Aumento da fiscalização leva moradores de rua a transitarem por várias regiões de BH

Raul Mariano
rmariano@hojeemdia.com.br
12/03/2018 às 06:00.
Atualizado em 03/11/2021 às 01:47
 (Maurício Vieira)

(Maurício Vieira)

O aumento da fiscalização sobre a população de rua de Belo Horizonte tem levado muitos moradores sem teto à peregrinação por várias regiões da cidade. Com carrinhos de supermercado, um verdadeiro exército de desabrigados tem transportado o pouco que têm pelas ruas alegando medo de que os objetos sejam recolhidos pelos fiscais da prefeitura.

Desde que as abordagens aos sem-teto foram intensificadas na capital, no fim de setembro do ano passado, 31 toneladas de materiais considerados inservíveis foram coletados pela PBH, segundo a Secretaria de Políticas Urbanas do município.

De acordo com o órgão, 350 intervenções foram feitas nesse período e, dentre os objetos coletados, estão entulhos como pedaços papelão e madeira, mas também trambolhos como geladeiras, camas de casal, sofás e fogões velhos. Maurício Vieira / N/A

Na rua dos Guaranis, um morador dormia na calçada ao lado do carrinho com pertences pessoais em meio ao barulho ensurdecedor do trânsito

“A ação de gestão do espaço público está bem focada em desobstruir calçadas e logradouros. Só é apreendido o que está além do que eles podem transportar sozinhos”, explica a secretária de Políticas Urbanas da prefeitura, Maria Caldas. 

“Uma análise aprofundada sobre quem são essas pessoas só é só possível com um Censo da População de Rua. Esperamos realizá-lo ainda neste ano”José CrusSecretário Adjunto de Assistência Social

Ela reconhece que a intensificação das abordagens na região Central está levando os sem-teto para outros locais, mas garante que objetos de uso pessoal não são recolhidos pelos fiscais. “Mesmo entre os bens considerados inservíveis são eles (moradores) que indicam o que pode ser levado”, acrescenta.

Multidão

A capital tem pelo menos 6.976 pessoas em situação de rua, conforme dados do Cadastro Único (CadÚnico) referentes a janeiro deste ano, repassados pela Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social.

Um deles é Sirlei Santos, que veio de Ipatinga, no Vale do Aço, para trabalhar como soldador em BH. Depois de se envolver com o que chama de “coisas erradas”, acabou indo viver nas ruas. 

Aos 37 anos, cinco deles dormindo sob marquises da capital, o morador relata que é viciado em álcool e crack e vive de doações. No carrinho, ele leva uma pequena caixa de papelão, duas peças de roupa e um par de chinelos. “Eu carrego minhas coisas porque, se deixar, eles (agentes da PBH) levam tudo embora”, explica. Maurício Vieira / N/A

O volume de objetos transportados nos carrinhos impressiona em muitas ocasiões


Desafios 

O secretário adjunto de Assistência Social da PBH, José Crus, afirma que o direito de transportar bens pessoais é garantido a todos os moradores em situação de rua. Para ele, o grande desafio está no enfrentamento ao uso abusivo de drogas, característica comum desse público.

“São fatores que inviabilizam um trabalho mais efetivo, porque o estabelecimento de vínculos é essencial. Como se trata de um público sem ponto fixo, isso dificulta demais”, avalia. Maurício Vieira / N/A

Moradores de rua “empurram” pertences por BH

Belo Horizonte possui 896 vagas para acolhimento a adultos em situação de rua, sendo que a média de ocupação atual é de aproximadamente 70%.

Outras 119 oportunidades em dois abrigos criados na avenida Paraná foram anunciadas em dezembro, mas, até o momento, os espaços não estão funcionando. 

“Estamos aguardando a autorização do Corpo de Bombeiro porque algumas lojas vizinhas ao local precisaram atualizar o plano de combate a incêndio. O acolhimento deverá começar no início de abril”, justifica Crus.

Para lojistas, atuação da prefeitura ainda não é suficiente para resolver o problema 

O trabalho de fiscalização com os sem-teto pode ter desobstruído calçadas e retirado toneladas de lixo das ruas, mas, na avaliação de lojistas da capital, a sensação de insegurança e desorganização do espaço urbano continua a mesma.

O presidente da Associação dos Comerciantes do Hipercentro de Belo Horizonte, Flávio Froes, afirma que todas as soluções propostas até o momento foram apenas paliativas. Ele alega que os donos de comércios continuam enfrentando problemas antigos com moradores de rua.

“Eu mesmo fui obrigado a trocar as portas da minha loja porque as fechaduras acabaram enferrujando por causa de tanta urina. A sensação é de que nada tem sido feito há mais de um ano”, critica. 

Planejamento

A falta de políticas públicas mais efetivas também é um problema no trato com essa população. Quem afirma é a supervisora de projetos da Pastoral de Rua da Arquidiocese de BH, Claudenice Rodrigues Lopes.

Ela defende que o investimento em políticas articulantes como moradia, trabalho e renda são imprescindíveis para que a situação dos desabrigados seja resolvida pelo menos a longo prazo. 

“Recolher objetos dessas pessoas serve como uma resposta para alguns setores da sociedade, mas está longe de resolver o problema”, afirma.

“Precisamos de políticas habitacionais para esse público porque abrigos são totalmente provisórios”, defende Claudenice.Maurício Vieira / N/A

Na praça Diogo de Vasconcelos, no coração da Savassi, os sem-teto também transitam com carrinhos

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