BH fez fama e memória graças a hotéis tradicionais, como o Othon

Lucas Eduardo Soares
lsoares@hojeemdia.com.br
19/11/2018 às 07:00.
Atualizado em 28/10/2021 às 01:52
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Imersos no universo do glamour, eles já hospedaram presidentes, intelectuais, artistas e jogadores de futebol, além de um sem-número de anônimos dos quatro cantos do país. Seja sob a mira dos flashes direcionados aos famosos ou do acolhimento dado a desconhecidos, hotéis da capital colecionam histórias ao longo das últimas décadas.

Guardiões da memória de BH, os espaços remetem ao fechamento do tradicional Othon Palace, que despediu-se dos belo-horizontinos no último fim de semana. 

“Trabalhei lá por mais de dez anos. Recebemos Roberto Carlos e a Xuxa, que só aceitavam ficar no Othon. Eu me lembro de termos recebido o presidente Mário Soares, de Portugal, também. Foi um período de muito sucesso”, diz o ex-superintendente da rede, Milton Rodrigues, de 60 anos.

Lembranças como as dele são compartilhadas por aqueles que também se consideram “privilegiados” por terem acompanhado de perto o desenvolvimento urbano e econômico da metrópole. 

É o caso do garçom Iracy Calixto, de 68 anos. Há exatos 48, ele é garçom do Hotel Normandy, inaugurado em 1963 na rua dos Tamoios com avenida Afonso Pena. 

Funcionário mais antigo da hospedaria, Iracy conta que “já viu muita coisa”, desde as reuniões de políticos que se encontravam no restaurante após as sessões parlamentares até os jantares das delegações de futebol.

“Quando o Pelé aparecia, tinha uma cadeira em que só ele sentava. Mas, até chegar à mesa, gastava quase 30 minutos, vinha desde a recepção até o restaurante dando entrevistas”.

Os gostos da clientela também estão frescos na memória. “Juscelino Kubitschek só comia frango com quiabo, arroz e angu. Senhor Tancredo (Neves), aparecia semanalmente, e comia de tudo”.

Recordações como essas também são destacadas por César Viana, atual gerente do Financial, inaugurado em 1959, entre as praças 7 e Rio Branco, no hipercentro. “Políticos como Itamar e JK eram comuns tanto nos outros estabelecimentos quanto aqui. Inclusive, muitas pessoas vêm ao hotel pelo gosto ao tradicional e por saber que Juscelino dormia em um dos nossos quartos”, comenta.Lucas Prates

Financial funciona no hipercentro, entre as praças 7 e Rio Branco

Identidade

Enquanto os hotéis surfavam na onda da capital, BH também tirou proveito dos espaços para ajudar na construção da nova identidade. A presença dos famosos foi importante para que a cidade entrasse na rota nacional, segundo a historiadora e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Regina Helena Alves da Silva. “Esse é o período em que a cidade, de fato, torna-se capital de Minas”, explica. 

A fama das hospedarias também se dá pela estrutura arquitetônica. Os estilos mais recorrentes nos estabelecimentos da época são art déco e modernista, com forte influência europeia. Professora do Departamento de Arquitetura da UFMG, Celina Borges Lemos ressalta que eles tornaram-se referência para edificações que surgiriam depois. 

“Novos empreendimentos que queriam demonstrar eficiência tinham esses hotéis como referência. Afinal, eles se tornaram monumentos que simbolizam o crescimento da cidade”.Reprodução

Financial remonta à época em que BH era lembrada como Cidade Jardim

Prédio onde funcionava Hotel Del Rey é alugado à PBH. Edifício é local de trabalho para 1.200 servidores

Moradores e servidores públicos ocupam lugares que já foram de hóspedes 

Mesmo com o desenvolvimento e a expansão da cidade nos últimos 70 anos, além do Othon Palace, outros dois espaços tradicionais deixaram de oferecer hospedagem no Centro de Belo Horizonte. 

A virada do milênio foi o marco final para o Del Rey, na avenida Augusto de Lima, e o Itatiaia, na rua da Bahia. O primeiro já foi residência fixa do ex-presidente Itamar Franco, e o segundo, um dos primeiros e mais modernos de BH.

A mudança, entretanto, se dá por vários motivos. De acordo com o consultor em hotelaria Maarten van Sluys, “tudo tem vida útil”. 

“As coisas são planejadas, montadas, visando um tempo determinado. Nada é eterno. Não adianta pegar um carro antigo, trocar todas as peças, e dizer que é um carro novo”, observa.Acervo José Goes/Reprodução

O então presidente Getúlio Vargas se hospedou no Hotel Normandy

Contudo, mesmo com o fechamento, a história se perpetua. Lucinéa Paiva, de 46 anos, trabalha, atualmente, na portaria do Itatiaia. No entanto, a relação começou em 1996, quando o hotel ainda estava em funcionamento. “Era ascensorista, subia e descia das 18h à meia-noite”, lembra.

Síndico do Itatiaia, Jeferson Passos conta que quando o prédio foi comprado pelos novos donos, em 2006, cinco anos depois de a hospedaria ser “extinta”, conseguiu resgatar alguns papéis que remontavam ao fim da década de 1950. 

Atualmente, o prédio é residencial e comercial. No local, onde havia os grandes bailes, corais e musicais, hoje há um salão de beleza.

Repartição

O fluxo de pessoas também é grande no antigo Hotel Del Rey, agora alugado à Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). O imóvel abriga, nos 19 andares, três secretarias, uma subsecretaria e uma coordenadoria. Por dia, 2.200 pessoas frequentam o espaço.

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