Alunos abusam de remédio para se dar bem nas provas

Raquel Ramos - Hoje em Dia
22/10/2015 às 06:47.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:10
 (Editoria de Arte)

(Editoria de Arte)

Eficazes para aumentar a concentração e a memória de quem é diagnosticado com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), medicamentos conhecidos como Ritalina e Concerta estão sendo usados com outro propósito: acelerar o ritmo de estudo de quem se prepara para disputadas provas em concursos públicos.

Prestes a encarar o Enem, estudantes também estão recorrendo às drogas. A maioria busca os produtos no mercado negro. As provas serão aplicadas no próximo fim de semana.

Os medicamentos são à base de metilfenidato, um estimulante do sistema nervoso central. Em portadores de TDAH, ativam o funcionamento do córtex pré-frontal, responsável por frear os impulsos e manter a pessoa concentrada. Quem não tem o transtorno, no entanto, fica sujeito apenas aos efeitos colaterais.

Aumento da sudorese, inquietação, taquicardia, insônia e perda de apetite são algumas das reações aos remédios, quando tomados em doses erradas e sem indicação. É o que alerta a médica Rosamaria Peixoto Guimarães, presidente da Sociedade Mineira de Neurologia.

“Isso acontece porque o metilfenidato funciona de forma indevida no cérebro que não precisa da droga. Portanto, traz mais prejuízos do que benefícios”, explica a especialista.

Mas o maior risco é de dependência química. As crises de choro são comuns quando a ação do medicamento chega ao fim. Segundo Rosamaria, um indicativo do vício.

Primeira experiência

Mesmo sabendo dos riscos, S., de 39 anos, toma a droga desde 2012, quando começou a se dedicar aos concursos públicos. Os primeiros comprimidos foram “roubados” da irmã dela, que mesmo diagnosticada com TDAH se recusava a usar o remédio.

“Tomava as doses que o médico recomendava para minha irmã. Quando não consegui mais usar a receita, procurei um neurologista. Sabendo que eu já tomava Ritalina, passou a prescrevê-lo para mim”, afirma. Recentemente, S. substituiu o medicamento pelo Concerta, cujos efeitos duram até três vezes mais.

Ela confirma a mudança no ritmo de estudo. “Qualquer barulho me dispersava. Hoje, consigo ficar horas sentada com um livro e nem vejo o tempo passar”. S. admite que a prática é muito comum entre os “concurseiros profissionais”. “Nas bibliotecas, ouvimos o estalo das pessoas abrindo a caixinha de comprimido”.

O interesse pela droga também é grande entre os que se preparam para o Enem. Uma portadora de TDAH, aluna do 3º ano do ensino médio de um tradicional colégio da região Centro-Sul de BH, afirma que vários colegas já tentaram comprar o medicamento na mão dela. Após se recusar a vender, soube que encontraram outro “fornecedor” na sala de aula.

Simulação

Psiquiatra e presidente do Comitê Multidisciplinar da Associação Paulista de Medicina, Wimer Bottura Junior afirma ser comum atender pacientes munidos de informações sobre TDAH e que tentam simular o transtorno.

“Já caí na conversa de alguns quando eu era inexperiente. Hoje, esse risco é bem menor. Não se faz o diagnóstico apenas com uma conversa. Os pacientes são submetidos a exames neuropsicológicos”. Segundo o psiquiatra, para quem não precisa do metilfenidato, há o efeito placebo. “Se não há disfunção cerebral, o medicamento não terá função”, diz.
Mercado negro se espalha na internet e alimenta o vício

Sem conseguir receita médica para comprar Ritalina ou Concerta, muita gente apela ao mercado negro. Anúncios de venda dos medicamentos são facilmente encontrados em sites na internet ou em grupos fechados da rede social Facebook.

Segundo Claudiney Luís Ferreira, vice-presidente do Conselho Regional de Farmácia (CRF-MG), a entidade recebe de vez em quando denúncias sobre a venda ilegal das drogas. No entanto, só tem autonomia para fiscalizar o exercício do profissional.

“Se houver um farmacêutico comercializando os remédios sem receita médica, podemos abrir um processo ético-disciplinar contra ele”. A ação pode gerar, inclusive, à perda do registro profissional.

Fiscalização

Os casos de venda dos medicamentos na internet ou em locais físicos devem ser fiscalizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Sem dados sobre vistorias e apreensões do produto, a Anvisa informou que controla a comercialização da droga exigindo que farmácias e drogarias retenham a receita do paciente na compra do remédio.

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