A vida que não vivi: Tragédia em Brumadinho interrompe sonhos que famílias não puderam compartilhar

Renata Evangelista
rsousa@hojeemdia.com.br
25/01/2020 às 10:36.
Atualizado em 27/10/2021 às 02:25
 (Mauricio Vieira)

(Mauricio Vieira)

Nilson Dilermando Pinto sempre sonhou em ser avô, mas não acompanhou o nascimento do primeiro neto. Adriano Aguiar Lamounier estava empolgado com a chegada de três sobrinhos-netos, porém foi impedido de conhecer os bebês. Já Francis Eric Soares Silva, sempre muito ligado à família, não soube da última gravidez da irmã.

Os três homens foram tirados do convívio familiar ao serem soterrados pela lama da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Grande BH. A tragédia, que neste sábado completa um ano, enterrou mais do que 270 pessoas, das quais 11 ainda estão desaparecidas. Acabou com os planos de compartilhar conquistas marcantes com os entes queridos.

“Um bebê enche a casa de alegria, é um presente de Deus. Mas nenhuma vida substitui a outra. Meu pai ficaria muito feliz em ser avô, ele adorava crianças. No entanto, não teve essa oportunidade”, lamentou o vendedor João Vitor Pinto, de 21 anos, filho de Nilson.

O neto do almoxarife, de 58, nasceu no último dia 29. “Mais triste é saber que todo esse sofrimento poderia ter sido evitado”, frisou João Vitor.

Na faculdade

Adriano Lamounier, de 50 anos, era diretor do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Extração de Ferro e Metais Básicos de Brumadinho e Região (Metabase). Além do nascimento dos sobrinhos-netos, ele também deixou de vivenciar um dos maiores sonhos: ver os filhos na faculdade.

O desejo dele começou a se concretizar no fim de 2019, quando o primogênito, Pedro Henrique Lamounier, de 18, foi aprovado para cursar engenharia.

“Seria um marco na vida do Adriano, e o crescimento da família também o encheria de alegria. Ele sempre foi muito próximo dos parentes. Um mês antes da tragédia, reuniu cerca de 40 membros da família na casa nova. Parece que foi até uma despedida”, recorda o aposentado Lúcio Lamounier, de 70, irmão do sindicalista.

Separação

Desde 25 de janeiro de 2019, a rotina dos parentes de Francis Erik Soares Silva, de 31 anos, mudou. Todos os dias, ele saía de Brumadinho e ia até Nova Lima, também na Grande BH. Primeiro, passava na casa da mãe. Depois, ia ver a sobrinha, de 3, filha da irmã. “Ele tinha muito amor por ela. Agora, estou grávida e meu irmão não vai conhecer minha outra menina”, lamentou a fisioterapeuta Jéssica Evelyn Soares, de 29.

Além do irmão, que deixou uma filha de 7 anos, Jéssica também perdeu o primo, Luiz Paulo Caetano, de 31. Os dois faziam manutenção de tratores na hora do rompimento da barragem. “Em 2019, pela primeira vez, o Francis não acompanhou a reunião de conclusão de ano na escolinha da menina dele. Era ele que sempre ia. Dessa vez, fui para representá-lo”, lembrou.

Mudança de rotina

Familiares das vítimas do desastre afirmam que a vida de todos parou em 25 de janeiro de 2019. Para eles, a tristeza não permite saber se um dia irão se reerguer.

“Todos os meus dias têm sido de luto. Desde o rompimento da barragem, minha família e eu não temos nada a comemorar. A dor que sentimos naquela data se repete dia após dia”, diz, emocionada, a bombeiro civil Valquíria Aparecida Miranda Costa, de 43 anos.

Com os olhos marejados e vermelhos de tanto chorar, ela relembra a morte do irmão Wagner Valmir Miranda, que por quase duas décadas trabalhou como operador de escavadeira na Vale. A família está devastada. Valquíria e dois irmãos lutam contra a depressão. “Tenho crises de pânico e de nervoso, fiquei refém de remédio até para dormir. Meus sobrinhos foram afetados. Um não fala mais e o outro só dorme com a última blusa usada pelo pai”.

Desolação

Brumadinho vive em permanente luto. No município, com pouco mais de 40 mil habitantes, sempre tem alguém que conhece pelo menos uma das vítimas do rompimento da barragem. 

É o caso de Flávia Aparecida Barbosa Coelho, de 33 anos. Além do pai, Olavo Henrique Coelho, a técnico de segurança do trabalho perdeu amigos. Ela foi criada próximo de Córrego do Feijão, que desapareceu após o desastre. “Diversas famílias foram destruídas. Eu luto por Justiça por eles”, diz.

O pai de Flávia era um dos funcionários mais antigos da mina: 40 anos de dedicação. Depois da tragédia, a mulher não se lembra de nenhum momento de alegria na família. “Larguei o emprego para cuidar da minha mãe, que está debilitada. Tive que mudar de casa, pois minhas duas filhas ficavam no portão esperando a chegada do avô”.

Em nota, a Vale, responsável pela barragem, disse que “a empresa continua empenhada na execução de ações que permitam a retomada da rotina das famílias afetadas direta ou indiretamente pelo rompimento”. A empresa informou que, dentre outras ações, destinou R$ 32 milhões a atendimentos de saúde em Brumadinho. Até o momento, a mineradora afirma ter pago R$ 2,8 milhões em indenizações e auxílios emergenciais.

  

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