Ambulantes dos semáforos de BH criam regras para uma convivência harmônica

Malú Damázio
12/01/2019 às 18:04.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:00
 (LUCAS PRATES)

(LUCAS PRATES)

Entre motos, carros, ônibus e caminhões, ambulantes “costuram” a pé os cruzamentos da capital para oferecer de tudo aos motoristas: água, pipoca, balas, carregadores de celular, panos de prato e de chão, frutas, revistas e brinquedos. Em meio à infinidade de produtos comercializados nos semáforos, pedem passagem as regras impostas pelos próprios vendedores.

A atividade que garante o ganha-pão de um sem-número de famílias de Belo Horizonte e cidades vizinhas é irregular, conforme o Código de Posturas da prefeitura. No entanto, nos pontos de venda, uma espécie de “código de conduta” foi criado para assegurar uma convivência harmônica. Dentre as regras, duas pessoas não podem oferecer o mesmo item em um só sinal e a preferência é de quem está na labuta há mais tempo. 

“Se aparece uma pessoa nova com a mesma mercadoria, a gente chama em um cantinho, conversa numa boa, explica que chegamos primeiro. Há outros semáforos próximos, é só não ficar no mesmo”, conta Marcondes de Oliveira, de 31 anos, que há nove trabalha em um movimentado cruzamento da região Centro-Sul.Lucas PratesMoradora de Jaboticatubas, Vera acorda de madrugada para seguir viagem até BH, diariamente

"Empresas"

Na mesma esquina há outros quatro ambulantes, cada um com um produto. “Estou aqui há nove anos, faço como se estivesse em uma empresa, tenho horário para entrar e para sair, trabalho de segunda à sábado, uso uniforme. As contas da casa, carro, supermercado, cartão de crédito precisam ser pagas e tenho muita responsabilidade com isso”, afirma Eduardo dos Santos, de 42 anos.

Outra preocupação é com a limpeza. Não há tolerância para quem suja os passeios, inclusive porque neles são comercializados alimentos como frutas e pipoca. 

“A regra é colocar tudo na lixeira. Se não mantivermos uma ordem, isso pode até assustar os clientes, que ficam com medo de abrir as janelas. Mas quando é tudo organizado, eles mesmos nos chamam interessados em comprar”, acrescenta Eduardo.

Ainda segundo os ambulantes que atuam nos semáforos da capital, a tolerância é zero contra o lixo na calçada, capaz de afastar os clientes

Flávio Tavares  Charles se apresenta com uma bola de futebol há oito meses nas ruas

Diversidade

A capital abriga de vendedores que usam somente os recursos do comércio ambulante para se sustentar àqueles que recorreram à opção para tirar um extra. O estudante Petrus Almeida Souza, de 22 anos, que vive em Santa Luzia, na Grande BH, passou a oferecer água e balas em uma avenida da região Nordeste há seis meses. O objetivo: complementar a renda e pagar o curso de técnico em enfermagem. “Um amigo que trabalhava com isso me deu a ideia. Resolvi fazer, tem dado certo”, relata.

Há mais de duas décadas, Vera Mendes, de 52 anos, deixou empregos formais, em lojas e salões de beleza, para tentar a vida atuando na rua. Só assim ela teria tempo de voltar a estudar e completar o segundo grau. “Queria muito fazer meu próprio horário, usar o tempo livre para aprender”. Conseguiu finalizar até o ensino médio e hoje sonha em fazer faculdade.

Em pé, debaixo do sol por quase dez horas, Vera usa roupas térmicas e boné para se proteger. Ela diz ser possível ganhar até um salário mínimo por mês com a venda de pipoca e água no hipercentro. Todos os dias, acorda ainda de madrugada e pega dois ônibus para se deslocar de Jaboticatubas, também na região metropolitana, até a metrópole.

O lucro, no entanto, já foi maior. A ambulante construiu casa própria para ela e a filha com o dinheiro obtido nos sinais de trânsito. “Hoje, acho que as pessoas compram menos por causa da crise, mas sigo tentando, porque é o que sei e gosto de fazer”.FLÁVIO TAVARESAlém do dinheiro, Thiago diz fazer malabares para levar a arte a todos os espaços 

Artistas de rua

Além de vendedores ambulantes, os semáforos de BH abrigam artistas de rua, que chamam a atenção de quem passa pelo local com mágicas, práticas circenses e esportivas. Na Pampulha, o estudante de artes cênicas Thiago Nicácio Sobrinho, de 25 anos, faz malabares e truques de ilusionismo com uma bola de vidro para atrair a curiosidade dos motoristas.

Após a apresentação, ele passa o chapéu para recolher dinheiro dos condutores que acompanharam o show. Os mais interessados dão trocados e até elogiam a performance. Outros, preferem não abrir as janelas dos carros. 

“Nós somos amados e odiados. De cada dez pessoas que passam, seis vão gostar e quatro vão falar ‘vai trabalhar, vagabundo’. A intenção não é só pedir grana, embora me sustente com esse dinheiro, mas trazer o movimento artístico para esses espaços, fora do circo, da televisão e dos palcos”.

Em um canteiro na região Centro-Sul da capital, Charles Alexandre Figueiredo, de 24 anos, se apresenta com uma bola de futebol, fazendo acrobacias e embaixadinhas. Ele começou a estudar e praticar o esporte há cinco anos e, desde o primeiro semestre de 2018, resolveu investir na arte de rua. “Sempre quis viver de algo que gosto de fazer. É difícil, temos dias bons e ruins, mas persevero e consigo me sustentar”.

Pode

As manifestações artísticas são autorizadas pela prefeitura, desde que não haja utilização de som mecânico ou montagem de palco nem ultrapassem quatro horas de duração.

Obstruir a circulação também é negado, além de ser proibido reservar espaço para uso exclusivo e utilizar equipamentos e objetos que coloquem em risco as pessoas.

Legalização

A legalização da atividade é um desejo dos ambulantes. Que o diga Natan Pimentel de Oliveira, de 21. Há três anos, ele vende carregadores de celular e outros acessórios eletrônicos em uma das principais avenidas do Centro. O prejuízo com a fiscalização já chegou a R$ 300. 

No entanto, o contato com os motoristas o fazem seguir firme na atividade. “As pessoas precisam desses itens. Sempre fui muito bem tratado, gosto de estar aqui. É melhor do que estar no aglomerado onde vivo e acabar recorrendo ao tráfico de drogas”.

Uma sugestão, diz o jovem, seria pagar por uma autorização. “Gostaria que houvesse uma taxa para o município para regularizar esse serviço”. FLÁVIO TAVARESNatan gosta do que faz e diz que o contato com a clientela é sempre bom 

Penalidades

Em BH, o comércio de ambulante só é permitido para quem usa veículos de tração humana, como pipoqueiros, ou para aos que têm carros de lanches rápidos, como food trucks.

Quem for flagrado pelo poder público pode ter a mercadoria recolhida e pagar multa de R$ 2 mil. Em 2017, a Secretaria de Política Urbana (SPU) retirou os camelôs do Centro da cidade e intensificou as fiscalizações, além de destinar espaços para que eles trabalhem em shoppings populares. Hoje, 1.423 profissionais estão cadastrados.

Atualmente, cerca de 470 boxes estão ocupados nos dois centros de compras credenciados, o Uai, no Centro, e O Ponto, em Venda Nova. Os vendedores que ainda têm interesse pela vaga devem procurar o órgão na avenida Álvares Cabral, 217, de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h.

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