Após cinco anos, Presépio do Pipiripau vai ser reinaugurado

*Da Redação
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24/04/2017 às 17:59.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:16

Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Presépio do Pipiripau, que marcou várias gerações em Belo Horizonte com suas 45 cenas da vida de Cristo e mais de 580 personagens, vai ser reinaugurado na próxima quarta-feira (26), após cinco anos fechado para restauração.

O projeto, que abrangeu a restauração e modernização da obra, foi aprovado pelo Iphan, com financiamento regulado pela Lei Rouanet e captação total de R$ 490 mil, firmada com o Instituto Unimed.

O Pipiripau foi fechado em abril de 2012, quando foi executado o diagnóstico para reparo. A partir daí, foram elaborados os projetos complementares para a nova edificação, como instalações elétricas, sanitárias e de prevenção a incêndio, segurança eletrônica, sonorização e sinalização de emergência.

A restauração começou em 2014 e ficou a cargo do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais (Cecor) da UFMG, com a participação de mais de 50 bolsistas de várias áreas. Além disso, contou com o trabalho voluntário de professores do curso de Engenharia Elétrica e Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG, além de outros profissionais e empresas privadas. A construção de uma passarela de acesso para cadeirantes, pintura e reforma do telhado da sede foram executadas pelo Departamento de Manutenção de Infraestrutura (Demai) da UFMG.Tati Motta/UFMG/Divulgação

“Todas as madeiras estavam completamente atacadas por cupins. No diagnóstico inicial, a equipe nem chegou a ter acesso ao último patamar porque não havia condições de subir. As condições de acesso eram muito precárias”, contou a professora Bethânia Reis Veloso, coordenadora geral da restauração do Presépio e diretora do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis UFMG (Cecor/UFMG). Sua equipe fez muitas análises e raios-x das peças para entender qual a técnica, o modo de fazer, e assim manter a originalidade.

Os riscos da restauração eram relativos à estrutura elétrica e hidráulica. Além disso, os materiais estavam desgastados pelo uso e pelo tempo porque “Seu” Raimundo usou, na construção, os materiais que tinha acesso, como tubos de pasta de dente, papier-mâché, roach dentário, caco de vidro etc. “Todo o chassi, por exemplo, estava severamente comprometido por cupins”, lembra Fabrício Fernandino. O chassi foi trocado e professores e alunos da Escola de Engenharia da UFMG repararam a parte elétrica e hidráulica.

Cada peça do Presépio recebeu uma ficha, como se fosse um ‘prontuário médico’ e foram diagnosticadas todas as patologias e danos. “Os registros fotográficos e pequenos filmes que fizemos foram fundamentais na montagem da cenografia, para localizar a posição de todas as peças e permitir que tudo voltasse ao seu lugar exato”, explicou Thaís Carvalho, coordenadora técnica da restauração do Presépio e especialista em restauração pelo Cecor/UFMG.

Posteriormente, foram feitas as análises químicas de materiais como plásticos, a fim de se conhecer a estabilidade do material e definir a metodologia mais adequada para a recuperação.

Ao retirar as camadas de areia e papel, os restauradores viam que a madeira estava muito mais danificada do que se pensava. Eram coisas que superficialmente não apareciam. “Havia fios encapados com tecidos e reatores que poderiam ter causado um incêndio e também graxa impregnada nos eixos. Muitos bonequinhos já não funcionavam adequadamente”, lembra Thaís.Tati Motta/UFMG/Divulgação

Detalhes

Todo o material usado na restauração foi compatível com o original. “Tudo teve que ficar idêntico”, diz Bethânia. Segunda ela, os processos tiveram qualidade de ponta, desde a fotografia, passando pelo diagnóstico, identificação de materiais, análise química e higienização, assim como tintas, vernizes, tecidos, vegetação sintética e resinas. “Visamos uma longevidade ainda maior do Presépio”, salientou a professora.

O tratamento dos tecidos das roupas foi feito nos próprios bonecos. “Se desmontasse, perderia o registro da costura. A ideia foi preservar o modo de fazer, a história”, disse Bethânia. Fabrício Fernandino relatou que os bonequinhos de plástico estavam frágeis como casca de ovo. Além disso, eram feitos de celulose, material altamente combustível. Alguns foram reproduzidos usando resina de poliéster, que não é inflamável.

Conforme destacou Thaís Carvalho, as substituições de materiais, como a vegetação natural, foram procedidas com o objetivo de se preservar a obra. “Além de ser coletado em local perigoso, a vegetação de musgos era úmida, continha terra, insetos e cupim de solo. Ainda tinha que ser molhada, o que favorecia o crescimento fúngico e a oxidação das bases metálicas”, observou. A vegetação cenográfica artificial, adquirida em São Paulo, foi costurada em uma tela, para que fosse dispensado o uso de cola. Essa tela foi amarrada com náilon em alguns pitões. “Isso tornará fáceis as substituições futuras. Pequenas adaptações como essas são justificáveis em função da conservação”, reforçou.

Assim como a vegetação, a nuvem de algodão também foi amarrada sem uso de cola, material que, com o passar do tempo, se torna áspero e ajuda na deterioração. O algodão convencional foi substituído por um similar de silicone, que não pega fogo. As lâmpadas incandescentes, que ao aquecer poderiam queimar o papelão e a madeira, foram trocadas por lâmpadas de led.

A parte metálica passou por um processo muito semelhante à lanternagem que é feita em carros, com remoção da ferrugem e laminação. A cenografia foi toda reintroduzida, “boneco a boneco, parafuso a parafuso, fio por fio”. “Tudo muito delicado e sutil”, pontua Bethânia.

Detalhes como o rótulo de uma lata de cera inglesa foram preservados. O Pipiripau contém também peças feitas com tampinhas de perfume, e outras com tubos de pasta de dente, co o as capas dos reis magos. “Seu” Raimundo usou conchinhas com 1 milímetro de diâmetro para fazer olhos dos bonecos, peculiaridade que só foi percebida com o uso de uma microcâmera. “A princípio, achávamos que eram miçangas”, relata a professora.

“O Presépio está funcionando maravilhosamente. Vamos devolvê-lo com a qualidade e o carinho que a cidade merece. É uma obra ímpar por sua delicadeza, inocência e capacidade de nos transformar”, ressalta o professor da Escola de Belas-Artes da UFMG, Fabrício Fernandino, coordenador geral do projeto de restauração e professor da Escola de Belas Artes.

O projeto abrangeu a restauração e modernização da obra, aprovado pelo Iphan, com financiamento regulado pela Lei Rouanet. A captação total de R$ 565 mil foi firmada com o Instituto Unimed-BH.

“Além de cuidar das pessoas, também nos dedicamos a espaços que fazem parte da história e da identidade de Belo Horizonte, reforçando nosso compromisso social com a população e a cidade. Por isso, escolhemos participar do restauro do Presépio Pipiripau, um dos nossos patrimônios. “Estamos muito felizes com o resultado e, principalmente, em poder contribuir para esta entrega tão simbólica para os mineiros", ressalta o diretor-presidente da Unimed, Samuel Flam.Tati Motta/UFMG/Divulgação

Digitalização

Idealizado pela bibliotecária Laibe Batista em 2015, o projeto de restauração e digitalização dos documentos do Presépio do Pipiripau foi concluído no começo de abril em parceria com o Centro de Museologia e Conservação do Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG (MHNJB). Laibe explica que “o acervo documental do presépio se confunde com o acervo pessoal do seu criador”, já que é composto, entre outros itens, por jornais, livros, catálogos, correspondências, fotografias, diplomas e medalhas de Raimundo Machado.

O conservador e restaurador Mário Sousa orientou os procedimentos de restauração do acervo documental do presépio.  Ele enfatiza que “realizar esse trabalho possibilitou se envolver com a memória da cidade de Belo Horizonte, que passou por rápidas transformações vislumbradas por um cidadão simples, do povo, apaixonado pelo movimento, esse mesmo movimento que o impulsionou na empreitada pela consecução de sua obra mestra”. 

Todo o acervo documental do presépio foi digitalizado em DVDs que serão disponibilizados, em breve, para consulta local na Biblioteca do Museu. Tati Motta/UFMG/Divulgação

 História

No ano de 1906, o Presépio do Pipiripau começou a ser construído por Raimundo Machado de Azevedo, ainda criança, em sua própria casa. A obra teve início com uma pequena imagem do Menino Jesus numa caixa de papelão, forrada com cabelo de milho, musgo e folhas. Ao longo das décadas, o Presépio ganhou outros personagens feitos de barro, papier-mâché e gesso.

O Pipiripau cresceu à medida que cenas do cotidiano e passagens da Bíblia foram sendo incorporadas. Entre os mecanismos usados para prover movimento aos personagens, o autor usou pedais de antigas máquinas de costura, sistema de cordas de gramofone e uma caldeira a vapor, substituída posteriormente por um motor elétrico.

Vendido para a UFMG em 1976, o Presépio foi transferido para o Museu, mas a manutenção continuou a ser feita por “Seu” Raimundo até sua morte, em 1986. Desde 1984, o Presépio é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).Tati Motta/UFMG/Divulgação

Com peças modeladas em argila, papel machê, conchas e outros materiais - e engenhoso maquinário desenvolvido a partir de barbante, carretéis de linha, polias, mecanismos de relógio, radiola, gramofone e todo tipo de maquinário que seu criador fosse conhecendo através das décadas - o Pipiripau é patrimônio cultural e artístico e uma das mais significativas expressões da arte popular de Belo Horizonte.

Em 1984 o Presépio do Pipiripau foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “Ele é um dos maiores patrimônios de nossa cultura, a obra da vida de um grande artista popular. As cenas e personagens que ele construiu aliam a religiosidade do povo mineiro, a simplicidade de seu cotidiano e o deslumbre com os engenhos. À medida que ia tendo contato com as tecnologias, que rapidamente se sobrepunham no século XX, foi incorporando-as à instalação, sempre para permitir uma nova representação. Para a UFMG, é um orgulho devolvê-lo restaurado à cidade de Belo Horizonte”, afirma o reitor Jaime Ramirez.

O Presépio do Pipiripau está instalado no Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG, no Horto. Ele estará aberto para visitação às quartas, quintas e sextas, às 11 e às 16 horas, e aos sábados e domingos, às 11h, 12h, 15h e 17 horas.

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