Auxílio: solidariedade além das estações do ano

Marcelo Ramos - Hoje em Dia
26/06/2014 às 07:57.
Atualizado em 18/11/2021 às 03:09
 (Frederico Haikal)

(Frederico Haikal)

Com a chegada do inverno, começam as mobilizações para arrecadar roupas e cobertores para comunidades carentes, instituições de amparo e moradores de rua. No entanto, não é novidade para ninguém que caridade não deve ser sazonal, e sim constante – afinal, frio e fome são sensações vividas por qualquer ser humano. Mas até as doações precisam seguir critérios, até mesmo para não amplificar o problema dos mais carentes.   É o que explica a coordenadora de projetos da Central de Acolhida Social Vicariato Episcopal para Ação Social e Política da Arquidiocese de Belo Horizonte, Cirlene Ferreira. De acordo com ela, que trabalha há 12 anos com pessoas em situação de vulnerabilidade, a participação da sociedade é fundamental. Mas é preciso que haja planejamento.   “Todos nós devemos ter um olhar para quem está à margem da sociedade, pois a indiferença só irá afastar esse indivíduo ainda mais. No entanto, é preciso deixar claro que essas pessoas, além de roupas e cobertores, precisam de promoção social. Entregar uma sacola de roupas para um morador de rua pode ser um problema e não uma solução, pois pode virar moeda de troca, e eles acabam se acostumando a viver da doação no lugar de buscar uma reinserção na sociedade. É preciso entender a necessidade de cada indivíduo. E as entidades que atuam nessas frentes são capazes de identificar essas necessidades”, explica Cirlene.   A Secretaria Municipal de Políticas Sociais da prefeitura de Belo Horizonte segue a premissa da coordenadora e também orienta que as doações sejam feitas às pastorais e aparelhos do município que trabalham diretamente com moradores de rua, pois contam com assistentes sociais qualificados para fazer a abordagem correta.   “O que não se deve fazer é doar alimentos, pois há o risco de eles se deteriorarem e provocar problemas de saúde. Para isso há o restaurante popular, para fornecer alimentação adequada”, explica a secretaria.   Esse tipo de cuidado norteia o funcionário público Vandic Lopes, que tem o hábito de recolher roupas para doação em sua igreja. “É muito gratificante poder fazer alguma coisa para quem precisa e abrir mão de algo que temos e que será útil ao próximo. Na minha igreja, há uma orientação de que a doação não seja direta, e sim por meio da equipe que faz o trabalho social, pois não é só entregar a roupa, e sim iniciar um trabalho social. Quando apenas se entrega uma roupa, sapato ou cobertor, esses podem ser trocados por drogas ou bebida, o que atrapalha, ao invés de ajudar”, explica Lopes.   Do outro lado   E quem está do outro lado sabe que a situação é complicada. Morador de rua há 20 anos, Jadir – ele preferiu não dizer o sobrenome – 42 anos, sabe que o caminho são as entidades de amparo e os aparelhos municipais. “Se eu ficar na rua, ninguém chega até aqui para me oferecer nada, tenho que ir até aquela casa, lá na frente, onde me dão roupas e comida. Aqui na rua o pessoa só quer doação para trocar por droga”, comenta Jadir, que divide um cobertor com sua companheira, Gabriela, de 35 anos, nas proximidades do terminal rodoviário, Centro da capital.   Ali perto, na avenida Paraná, no centro de BH, encolhido na grade, “seu” Etelvino, 57 anos, exibe o cobertor e meias que ganhou de doação. “Preciso de um sapato e dinheiro para comer. Este ano, o inverno está castigando”.   Já Marcílio Oliveira, 23 anos, não acredita em solidariedade e diz que na rua é cada um por si. “Todo mundo me vê como bicho, peço dinheiro e ninguém me dá, daí acham ruim quando encosto a faca e tomo à força”, esbraveja o jovem franzino, que está nas ruas do centro há 20 dias. Ele conta que o que arrecada, no semáforo, gasta com bebida para “matar” o frio e a fome.   Esse tipo de situação conflitante é o que as entidades de assistência social buscam diagnosticar e atuar de maneira eficaz. “Muitas pessoas buscam ajuda e querem retomar suas vidas, mas sempre há aqueles que tiram proveito da solidariedade. É por isso que deve haver critérios, e não doar por doar”, observa Cirlene. 

Uma camisa limpa pode ser o início do recomeço

Se doações de roupas para pessoas em situação de vulnerabilidade, como moradores de ruas, deve ser feita de maneira cuidadosa e com o suporte de entidades com experiência no contato com esses indivíduos, o que não faltam são instituições que necessitam de doações constantes, como o Projeto Assistencial Novo Céu, em Contagem, que oferece amparo a pacientes com paralisia cerebral. A casa assiste 58 pacientes, entre crianças, jovens e adultos, e toda e qualquer ajuda é bem-vinda.

De acordo com a assistente de marketing do Novo Céu, Juliana Nobre, as doações em dinheiro e alimentos têm uma eficácia imediata, mas itens de vestuário têm uma importância fundamental para a instituição. “A questão financeira é um problema para nossa casa, pois cada paciente tem um custo mensal de R$ 2.500, mas quem não pode doar dinheiro pode colaborar e muito com a doação de roupas, já para o uso de nossos pacientes ou para a venda em nosso bazar, do que não dá para ser aproveitado. Isso nos ajuda a complementar os gastos”, explica Juliana, que, no entanto, só faz uma ressalva.

“Aceitamos todas as doações de coração, mas pedimos que sejam roupas em bom estado, pois elas serão utilizadas por nossos pacientes e têm que ter o mínimo de condição de uso”, frisa.

Evidentemente, a boa qualidade de uma peça não é preciosismo ou frescura, e sim uma questão de dignidade. “Uma peça de roupa pode ser a salvação de uma pessoa. Muitos vêm até nós pedindo uma roupa limpa para se apresentar com dignidade em uma entrevista de emprego, por exemplo. Daí, dá para imaginar como uma simples muda de roupa pode abrir um caminho para que essas pessoas recuperem sua cidadania”, explica Cirlene Ferreira.

E é isso que o morador José Antônio de 46 anos espera. “Quero uma chance para voltar a Ipatinga. Achei que teria chance em Belo Horizonte, mas vi que não. Só quero voltar e recuperar minha vida”, deseja o morador de rua, que, apesar da dificuldade, não esconde o sorriso.

Critérios

Escolher bem o que doar é uma regra do casal Onofre e Arlete Abreu, que durante todo o ano recolhe roupas para crianças carentes no distrito de Água Limpa, em Nova Lima. “Temos netos pequenos e sempre recolhemos peças que não cabem mais nos meninos. O importante é doar sempre, pois as pessoas passam por necessidade o ano todo. Mas tem que ser roupas em bom estado, e não peças velhas e deterioradas. É tirar uma peça do seu guarda-roupa que está sem uso e dar para quem realmente precisa. Não tem nada mais gratificante que poder praticar caridade”, explica dona Arlete Abreu. 

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