Atividade privada no Canastra alimenta incêndios florestais

Ricardo Rodrigues - Hoje em Dia
04/08/2014 às 07:37.
Atualizado em 18/11/2021 às 03:38
 (Rogério Oliveira Souza/ICMBIO)

(Rogério Oliveira Souza/ICMBIO)

A falta de regularização fundiária é apontada por técnicos e ambientalistas como a principal causa de incêndios criminosos que atingem o Parque Nacional da Serra da Canastra, no Sudoeste de Minas Gerais. Dos 200 mil hectares de área do parque, criado há 42 anos pelo governo federal para proteger as nascentes do Rio São Francisco, só 83 mil foram desapropriados e indenizados. Isso até hoje é causa de muito conflito na região.   Como há muitas propriedades privadas dentro do parque, não há dúvida de que os incêndios, em sua maioria, são ateados propositalmente, afirma a superintendente da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), Maria Dalce Ricas. Ela cobra investigações das polícias Civil e Federal sobre a queima anual de áreas naturais na Serra da Canastra. “O ICMBio não tem estrutura investigativa, o que torna mais difícil descobrir os incendiários e garante a impunidade para quem pratica o crime”, denuncia.   Segundo Maria Dalce, a investigação por si só já é intimidatória, mas é preciso sensibilizar os proprietários rurais do entorno. O incêndio que atingiu o parque entre os dias 16 e 20 de julho destruiu 8 mil hectares de vegetação e matou milhares de animais, segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela administração e fiscalização das unidades de conservação federais.   Porém, o órgão não acionou as forças policiais. “Não foi indicada a perícia pelo pessoal do ICMBio de Brasília, que esteve no parque para averiguar a destruição causada pelo fogo”, disse o diretor do Parque Nacional da Serra da Canastra, Darlan Pádua. “É complicado o incêndio doloso, feito por um insano que tem a sorrateirice de praticar esse crime sem deixar rastros porque conhece bem a região”.   O chefe da unidade de conservação diz faltar campanhas de educação ambiental “para mudar a mentalidade das pessoas”, referindo-se a pecuaristas que põem fogo no capim-macega, nativo da região, para que a rebrota ocorra antes das primeiras chuvas e sirva de alimento ao gado.   Darlan reconhece que sem indenização aos donos de imóveis, desapropriados com a criação do parque, aumenta a preocupação e o estado de alerta em relação à segurança de áreas protegidas na época de maior incidência de incêndios.  Em 2012, um deles destruiu 50 mil hectares do parque e foram encontrados rastros de casco de cavalo e pegadas de cachorro, além de palitos de fósforo riscados. Entretanto, nenhum culpado pela ação foi identificado.   Maria Dalce frisa que a criação do parque gerou um conflito de interesses não foi resolvido. “Há uma polêmica no Congresso Nacional, há anos, sobre a necessidade de o perímetro do parque ser revisto, mas o ICMBio teme que a mudança de limites resulte em perdas. São interesses fundiários fortíssimos, envolvendo o agronegócio e a mineração”, reitera.     Verba de compensação ambiental não chega   Utilizar os recursos de compensação ambiental para pagar as desapropriações no parque é a melhor solução contra os incêndios, dizem ambientalistas. A luta é para que sejam destinados R$ 45 milhões a esse fim, do total de R$ 600 milhões arrecadados pelo Comitê de Compensação Ambiental Federal (CCAF), integrado por representantes do Ministério do meio Ambiente, Ibama e ICMBio.   Como prevê o artigo 33 do Decreto 4.340/2011, que criou o CCAF, os recursos provenientes da compensação ambiental serão basicamente aplicados em regularização fundiária, planos de manejo e pesquisa. “Porém, o governo sequestrou esses recursos destinados às unidades de conservação. Isso ocorreu tanto em Minas quanto na União. Mais de R$ 600 milhões estão parados em nível federal”, relata a superintendente da Amda, Maria Dalce Ricas. Ela afirma que esse processo é complexo por causa da má vontade dos governos e da incapacidade dos órgãos ambientais. O Ministério Público Estadual (MPE) informa ter aberto inquérito para investigar a questão, mas guarda silêncio a esse respeito. Procurado pelo Hoje em Dia, o Ministério Público Federal em Minas (MPF) e o diretor do ICMBio, Sérgio Brant Rocha, não comentaram a questão.     Grilagem   O diretor do parque, Darlan Pádua, destaca que o levantamento das terras devolutas na Serra da Canastra até hoje não foi feito. “O Estado deveria fazer, mas não fez sob a alegação de que o parque é federal. Essa discussão continua pululando nos meios jurídicos. As terras ainda são griladas”.   Pádua informa que as áreas não indenizadas estão sub judice. “Vão convivendo, lado a lado, terra privada e terra pública. A queimada de pastagem nativa é coibida, mas não acabou”, admite. Segundo o agente, o ICMBio permite a queima controlada, com aval do Ministério Público Federal, desde que o proprietário da área assine um termo de compromisso.     Sem perspectiva   Para a Associação Mineira do Meio Ambiente (Amda), se considerado o que se gasta anualmente para combater incêndios e for estabelecido um valor econômico decorrentes dos danos ambientais causados por eles, é bem provável que fique mais barato solucionar o problema fundiário do parque.   Todos os anos, incêndios florestais destroem milhares de hectares da Serra da Canastra, apesar de o parque ter 39 brigadistas e uma frota de veículos para o combate de queimadas. Como o ICMBio não tem previsão de quando os 117 mil hectares restantes da unidade serão regularizados, os focos tendem a aumentar na região.     Estiagem preocupa indústria, mas Copasa descarta racionamento   A Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) teme impacto nas atividades empresariais diante da estiagem prolongada e da queda acelerada do nível dos mananciais em todas as regiões. Contudo, a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) descarta risco de racionamento nas 600 cidades em que atua. A recomendação é para o uso moderado de água.   Segundo a Copasa, só em Pará de Minas, no Centro-Oeste, a população enfrentou rodízio no abastecimento, provocado pela seca, que reduziu a um terço a produção da estação de tratamento local.   A estiagem, provocada pelo baixo índice de chuvas desde o verão, torna-se preocupante quando se constata que as vazões mais baixas ocorrem no fim de setembro e início de outubro, no término do período de estiagem. Para o meteorologista Ruibran dos Reis, do ClimaTempo, isso indica que a situação tende a se agravar.   “Não tem previsão de chuva em agosto, setembro e outubro. O nível dos reservatórios é o mais baixo da história. Desde janeiro, não ocorreram chuvas significativas”, afirma. Segundo Reis, essa é uma tendência para o futuro.     Alerta   Gerente de meio ambiente do Sistema Fiemg, Wagner Soares afirma que a seca extemporânea serve de alerta para o Estado, considerado a caixa d’água do país. Segundo ele, há muitos trechos de rios com conflitos de água, sobretudo onde tem irrigação.   Para Soares, os problemas com a escassez hídrica estão mais relacionados com equívocos de gestão do que com a falta de chuva. “Estamos carecendo de planejamento da gestão ambiental e de conhecimento dos múltiplos usos dos recursos hídricos. É preciso pensar num programa de longo prazo, para se precaver contra a ocorrência de futuras secas ou o prolongamento dessa estiagem”.   No último encontro do Conselho de Empresários para o Meio Ambiente (Cema) da Fiemg (em 27 de julho), reitera Soares, empreendedores e profissionais da área debateram a necessidade do fortalecimento do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam).   O objetivo foi buscar soluções e propostas para melhorar a gestão dos recursos hídricos, com o fortalecimento do órgão executor, corpo técnico, gestão eficiente e com um modelo que traga maior segurança jurídica na cobrança pelo uso da água. “Com a dificuldade de oferta de água, o que fazer para que no futuro possamos conviver com a seca prolongada se as chuvas esperadas não vierem com a intensidade necessária?”, indaga Soares.   Segundo ele, todos os grandes rios de Minas tiveram redução do nível de água, o que dificulta muito a captação. “No rio Doce, a cota 10 baixou para 6. No rio São Francisco, o momento é crítico, no limiar da falta d’água. Essa é a situação que estamos antevendo”, afirma.   Para o gerente de meio ambiente da Fiemg, é preciso “um olhar mais estratégico, pois se faltar em outros estados, nós vamos ser os contribuintes. Temos a menor vazão possível, só 30%. O uso de água é altamente restritivo. Se a jusante (outros estados) precisar de mais água, não temos”.     Índice pluviométrico 40% menor   As 600 estações pluviométricas da Copasa registraram precipitações até 40% menores do que os índices médios das última década. Em várias delas, a redução do índice pluviométrico superou os 50%.   Técnicos constatam que Minas atravessa um período hidroclimático atípico. Um parâmetro conhecido como Q 7,10, que mostra os sete dias de menor vazão dos rios nos últimos dez anos, surpreende pela gravidade dos números.

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