A vida além do luto: como a solidariedade pode amenizar a dor de perder alguém querido

Juliana Baeta
01/11/2019 às 17:37.
Atualizado em 05/09/2021 às 22:28
 (Juliana Baeta )

(Juliana Baeta )

Costume milenar, o ato de dedicar um dia em memória aos mortos, especialmente aos entes que já se foram, ganhou variações ao longo da história de acordo com a religião e a cultura. No México, por exemplo, o "Día de Muertos" é marcado por uma tradicional e animada festa, enquanto para os católicos, o Dia de Finados, celebrado neste sábado (2), é dedicado a rezar e visitar os túmulos de entes queridos. 

Com festa ou com reza, o intuito é se lembrar e honrar, com carinho, a memória daqueles que já se foram, uma forma também de lidar com o luto da partida. Mas para além das tradições e da fé, há quem encontre, ainda, outro significado na dor. 

A partir da perda do filho Arthur Moura, que faleceu aos 12 anos em julho do ano passado, o casal de advogados Klauss,48, e Érika Moura, 45, decidiu se inspirar na personalidade do adolescente para perpetuar de forma efetiva o amor ao próximo. Com a criação do grupo Sementes do Moura no mês seguinte à morte de Arthur, a família deu início a uma série de ações de solidariedade, cooptando outras pessoas pelo caminho e impactando a vida de quem precisa. 

"Na missa de sétimo dia do meu filho, que estava lotada, percebemos que enquanto esteve aqui, só plantou sementes de união, amor e amizade, sendo muito querido por todos que conviveram com ele. Foi este o trabalho dele nos 12 anos que ficou na Terra e que quisemos dar continuidade após a sua morte. É uma forma de estarmos juntos dele também, porque percebemos claramente que é um trabalho em equipe entre o plano de cima e o plano terrestre", conta Klauss. Juliana Baeta / N/AKlauss e Érika Moura encontraram na solidariedade uma forma de amenizar a dor do luto 

No grupo de WhatsApp, formado para dar vazão às ações de solidariedade, são cerca de 130 participantes, além dos colaboradores externos, aproximadamente 400 pessoas. As ações são variadas, desde a mobilização para comprar um andador para uma criança com paralisia cerebral, até entregas de cestas básicas a comunidades carentes, visitas a asilos e arrecadação de materiais para moradores de rua. 

77 sementes

As ações, chamadas sementes, são anunciadas no grupo para quem quer participar e, após as entregas, é divulgada a prestação de contas. Em pouco mais de um ano e dois meses, já são 77 sementes plantadas. Todos os semeios são descritos na página do grupo.Reprodução/ Sementes do Moura Na página é possível acompanhar todas as ações do grupo, as sementes plantadas 

"Algumas pessoas contribuem com dinheiro, temos uma caixinhas para doações, e outras pessoas doam materiais ou memso participam da entrega das doações ou das visitas. Quem quer ajudar, mesmo sem participar do grupo no WhatsApp, pode se inscrever no site para receber e-mails a cada um ou dois meses informando sobre as próximas ações. Aí estabelecemos cerca de oito pontos de entrega de doações, geralmente, de colaboradores que disponibilizam seus endereços para isso", explica Klauss Moura, pai de Arthur. 

As sementes ajudaram a mãe do garoto a sair da depressão. Após a morte, que ocorreu de forma rápida e traumática para a família - Arthur, que sempre foi saudável e atlético, contraiu uma doença oriunda da alergia a um medicamento que rapidamente o levou à UTI e, então, à morte -, Érika mal conseguia sair da cama. 

"Ao fazer o bem ao próximo, você começa a se sentir melhor também, a se reerguer. Tudo o que está bagunçado dentro de você começa a se ajustar, entrar entrar em sintonia. A gente também passa a perceber as dores dos outros, porque quando se perde um filho, parece que ninguém sofre mais na vida do que você, mas aí a gente passa a entender a dor dos outros que também perderam alguém ou que passam por situações ruins. A partir da morte conseguimos, então, entender um pouco mais a vida. Pra gente, o Sementes do Moura foi um despertar através da dor", conclui Klauss.    Arquivo Pessoal Uma doce lembrança do Arthur, quando tinha 6 anos 

Ressignificar a dor

A partir da experiência da ginecologista e obstetra Mônica Nardy, que perdeu sua filha ainda na barriga, na véspera do parto, nasceu o grupo Colcha de Retalhos, com o objetivo de dar apoio às mães que sofrem perda gestacional, uma forma de "humanizar" a morte. 

"Queríamos melhorar a assistência dessas mulheres que perdem os seus bebês, priorizar a mãe em um local mais reservado no hospital, permitir a ela um momento para se despedir do seu filho, fazer registros fotográficos do bebê, a impressão do pezinho ou da mãozinha, porque é isso que ela vai ter de memória do filho", explica. A equipe médica ou um familiar podem entrar em contato com o grupo e um representante fará uma visita gratuita ou um telefonema à família.Paula Beltrão / N/APoder se despedir do filho que partiu também é uma forma de lidar com a dor

Ela conta que estes registros são importantes, inclusive, para a elaboração do luto. Atualmente, o grupo conta com 17 mil seguidores na rede social e fornece orientações e apoio gratuito a mulheres de todo o Brasil.

"E isso também me ajudou a elaborar o meu próprio luto. Falar sobre a minha dor e trocar informações com outras mulheres sobre essa mesma dor me fortaleceu. É isso que queremos com o grupo, gerar uma troca de empatia e um lugar onde a mulher possa se sentir pertencente", conclui.   

O luto é pra sempre

A frase pode assustar ao decretar a permanência de algo inevitável, como a própria morte, mas ententer o luto também é uma das maneiras de tornar a dor menos intensa.  

Segundo a psicologia Luciana Carvalho Rocha, especialista em luto, suicídio e cuidados paliativos, o luto não é uma fase que tem início, meio e fim. "Trata-se de um processo em que a pessoa que perdeu alguém ou alguma coisa vai vivenciar para o resto da vida. O que diferencia é a intensidade e mesmo a quantidade de vezes com que a pessoa vai se lembrando desta perda. Mas não é uma experiência que acaba. A pessoa, na verdade, aprende a conviver com essa perda e, claro, ela pode ser feliz novamente", esclarece. 

Há cerca de quatro anos, ela mesma passou por uma experiência de luto, quando seu marido se suicidou. Após isso, decidiu se especializar em luto, suicídio e cuidados paliativos para ajudar outras pessoas a lidarem com a perda.Arquivo pessoal / N/AVivenciar a perda de um ente querido fez Luciana entender melhor o luto dos outros 

"Eu tenho não só o estudo, mas também a vivência. Com isso, acabei entendendo melhor a situação. Embora cada dor seja única, quando a pessoa vivencia o luto ela também entende melhor como é para o outro. Hoje, 80% das pessoas que eu atendo em meu consultório são enlutadas", conta. 

Luciana acredita que ajudar outras pessoas para amenizar a dor da perda pode ser um caminho. "A pessoa pode fazer o que quiser para lidar com isso, desde que faça o bem para ela também. Eu diria que, para passar pelo luto de uma forma menos dolorosa, é preciso vivenciar a sua dor da forma que você acredita que tem que viver. Se preocupar menos com o que as pessoas vão achar e ser mais fiel ao seu próprio sentimento", conclui.

 
 

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