Córrego do Feijão perde clima do interior para dar lugar a um cenário caótico

Simon Nascimento
29/01/2019 às 21:25.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:18
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

[Sem pedir licença e bater à porta, como é tradição em vilarejos do interior. Assim, mais de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério invadiram as poucas casas e comércios no bairro Córrego do Feijão, em Brumadinho, na última sexta-feira. Em questão de segundos, a tranquilidade costumeira deu lugar ao desespero e ao caos. Primeiro, pelos estragos provocados pelo rompimento da barragem. Depois, pelo vai-vem no verdadeiro QG montado no local para ajudar nos trabalhos de resgate.

O povoado começou a ser habitado na década de 1940. Até o desastre, estima-se que 400 pessoas viviam por lá. A barragem foi construída em 1976 por uma empresa adquirida pela Vale 25 anos depois. A rua Seis, principal, e que dá acesso à Igreja Nossa Senhora das Dores e à praça central, sempre foi rota para caminhões em direção às minas.

Desde a tragédia que se abateu sobre a cidade, a via de terra foi ocupada por dezenas de viaturas, carros da imprensa e helicópteros dos Bombeiros e das polícias Militar e Civil, além de ambulâncias. O pátio e a área interna da capela deram lugar aos pousos e decolagens das aeronaves que transportam os corpos encontrados.

O acesso às minas e a uma estrada que levava moradores ao Centro de Brumadinho virou ponto de observação, principalmente de quem está em busca de familiares desaparecidos. Porém, um isolamento foi feito pelas forças de segurança no espaço, que ainda será totalmente fechado com tapumes para evitar que curiosos avancem em direção à lama.

Fim da calmaria

Quem sempre viveu em Córrego do Feijão nem imaginava que um dia iria vivenciar esse pesadelo. “Estávamos tranquilos depois do que aconteceu em Mariana (rompimento da Barragem de Fundão, em 2015). Pensávamos que tinham feito tudo para evitar outra tragédia”, lamentou o engenheiro químico aposentado Bráulio Sérgio Alcici, de 76 anos.

Morador do vilarejo desde 1984, ele é dono de um terreno de 20 hectares, com pasto para gado, galinheiro e plantações, além de um imóvel que abrigava os funcionários que cuidavam da propriedade, devastada pelos rejeitos do minério. “Graças a Deus, a casa estava vazia na hora”. 

O desastre tirou o sossego da vila, conta o aposentado. “O clima era de cidade do interior. À tarde, os mais velhos jogavam dama na praça, todo mundo conversava nas portas, viviam em harmonia”, relembra. 

A movimentação, diz ele, ficava por conta das festividades. Em agosto, a Festa do Feijão e, em setembro, em honra à Nossa Senhora das Dores, padroeira do bairro. “A comunidade sempre se reunia para fazer as comidas que eram vendidas”, lembra a dona de casa Denise Monteiro, de 48 anos.Simon Nascimento

“Nossa vida morreu nesse barro”, afirma o aposentado Antônio Gonçalves

Destino

Dono de uma mercearia na rua Seis e ex-funcionário da Vale, Hilton Ribeiro, de 54 anos, conhece praticamente todos os moradores de Córrego do Feijão. O centro de compras era bastante frequentado pela população local, já que vendia de tudo.

Agora, Hilton está desanimado com o futuro do comércio e do próprio vilarejo. “A história daqui morreu junto com essas vítimas. A gente só tem a lamentar, pois éramos todos amigos”, diz. 

Quem também teme pelo que está por vir é Maria Marques, de 64 anos, dona de um restaurante em uma rua paralela à principal do bairro. 
“Essa mobilização chega a atordoar a gente, já que não estávamos acostumados com isso. Tenho rezado para que consigam resgatar essas pessoas ainda com vida”, conta. “Córrego do Feijão acabou, vai ficar abandonado e vamos ter que procurar outro lugar para viver”, acrescenta a comerciante.

De mudança

Belo Vale, na região Central do Estado, é, inclusive, o destino mais certo do aposentado Antônio Gonçalves, de 82. Lá, ele diz que ficará perto de familiares. Vivendo sozinho há cinco anos na vila atingida pela lama, o homem tentava vender o imóvel onde morava. “Nossa vida morreu nesse barro. Minha casa vai desvalorizar muito, mas não quero viver mais aqui”, afirmou.

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