Abaladas, crianças atingidas na tragédia poderão sofrer ainda mais na fase adulta

Raul Mariano
30/01/2019 às 21:12.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:19
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Izadora Miranda dos Santos tem apenas 5 anos, mas já passou por uma experiência que certamente será lembrada por ela até o fim da vida. A menina precisou sair de casa às pressas, sem levar nenhuma das bonecas com as quais adorava brincar, segundos depois do rompimento da barragem da Mina do Feijão. O desastre devastou o bairro em que ela morava em Brumadinho, na Grande BH, na última sexta-feira e matou pelo menos 99 pessoas. 

Assim como ela, muitas crianças do município convivem de perto com o luto que tomou conta da região e trouxe um clima forte de tensão. O barulho dos helicópteros é incessante e, em alguns pontos da cidade, ensurdecedor. Cenário que nem de longe se parece com o que estavam habituadas.

Hospedada com os pais em uma pousada no centro da cidade, junto de outras duas famílias, Izadora tenta se adaptar à mudança abrupta de realidade. A rotina de brincadeiras no quintal de casa, quase sempre ao ar livre, deu lugar a um cotidiano silencioso e cheio de incertezas, já que a garota não sabe se voltará a ver os brinquedos que tanto gosta.

Calada, a menina observa com receio o entra e sai de pessoas na pousada, como se ainda não acreditasse em tudo o que aconteceu. A mãe, Adriana Geralda Miranda Gomes, de 33 anos, relata que Izadora se tornou mais retraída desde a catástrofe e quase não fala sobre o assunto. “Ela ainda está assustada, só me perguntou uma vez porque nossa casa tinha aparecido na TV”, explica Adriana. 

Sem intimidade com a moradia provisória – onde deve ficar por tempo indeterminado – a criança responde a poucas perguntas, mas mesmo não estando à vontade no novo espaço, demonstra ter consciência de que a antiga residência deixou de ser um lugar seguro. “Não quero voltar pra lá”. 

Agitação

Os irmãos Vitória Gabriele Lima, de 7 anos, e Guilherme Felipe Lima, de 2, também mudaram visivelmente desde que deixaram a casa onde sempre moraram. De acordo com a mãe, Salete Marques dos Santos, o menino se tornou muito mais agitado e chora com frequência. 

Já a menina, que tem olhar aéreo a maior parte do tempo, reclama por não poder voltar ao local onde estão os pertences, enquanto tenta se acostumar com os novos brinquedos, doados por pessoas que se solidarizaram com a situação. 

“Se é difícil para gente que é adulto, imagina para uma criança”, comenta Salete. “Vamos ter que arrumar outro lugar para morar. Vai ser difícil para eles, mas no Córrego do Feijão não dá mais”. 

Em Bento Rodrigues, distrito de Mariana que foi destruído depois do rompimento da Barragem de Fundão, em novembro de 2015, muitas crianças ainda demonstram angústia ao relembrar do episódio que deixou 19 mortos. 

Segundo Eliene Almeida, diretora da escola que leva o mesmo nome do vilarejo, ainda há casos de revolta entre as crianças que, à época, tinham cerca de 7 anos. “Quando se deparam com alguma insatisfação, esses alunos costumam ser mais agressivos e também choram mais do que os outros”.Riva MoreiraA mãe de Izadora conta que a menina de 5 anos está mais retraída

Traumas

Passar por situações de catástrofe, como a que aconteceu em Brumadinho, pode ser extremamente traumático e trazer impactos durante a vida adulta. Quem afirma é Cassandra Pereira França, professora da Faculdade de Psicologia da UFMG. 

A docente afirma que, quando as crianças percebem que os pais estão tão vulneráveis quanto elas, há uma forte perda da referência de segurança. Da mesma forma, explica a psicóloga, estar longe de casa faz com que elas percam a sensação de proteção. “É difícil saber como cada uma irá reagir a isso no futuro”, explica a professora. “Mas, com certeza, essa é uma marca que não se apaga”, afirma.

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