Armadilhas em série na rota de patinetes em BH

Raul Mariano
22/05/2019 às 21:04.
Atualizado em 05/09/2021 às 18:46
 (Maurício Vieira)

(Maurício Vieira)

Quatro meses após a chegada das patinetes elétricas em Belo Horizonte, o meio de transporte alternativo que se tornou febre entre a população já levou pelo menos 70 pessoas para o Hospital de Pronto-Socorro (HPS) XXIII. Além da imprudência de usuários, ruas, ciclovias e calçadas da capital estão repletas de armadilhas capazes de elevar os riscos de acidentes.

Mesmo as lombadas e buracos pequenos, que não comprometeriam deslocamentos feitos por bicicletas, viram obstáculos para as patinetes. Até trafegando a 20 quilômetros por hora (km/h), velocidade máxima permitida pelo equipamento, é possível se machucar gravemente.

Na avenida João Pinheiro, na região Centro-Sul, a descida íngreme pela faixa reservada para as bikes é uma verdadeira aventura se for feita nos aparelhos elétricos. Há trechos de asfalto acidentado que podem desequilibrar o condutor que já circula lado a lado com os carros. 

O problema se repete na ciclovia da Bernardo Monteiro, no bairro Santa Efigênia. Desníveis na pista e sobras de concreto do canteiro central podem levar ao chão inclusive os usuários mais experientes.

Segurança ignorada

Apesar dos perigos, a maioria dos adeptos ignora a necessidade do uso de equipamentos de segurança. A utilização de capacete é a única orientação das empresas que ofertam o serviço, mas especialistas garantem que outros itens são essenciais para minimizar lesões em caso de quedas.

“É recomendável usar não apenas luvas, cotoveleiras e joelheiras, como também calçados fechados que protejam os tornozelos de uma possível torção”, alerta Dirceu Rodrigues Alves, membro da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet).

Para ele, a chegada das patinetes é vista com preocupação pela entidade, uma vez que nenhuma regra foi estabelecida previamente pelos órgãos competentes visando a segurança dos usuários. 

“Precisamos ter opções de mobilidade urbana, mas isso não pode ser feito sem fiscalização. Os hospitais estão abarrotados de vítimas de acidentes no trânsito e, agora, isso tende a aumentar”, observa o médico.

Regulamentação

Na capital mineira, o processo de regulamentação do novo meio de transporte já foi iniciado pela BHTrans, mas a previsão é que o texto final seja concluído apenas no segundo semestre, para ainda passar por consulta pública antes de entrar em vigor.

De acordo com a diretora de Ação Regional e Operação da autarquia, Deusuite Matos, como o serviço aguarda regulamentação, o município não tem dados precisos sobre a quantidade de veículos em circulação, tampouco os locais onde ocorre a maioria dos acidentes.

“Hoje, o único documento existente é a resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), de 2013, e não conta com nenhum tipo de sanção. Ou seja, não há instrumento legal para punir e fiscalizar o uso das patinetes, daí a necessidade de cada município regulamentar o serviço”, explica Deusuite.Maurício VieiraÉ comum flagrar usuários disputando espaço com pedestres

Ambiente propício

Por mais que seja uma alternativa para a mobilidade urbana, especialistas avaliam que a capital mineira não tem o ambiente propício para a utilização das patinetes.

“Não há sequer ciclovias. As poucas existentes não têm continuidade. Circular sobre as calçadas é problemático porque a prevalência nesse ambiente é sempre do pedestre”, afirma Márcio Aguiar, consultor em transporte e trânsito. Para ele, o serviço tende a ser proibido na capital.

O especialista ainda ressalta que, ao redor do mundo, inúmeras cidades tiveram problemas. Em muitos casos, inclusive, barrar o uso foi a solução encontrada.

O assunto, no entanto, deve continuar dividindo opiniões em Belo Horizonte. Pelas ruas da capital há moradores aprovando o novo meio de transporte. Por outro lado, existem pedestres incomodados com os veículos transitando em meio às pessoas.

Na Câmara Municipal tramita um projeto de lei que busca garantir a segurança jurídica para que as empresas do setor possam investir na metrópole. Autor da proposta, o vereador Gabriel Azevedo acredita que o município só precisa criar mais ciclofaixas para que o serviço cresça e seja ainda mais utilizado pela população.

“É questão de colocar tinta no chão. A cidade está demonstrando que há uma demanda a ser atendida. Com essas melhorias, o índice de acidentes certamente será reduzido”, avalia o parlamentar.

Questionadas sobre o crescimento da utilização dos patinetes na capital, as companhias Yellow e Grin informaram apenas que, “por questões estratégicas”, não iriam divulgar números. Sobre as vítimas de acidentes, as empresas garantiram que “prestam todo o apoio necessário a elas e acionam os seus seguros, que têm cobertura para os usuários”.

Corrida

No próximo domingo (26) está prevista a 1ª Copa de Patinetes em Belo Horizonte, com concentração na porta de um bar na avenida do Contorno, na região Centro-Sul. Porém, a prefeitura informou que o evento não tem autorização, e a BHTrans garante sequer ter recebido solicitação para que a corrida seja realizada. A Polícia Militar não se pronunciou.

EXPERIÊNCIA DO REPÓRTER - RAUL MARIANO

Andar por BH em cima de uma patinete foi, ao mesmo tempo, prazeroso e perigoso. O equipamento é fácil de pilotar e não gera praticamente nenhum ruído. Além disso, tem potência nas subidas e não emite poluentes como os automóveis. Atrativos que certamente me fariam utilizar novamente o meio de transporte. 

Por outro lado, percebi claramente que a cidade não se preparou para esse momento. Faixas exclusivas não existem e transitar pelas calçadas é como fazer um rally. O tempo inteiro você precisa olhar para o chão, para evitar os buracos. Caso contrário, o tombo é certeiro. 

O pior momento no centro é a partir das 18h, quando o trânsito fica caótico e muitas calçadas estão escuras, o que potencializa o perigo. Na Amazonas, por exemplo, transitar à noite, junto aos carros, é correr risco de morte. 

Acredito que a tentativa de implantar o serviço, de forma regulamentada, deve ser levada adiante. Porém, um município que é hostil com ciclistas não será gentil com usuários de patinetes. Falta consciência por parte dos motoristas e também dos pedestres que, durante meus trajetos, demonstraram resistência à novidade.

Diante de problemas cada vez maiores de mobilidade em BH, uma reflexão sobre a importância de diversificar nossa matriz de transportes é urgente. Se for possível encarar a questão com empatia, melhor ainda.

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