entenda que a mudança dele e da sociedade depende dele. E não que ele tenha que esperar o presidente da República, a empresa, o pai. Não. Nosso papel é fazer com que ele seja protagonista da história. Nossa missão é formar um país pela educação.

E como fazer isso?
Ensinando aspectos técnicos, mas ajudando esses meninos a acordar para a vida. Levando os alunos para a prática.

Como você avalia a educação brasileira hoje?
O Brasil tem vencido um desafio quantitativo, apresentando bons números. Porém, o país tem que inaugurar uma agenda de qualidade em algumas áreas. Principalmente na educação básica. O grande ponto é que ainda não há uma preocupação efetiva com a educação enquanto alicerce do desenvolvimento do país.

É possível dar um exemplo deste descaso?
Um caso emblemático é o Plano Nacional de Educação (PNE). Ele foi desenvolvido para vigorar entre 2011 e 2020, mas foi entregue em dezembro de 2010 pelo Poder Executivo para ser discutido no Congresso. Se tudo fosse perfeito, o Congresso teria um mês para discutir e aprovar. Teria que ter entregue muito antes, em 2008. Porém, o plano foi aprovado em junho de 2014. E com modificações periféricas. E o plano não é mais de 2011 a 2020. Ele é de 2014 a 2024. O Brasil perdeu três anos e meio, praticamente. Afinal, o plano é o mesmo, as metas são as mesmas. E quem reclamou? Ninguém.

E o que isso significa?
Que a educação não é prioridade estratégica no Brasil. Que no discurso a educação é prioridade. Mas só no discurso. Vou te dar um exemplo: no ensino superior nós vivemos de ciclos. Já vi os meninos quererem estudar direito, farmácia, engenharia. Mas eles ficam à mercê da maré. Não há um plano, um diagnóstico de mercado. Não há um plano estratégico. Em 2009 começou o boom da construção civil e todo mundo começou a estudar engenharia. Mas, os engenheiros se graduaram, no mínimo, cinco anos depois.

Qual é a solução?
O Brasil tem que levantar quais são as agendas da indústria e quais as áreas da educação nós queremos fortalecer. Depois, conectamos essas duas coisas. Falta um projeto mais claro e, a partir dele, um projeto educacional que dê diretrizes ao país.

De quem é essa responsabilidade?
Do Executivo, do Legislativo e da sociedade. Não vou culpar só o governo. No caso do PNE, por exemplo, o projeto demorou a ser apresentado, depois demorou a ser aprovado e a sociedade não só não cobrou como sequer estava sabendo. E não precisa ir tão longe. Muitos pais mandam os filhos para a escola esperando que a escola eduque. E ela não educa. Muitos pais reclamam que o governo não dá educação de qualidade, mas esses mesmos pais não sabem sequer qual é o projeto pedagógico da escola do filho. Falta participação da sociedade na educação brasileira.

O aluno chega com déficit educacional na faculdade?
Sim, e gigantesco. Principalmente em matérias básicas, como português e matemática. Para isso, hoje temos um programa na UNA de adaptação do aluno. Um programa de reforço, com conceito de aprendizagem adaptativa. Esse programa é necessário porque o estudante chega ao ensino superior sem saber estudar, inclusive. Sem o hábito de estudar. Principalmente, os que vêm da escola pública. E cerca de 80% dos alunos que entram na faculdade vêm da escola pública.

Quantos alunos da UNA têm programas de incentivo do governo?
Cerca de 10% têm ProUni e 50% dos ingressantes entram com Fies.

Como você avalia estes programas?
São programas bons que eu incluo naqueles citados como integrantes de uma agenda importante da educação superior brasileira.

E o Pronatec?
O Pronatec é sensacional. Essa é a palavra. Porque dá condições de o jovem ter qualificação técnica profissionalizante em escolas de altíssimo padrão. A UNA tem, assim como outras universidades de altíssimo padrão. E sabe qual é o maior problema do Pronatec? Falta interesse da população. Sobram vagas. E, para piorar, quando preenchidas, a evasão é grande. É a mesma geração que entra na faculdade.

Voltamos ao mesmo ponto, não é?
Sim, o desafio é atrair o jovem. Este jovem que não tem interesse no Pronatec, que deixa vagas gratuitas abertas em universidades de altíssimo padrão, é o mesmo que fica apático com os programas da faculdade.

O que o mercado busca no profissional?
Principalmente, um profissional que tenha habilidades comportamentais adaptadas à empresa. Tem que ter trabalho em equipe, comunicação, atitude e interesse. Além, lógico, da bagagem necessária para a vaga. Mas, na maior parte das vezes, o que vai fazer diferença são as habilidades que o aluno demonstra.

Por quê?
Porque as habilidades técnicas não se diferenciam. Elas, as pessoas desenvolvem de maneira parecida. As empresas, portanto, vão buscar aquele jovem que se comunica melhor, que tem atitude mais empreendedora, que se dedica mais, que apresenta valores compatíveis aos valores da empresa. Essa parte é tão importante que hoje nós temos uma área que trabalha exclusivamente para que os alunos se conheçam.

Como funciona essa área?
Um grupo de psicólogos trabalha em grupo e individualmente levantando desafios dos alunos. Levantando soft skills que os alunos devem desenvolver. Isso, fora da grade curricular, como atividade extracurricular. Todos os alunos que passam pela UNA têm acesso a esse programa. Dependendo do curso, como os tecnólogos, os alunos passam pelo programa mais cedo, no primeiro período. Na graduação, lá pelo quarto período, pois é preciso que os alunos estejam um pouco mais maduros para entender a importância.

É uma espécie de coaching?
Exatamente. Algo que lá fora o aluno pagaria R$ 4 mil, R$ 5 mil, aqui o aluno tem de graça. Aqui ele começa com dinâmicas de grupo de graça para entender o perfil de cada um, isso passa por testes individuais e depois passa por entrevista com psicólogas individuais. Por fim, entregamos para o aluno um caderninho com todas as forças e competências. Trata-se do Plano de Desenvolvimento Individual (PDI). A partir do PDI, os alunos são preparados para o mercado.

Quais outras estratégias a UNA utiliza para inserir o aluno no mercado?
Parcerias com empresas são fechadas constantemente. Hoje, temos mais de 2 mil empresas aliadas. Com algumas delas temos relações muito próximas, chegando a fazer todo o trabalho de recrutamento e seleção de estagiários, por exemplo. Algumas delas também fazem parte dos colegiados, com o objetivo de melhorar as grades curriculares. Os profissionais dessas empresas olham para as nossas grades para saber se o que nós estamos oferecendo está alinhado ao que o mercado procura. Além disso, temos o ExpoUNA, uma feira que estreita o relacionamento dos alunos com o mercado de trabalho.

A UNA possui outros programas deste tipo, que coloca a teoria na prática?
Sim, o UNA 360. O projeto começou nos bastidores do Axé Brasil (evento de música baiana), e expandiu. Os alunos de vários cursos trabalham em eventos variados. Alunos de moda customizam o abadá, alunos de jornalismo cobrem o evento, alunos de design e arquitetura desenvolvem o camarote, os de nutrição fazem o cardápio dos artistas, aluno de engenharia ambiental mede a pegada ecológica do evento, entre outros. O mercado de eventos é um grande empregador. Mas não é só isso. A prefeitura gostou e nos chamou para trabalhar na Copa. Nossos alunos de jornalismo fizeram a media trainning do pessoal da prefeitura, o uniforme da Belotur foi projetado pelos alunos de moda.
 

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por