Após crimes, mulheres perdem o medo em Ipatinga

18/06/2012 às 11:08.
Atualizado em 21/11/2021 às 22:55
 (Leonardo Morais)

(Leonardo Morais)

IPATINGA – As mãos trêmulas e o olhar quase sempre distante passeiam sobre as fotos do álbum de casamento. Os raros momentos de alegria da união que durou pouco mais de 20 anos são contados com doses de mágoa e angústia. A relação terminou no ano passado, depois que a dona de casa M.S.O., de 45 anos, resolveu dar fim à rotina, quase diária, de agressões sofridas pelo marido e levou o caso até a Delegacia Especializada de Mulheres de Ipatinga, no Vale do Aço.

“Antes tinha vergonha. Não queria mostrar para a sociedade que meu casamento era de aparências. Durante anos aguentei humilhações e violência de todos os tipos. Já fui até parar no hospital. Só busquei ajuda da polícia por incentivo de uma amiga”, conta a mulher, que hoje mora com uma filha num pequeno apartamento no bairro Cidade Nobre, longe do marido. “A Justiça decidiu que ele não pode mais se aproximar de mim, caso contrário vai preso”, disse.

A história da dona de casa ajuda a engrossar a extensa lista de mulheres que no ano passado procuraram a polícia para registrar queixa contra a violência doméstica. De janeiro a dezembro foram 385 inquéritos instaurados na Delegacia de Mulheres do município. Os números, segundo a delegada Lívia Athayde Oliveira, poderiam ser ainda maiores. “Ainda hoje muitas mulheres, por vergonha ou mesmo medo, acabam sofrendo a violência em silêncio. Recentemente fizemos uma campanha no shopping da cidade mostrando como funciona a Lei Maria da Penha e muitas mulheres nem se aproximavam da nossa equipe. A iniciativa não teve boa aceitação”, afirmou a delegada.

Mesmo com a resistência de parte das vítimas, Lívia Athayde acredita que o número de inquéritos instaurados pela delegacia este ano deve superar a marca de 2011. “No fim de semana passado recebemos dois casos num mesmo dia. A motivação pelas agressões relatadas pelas mulheres geralmente são as mesmas: ciúmes ou os companheiros haviam feito consumo excessivo de álcool e drogas antes de cometerem a violência”, contou.

Ainda de acordo com a delegada, durante o período em que a medida protetiva é analisada, as mulheres vítimas de violência doméstica são recomendadas a procurar a casa de um parente ou amigo. “Poderia haver na cidade um abrigo para as mulheres vítimas de agressão, até que os magistrados decidam sobre o pedido de afastamento do companheiro”, observou Lívia Athayde.

A ambulante M., de 55 anos, diz ter medo dos homens. A união com um 30 anos mais velho foi marcada por traições e agressões. Ela conta que só deixou de apanhar há quatro anos, quando o marido sofreu o Acidente Vascular Cerebral (AVC) e não consegue mais sair da cama. “Ele saía na sexta-feira e só voltava, bêbado, no domingo. Se perguntasse onde estava acabava apanhando. Isso foi durante anos. Quantas vezes preparava a comida com tanto carinho esperando por ele e nunca aparecida. Para não receber mais violência, chorava por dentro. Não tenho nenhuma cicatriz na pele das vezes que apanhei, mas meu coração está marcado para sempre. Queria na vida era ser bem tratada, o que nunca aconteceu”, emocionou.

Por causa da violência sofrida a ambulante teve depressão. A doença foi curada há dois anos, quando passou a vender churrasquinho nas esquinas da região central da cidade. Com o dinheiro, ainda ajuda a comprar medicamentos para o marido. “Hoje tenho que cuidar dele. Se essa Lei Maria da Penha existisse há pelo menos 20 anos atrás, não tinha suportado tanta humilhação”, lamentou.

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