Aos 55 anos, Galeria do Ouvidor coleciona histórias de quem viu de perto a expansão de BH

Lucas Eduardo Soares
05/07/2019 às 19:56.
Atualizado em 05/09/2021 às 19:25
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Uma “cidade dentro da cidade” que promove um encontro de todo tipo de gente. Aos 55 anos, completados em 2019, a Galeria do Ouvidor, no hipercentro de Belo Horizonte, ainda abriga comerciantes que relatam, com saudade, os tempos áureos do primeiro grande centro comercial da metrópole.

Veteranos, eles acompanharam de perto o desenvolvimento da capital. Em clima de nostalgia, Nero Almeida, de 72 anos, relembra com orgulho o feito inovador: abrir o primeiro salão unissex de Minas.

O espaço de beleza foi inaugurado na galeria há exatas cinco décadas e chegou a ser considerado por muitos como uma “afronta”, por misturar homens e mulheres. Por outro lado, houve quem não parava de elogiar a iniciativa por representar a modernidade que BH precisava alcançar, ainda mais no período da ditadura militar. 

“As filas eram quilométricas nesse corredor. Teve uma época em que eu atendia até cem pessoas ao dia. De tanto movimento, tirava até os sapatos porque os pés ficavam inchados”, conta Nero, avaliando com carinho o mesmo salão, agora, em 2019. “Fico extremamente feliz em fazer parte dessa história. Muitos outros salões surgiram depois e sinto orgulho de representar esse momento”. Lucas PratesNero Almeida se orgulha de ter aberto o primeiro salão unissex em Minas, há cinco décadas

Ambiente mutável

Um andar abaixo, um olhar atento acompanha as pessoas que passam e olham vitrine a vitrine. Nesse vaivém, José de Morais Alvim, de 67 anos, desabafa. Para ele, que já almeja a aposentadoria de vez, a galeria não é mais a mesma de quando, ainda adolescente, começou a trabalhar na Ótica Nova Íris. Mas reconhece que as transformações representam o centro de compras: um ambiente mutável e extremamente importante.

Dando risadas sobre as histórias que já presenciou, garante que a primeira escada rolante de BH foi instalada na Ouvidor, que atraía pessoas do interior e garantia a credibilidade perante a alta sociedade. “Atendi ao ex-prefeito de BH Hélio Garcia. Veio a pé da prefeitura, escolheu o modelo e eu mesmo fiz a lente. Na época, pagou cerca de 280 mil cruzeiros”, gargalha.

Caiu no gosto

Apesar de não ser reconhecida oficialmente como patrimônio da cidade, a galeria já tem o aval simbólico. É o que diz a diretora de Patrimônio da Fundação Municipal de Cultura (FMC), Françoise Jean de Oliveira. Segundo ela, há um processo para o tombamento, mas sem previsão para ser analisado.

A gestora, que já foi diretora de Proteção e Memória do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), afirma que o espaço é um lugar de encontro. “Em todo lugar que aglutina, as pessoas acabam criando vínculos”.

Infância

Tanto tempo no mesmo local permitiu a comerciantes criar laços profundos com a Galeria do Ouvidor. Que o diga Fátima Xavier, de 65 anos. Ela conta que o pai comprou, na planta, os espaços onde venderia aviamento, bijuteria, pelúcias e fitas. “Minha infância e juventude foram aqui, onde construí, com os meus dois irmãos, uma história muito forte”.

Significativa também é a relação do alfaiate Hamilton Siqueira, de 74 anos. Ex-militar do Exército, participou de missões de paz em países como Síria, Líbano, Egito e Palestina. No entanto, é a galeria que tem o maior lugar em sua história. Lá, ele está desde 1967. 

“Ajudei a lançar em BH as calças de boca larga. Era um estrondo. Com isso, fiz roupa para Chico Anysio, times inteiros de futebol que se hospedavam nas redondezas em época de jogos. Eram quarenta, cinquenta calças de uma vez. Mas com o surgimento do jeans, a profissão de alfaiate acabou? Porém, alguns clientes restaram. Ao rodar o mundo, nunca vi mais fiel que o povo mineiro”.

Um dos clientes mais leais do alfaiate, Idalmo Constantino, de 67 anos, conta que há 45 faz os ternos com Hamilton, desde que foi “obrigado” a usar para trabalhar como assessor da Justiça. “Ele faz todos, desde as calças e os blazers até as gravatas. É um ícone”, ressalta Constantino, que também tem uma história muito forte com o espaço. “Não deixo de vir. É uma ‘senhora’ galeria”, diz. 

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