BH reúne especialistas do mundo para discutir transtorno

Ana Paula Lima e Iêva Tatiana - Hoje em Dia
11/08/2014 às 07:48.
Atualizado em 18/11/2021 às 03:44
 (Editoria de arte)

(Editoria de arte)

Não é uma doença. Muito menos uma incapacidade intelectual. Mas a dislexia continua tão ignorada pela maioria das pessoas, que vários portadores correm o risco de só ter o diagnóstico correto tardiamente, ou, pior que isso, receber o rótulo de incapaz, mesmo sem ser.   O transtorno – que dificulta o reconhecimento das palavras e, por consequência, a leitura – atinge 10% da população e será tema de um fórum mundial entre os dias 17 e 20 de agosto em Belo Horizonte.   O encontro tem o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Unesco, e vai destacar a importância do treinamento dos professores para identificar e ensinar crianças com o distúrbio.   Com o método adequado, 90% dos meninos e meninas nessa condição aprenderão a ler em uma sala de aula comum, estima a presidente do evento, Ângela Maria Vieira Pinheiro.   OUTRO EXTREMO   Já quem não tem acesso a uma metodologia eficaz para alfabetização muitas vezes é taxado de pouco ou nada inteligente.   “Torna-se desmotivado, perde a autoconfiança e passa a se achar burro, o que não é. Acaba se retraindo e adotando hábitos antissociais, o que leva a uma frustração ainda maior”, diz Ângela, professora titular do Departamento de Psicologia da UFMG.   Na prática, significa que o potencial de vários disléxicos pode estar subaproveitado. Em geral, eles são bastante criativos, e muitos escreveram o nome na história como artistas, líderes políticos e até gênios, caso de Albert Einstein.   “Dentre os portadores do transtorno há pessoas com inteligência acima ou abaixo da média, como no restante da população. A diferença é que o muito inteligente às vezes desenvolve sozinho mecanismos para ler, camuflando a situação”, explica a psicóloga.   Mas todos podem ter sucesso na vida profissional, pessoal e acadêmica. “O problema com a leitura não os impede de se especializar em outras áreas, descobrir aptidões”, frisa.   O II Fórum Mundial de Dislexia é voltado principalmente para quem atua com a educação. As inscrições podem ser feitas pela internet (clique aqui). Há desconto para grupos de professores.   A expectativa é a de que o encontro ajude a divulgar também, entre as autoridades, experiências bem-sucedidas de ensino para os disléxicos, abrindo caminho para novas políticas públicas e a inclusão de outras metodologias na formação de educadores.   Ideal é que pais notem sintomas antes da ida do filho para a escola   Com forte componente hereditário, a dislexia é ligada à má-formação de áreas do cérebro que respondem pela linguagem. Uma das características é o reconhecimento de palavras lento e impreciso, que afeta e pode até inviabilizar a alfabetização caso a criança não receba acompanhamento específico.   Quem sofre do transtorno tem dificuldade para reconhecer o sistema alfabético, explica a professora Ângela Maria Vieira Pinheiro, presidente do II Fórum Mundial de Dislexia.   Numa linguagem coloquial, não consegue relacionar com rapidez as letras escritas aos sons correspondentes nas palavras faladas. Lerá devagar, e essa demora no processo cognitivo pode fazer com que compreenda mal o conteúdo.   Em geral, os sinais do distúrbio são percebidos na escola, pois a criança não acompanha o ritmo de aprendizagem dos colegas.   “Há erros comuns entre a maioria dos estudantes, como a inversão de letras. A diferença é que o disléxico não vai corrigir isso com uma simples dica. Precisa aprender de forma concreta, falar e repetir, manipular letras”, diz Ângela.   Mas há pistas da dislexia que podem ser notadas em casa, pelos pais. Histórico familiar, ser ambidestro e levar muito tempo para se decidir entre uma das mãos, não conseguir perceber ou produzir rimas, ter problemas para pronunciar certas palavras e dizer o nome de objetos do dia a dia estão entre elas.   Há diferentes níveis de dislexia, e o diagnóstico e o acompanhamento são feitos por vários profissionais: psicólogo, fonoaudiólogo, psicopedagogo e, dependendo do caso, um médico ou neuropsicólogo.   Mas nem todos os profissionais conseguem identificar essa condição, descobriu Elisângela Guimarães Tesso. O filho dela, Robson, manifestou os primeiros sintomas aos 6 anos, mas só aos dez a família soube que se tratava de dislexia.   Quem desconfiou foi uma fonoaudióloga, que o encaminhou a um neurologista. Mas antes disso ele já tinha passado por outros médicos e tido reforço com professor particular e psicopedagogo.   Hoje, aos 12 anos, ele está no 7º ano de uma escola regular. Quer ser jogador de basquete e se dá melhor nas disciplinas em que há suporte visual, como filmes e slides. Ainda enfrenta alguma dificuldade e, quando necessário, a mãe o orienta nas tarefas.   “Os profissionais de saúde precisam ser mais informados e os da escola, qualificados para atender as crianças com dislexia. Se o Robson tivesse recebido o diagnóstico correto antes, não teria começado as sessões com a fonoaudióloga só aos dez anos, quando já tinha passado pelas séries fundamentais na escola”.     Sentidos unidos para facilitar aprendizagem   Ir além da visão no ensino da leitura e da escrita pode ser o segredo para uma alfabetização bem-sucedida, especialmente no caso de crianças com dislexia.   Na avaliação da doutora em Linguística Leonor Scliar-Cabral, os métodos empregados pela maior parte dos professores brasileiros são ineficazes, porque limitam-se à repetição. Ela defende que explorar outros sentidos é fundamental para que os disléxicos aprendam de fato.   Única palestrante brasileira no II Fórum Mundial de Dislexia, Leonor desenvolveu o Sistema Scliar de Alfabetização, sustentado pela preparação dos educadores, atribuição de valor sonoro às letras e apoio do poder público e da família.   A partir desses pilares, com o respaldo dado pela neurociência e inspirada nas técnicas desenvolvidas pela professora Maria Montessori (1870-1952), ela criou uma metodologia própria de ensino, em fase de pré-teste em BH.   “Quanto mais canais forem usados na aprendizagem, melhor. Com nossa proposta, estamos mobilizando o gestual, o visual, o tátil, o auditivo e a vibração do aparelho fonador”, explica.   Assim, acompanhar com o dedo o desenho da letra, assimilando o formato enquanto a visualiza, e tocar a superfície do livro se tornam aliados na alfabetização. Emitir o som da letra também ajuda, bem como sentir a trepidação que ele provoca nas cordas vocais, ao apalpar o pescoço.   Segundo Leonor, o processo derrubou algumas crendices em torno da dislexia e provou que parte das dificuldades dos portadores não está atrelada ao distúrbio e sim aos neurônios da visão, que passam por uma “reciclagem” na fase de aprendizagem das palavras.   “Quando a criança vai à escola aprender a ler e a escrever, os neurônios visuais dela não entendem que devem distinguir a posição das hastes da letra ‘E’, por exemplo. Então, várias escrevem espelhado. Muitas vezes, isso é confundido com dislexia, quando, na verdade, é um processo natural”, afirma.

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