'Cônsul' da Nigéria em BH usa viagem de férias para desaparecer com filha mineira

Juliana Baeta
14/02/2019 às 15:37.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:33
 (Arquivo Pessoal )

(Arquivo Pessoal )

"A última vez que eu ouvi a voz da minha filha foi no dia 17 de janeiro, eu estou desesperada", desabafa a psicóloga Laurimar Pires, de 38 anos. Moradora de Belo Horizonte, ela é mãe de Atinuke Pires Akinruli, de 9 anos, que foi levada sem sua autorização pelo pai da criança para a Nigéria. 
Michael Olusegun Akinruli, que se apresenta como cônsul da Nigéria em BH, é acusado de sequestrar a criança. Uma manobra judiciária foi responsável por emitir uma liminar que permitiu ao homem viajar com a filha durante as férias, mas desde que ela foi levada, a mãe não tem mais notícias. 

"Deixei ela com o pai no dia 9 de janeiro, e desde então nunca mais a vi. No dia 11 daquele mês ele me mandou uma mensagem comunicando que ela estava na Nigéria, e que inclusive já havia a matriculado em uma escola lá. A minha filha não é fluente em inglês, eu não sei como ela está lá, o que está fazendo, se ela está bem. Tenho uma bebezinha de 1 ano em casa que não para de perguntar sobre ela, morrendo de saudades da irmã", conta Laurimar.  

Desde 2016, Michael tentava na Justiça uma autorização para viajar com a filha. "Esse meu temor já é de muito tempo, pelas próprias atitudes dele. Quando ele passava os finais de semana com ela, por exemplo, ele já não deixava eu me comunicar com a minha filha. Já houve uma vez em que eles passaram férias juntos, ele a levou para o Rio de Janeiro, capotou o carro e a minha filha ficou hospitalizada e eu só soube disso e da viagem quando ela voltou pra minha casa e me contou. Eu sabia que ele poderia fazer isso, eu sempre temi que isso acontecesse", explica.  Arquivo pessoalMichael levou a filha para a Nigéria e informou à mãe que a criança não irá mais voltar para BH


Morando há 10 anos no Brasil, Michael se apresentava como cônsul da Nigéria, mas segundo a advogada de Laurimar, Isabel Carolina, o homem foi nomeado como agente protocolar da embaixada da Nigéria em Minas Gerais em 2015, título que teria expirado em 2017. Procurada pela reportagem, a Embaixada da Nigéria no Brasil informou que Michael é um contato da embaixada em Minas Gerais, mas que não é cônsul. 

Carolina ainda explica que em 2016 houve uma decisão sobre a possibilidade de Michael levar a filha para a Disney e outros países durante dois meses e que, embora a decisão tenha sido favorável a ele, a sentença tinha efeito suspensivo, ou seja, só seria válida quando se esgotassem todos os recursos, e a mãe recorreu. 

Já na audiência de instrução em novembro do ano passado, Michael se apresentou novamente como cônsul ao juiz. A sentença seria analisada e, como o recesso de fim de ano no judiciário estava prestes a começar, o andamento do processo se daria somente em 2019. 

"Mas neste meio tempo, no dia 17 de dezembro, a advogada dele entrou com uma ação diferente, sendo o mesmo objeto, novamente pedindo autorização para o pai levar a menina para o exterior em viagem de férias. O juiz então deu a liminar no dia 20 de dezembro e pouco tempo depois a advogada dele já estava com o alvará em mãos", explica Carolina. 

No dia 11 de janeiro, o pai da criança enviou por e-mail à Laurimar uma cópia desta autorização para viagem e também a cópia de uma petição ajuizada na Nigéria em que ele pede a guarda definitiva da criança até que ela complete os estudos. "A minha filha foi roubada com autorização do judiciário brasileiro", lamenta a mãe da criança. 

A advogada de Michael, responsável pela ação que culminou na retirada da criança do país, Fabíola Carneiro, informou que está renunciando ao caso porque houve uma "quebra de confiança". "Para mim, ele falou que queria viajar com a filha para fins de lazer e para que ela conhecesse os seus familiares na Nigéria. Eu jamais iria imaginar que ele faria isso e eu lamento muito que o caso tenha tido esse desfecho", disse. 

Busca e apreensão

O mesmo juiz que concedeu a autorização, Marcos Flávio Lucas Padula, da Vara da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, voltou atrás e expediu, nessa terça-feira (12), uma nova decisão pedindo a busca e apreensão da criança e também um pedido de cooperação internacional às autoridades judiciais nigerianas para que Atinuke seja devolvida à mãe, no Brasil. Foi aberto um inquérito policial para apurar a responsabilidade criminal de Michael e, segundo nota enviada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), o Ministério das Relações Exteriores e a Embaixada Brasileira na Nigéria foram comunicados. 

Veja a nota do TJMG na íntegra:

"Em relação ao caso, esclarecemos que foi requerida pelo genitor autorização judicial de viagem de criança ao exterior, para fins de visita familiar, de lazer e de cultura, em favor da filha. O postulante é cidadão nigeriano residente no Brasil há mais de 10 (dez) anos, cônsul da Nigéria em Minas Gerais, empresário registrado na Junta Comercial em Belo Horizonte, presidente do Instituto Iorubá (instituto cultural da religião Iorubá) e mestrando em relações internacionais na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), com defesa de dissertação agendada para março do corrente ano.

O genitor comprovou família constituída e vínculos no Brasil, possuindo uma segunda filha e dois irmãos que residem no Brasil. Além dos fatos decorrentes de suas próprias atividades oficiais, comerciais e acadêmicas no Brasil, o genitor comprovou ainda contrato de aluguel residencial celebrado há mais de dois anos, cópia de passagens de ida e volta, comprovante de matrícula da filha no Colégio Santa Maria nesta Capital para o corrente ano.

Considerando que a criança tem vários familiares na Nigéria e que, além da finalidade cultural e religiosa, a viagem tinha também a motivação de garantia da convivência familiar da criança com a família extensa paterna, foi autorizada viagem durante as férias escolares, sem autorização para fixação de residência no exterior. A autorização de viagem foi concedida estritamente para viagem no período de 09.01.2019 a 03.02.2019.

Decorrida uma semana da data limite para o retorno, foi constatado que a criança ainda não havia retornado ao território nacional. A procuradora da genitora juntou documentos que evidenciam ter o genitor obtido a custódia da filha junto à Corte de Família da cidade de Lagos, Nigéria. Em face do descumprimento do prazo de autorização judicial e em face dos indícios de que o genitor não pretende retornar com a criança, estando configurada a situação de sequestro civil interparental, foi determinada liminarmente a busca e apreensão da criança.

Determinou-se a expedição de pedido de cooperação internacional (carta rogatória) à referida Autoridade Judicial nigeriana, para o cumprimento da busca e apreensão e retorno da criança ao Brasil. Determinou-se a abertura de inquérito policial para apurar a responsabilidade criminal do genitor, oficiando-se à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente e à Delegacia de Polícia Federal de Belo Horizonte. Foram também comunicados o Ministério das Relações Exteriores e a Embaixada Brasileira na Nigéria".

  

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