Calorão expõe passageiro e motorista a temperatura elevada nos ônibus sem ar-condicionado em BH

Simon Nascimento
18/01/2019 às 20:41.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:06
 (RIVA MOREIRA)

(RIVA MOREIRA)

Longas esperas no ponto, atrasos e lotação não são os únicos desafios enfrentados diariamente por quem depende do transporte público em Belo Horizonte. Passageiros também têm sofrido nos últimos dias com o forte calor registrado na capital. Dentro dos ônibus sem ar-condicionado, a temperatura ultrapassa 40°C.

Com um termômetro próprio para esse tipo de medição, o Hoje em Dia andou em algumas linhas da metrópole e constatou o desconforto vivido por usuários e motoristas –os mais prejudicados, por ficarem próximos ao motor dos veículos. Na última quinta-feira, enquanto o aparelho indicava 33°C nas ruas, no interior dos coletivos foi constatado 41°C nos corredores e 43° C perto do condutor.

Em ambientes internos, durante o verão, a temperatura recomendada deve girar de 23°C a 26°C, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Além do mal-estar, a exposição excessiva ao calor pode desencadear problemas de saúde, como o chamado estresse térmico.

Com exceção do Move, menos de 10% da frota de ônibus convencional conta com o sistema de refrigeração

Números

Atualmente, com exceção do Move e de linhas executivas – que tem todas as linhas equipadas com o ar-condicionado e onde é obrigatório mantê-los em funcionamento –, cerca de 14% da frota convencional tem a refrigeração. São 2.409 veículos, mas só 298 com o sistema. 

Além disso, nem a metade da meta estabelecida pela BHTrans para a aquisição de novos coletivos com o equipamento foi atingida pelas empresas nos últimos dois anos. 

O objetivo era que 800 coletivos estivessem à disposição da população de fevereiro de 2017 a dezembro de 2018. Porém, apenas 298 carros da nova versão foram entregues pelas concessionárias. Durante as negociações sobre o reajuste da tarifa, no fim do ano passado, foram assegurados mais 300 para 2019.

Desse total previsto para este ano, segundo o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros (Setra-BH), 246 estão em fase final de aquisição e ainda passarão por adaptações técnicas e no layout. A entrega deve ser feita até o início de abril. Conforme o órgão, o não cumprimento da meta se deu por falta de recursos. Cada ônibus do novo modelo custa às empresas de R$ 400 mil a R$ 450 mil.

428 veículos é a frota atual do Move em BH; todos os coletivos do sistema contam com ar-condicionado

Críticas

O descumprimento da meta por parte das empresas não gerou punições, por se tratar de um acordo sem a assinatura de um contrato, informou a BHTrans. 

Para o professor universitário Márcio Aguiar, especialista em transporte e trânsito, a falta de coletivos com ar-condicionado é incoerente em razão do valor das passagens.

Ele também criticou a ausência de penalidades às concessionárias. “A melhoria vai além do que está sendo feito em BH. Investimento em um sistema com veículos que não dependam exclusivamente do óleo diesel, por exemplo”, disse Aguiar, ao se referir aos testes com ônibus elétricos que chegaram a ser feitos, mas não têm previsão de implantação.

Integrante do Movimento Tarifa Zero, André Veloso também criticou a situação. “Renovar a frota é obrigação das empresas, é o que prevê o contrato”.Flávio Tavares“A mudança (novos ônibus) está lenta e a temperatura cada vez maior” (Michele Souza, auxiliar contábil, de 32 anos)

Roupa extra

Em meio à ausência do ar-condicionado, passageiros lançam mão das alternativas possíveis para driblar o calor. Alguns estão sempre com garrafinhas de água para garantir a hidratação e outros levam até roupas reservas na mochila, por conta do suor excessivo.

É o caso da auxiliar contábil Michele Souza, de 32 anos, moradora de Venda Nova, que usa uniforme, mas sempre anda com outra blusa na bolsa. A mulher trabalha no Centro e diz que poucos coletivos da região estão adaptados à nova versão. 

“Em alguns locais, como na Receita Federal, preciso entrar com o uniforme do escritório. Mas tenho sempre uma camisa reserva para usar no trabalho e na volta para casa”. 

Já a dona de casa Lilian dos Santos, de 32 anos, garante que as linhas que atendem aos bairros do Barreiro não receberam os novos coletivos. Mãe de um garoto, de 10 anos, que é cadeirante, ela depende exclusivamente do transporte público para se locomover. A usuária diz que o calor é mais um obstáculo quando precisa sair com o filho.

“Naturalmente, ele já é agitado. Com a temperatura elevada, a situação piora e preciso conversar muito para tentar acalmá-lo. Como nosso ônibus sempre anda muito cheio, tento distrai-lo e nunca saio sem uma garrafa de água”, disse a passageira, que ainda acrescentou: “posso contar nos dedos quantos ônibus novos têm lá (Barreiro)”.

Protetor solar

Um trocador que pediu para não ser identificado contou que, à tarde, os coletivos sem o ar-condicionado ficam “no mesmo clima de uma sauna”. Para cuidar da saúde, o agente de bordo não deixa de usar protetor solar diariamente. 

De acordo com a assessoria de imprensa do Setra, Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte, todas as 294 linhas da metrópole contam com pelo menos um veículo equipado com o sistema de refrigeração.Flávio Tavares“A gente paga passagem cara para um serviço que é muito ruim” (Amanda Silva, estudante de direito, de 22 anos)

Falhas no sistema

Em alguns casos, a instalação do sistema de refrigeração nos ônibus não é sinônimo de conforto, dizem os usuários. Algumas pessoas reclamam que há coletivos rodando com o ar-condicionado desligado. O agravante é que nesses veículos as janelas são vedadas, impedindo a circulação de ar no interior. 

De acordo com a professora de música Cláudia Nicodemo, de 52 anos, a falha é constante na linha 609 (Serra Verde/ Santa Mônica). “Só na primeira semana de janeiro isso ocorreu duas vezes. O motorista não quis ligar. Eu e outros passageiros pedimos, mas não adiantou”, diz. A linha 5250 (Estação Pampulha/ Betânia), do Move, é outro exemplo. “Tem dia que está desligado, outras vezes, estragado”, acrescentou.

Quem também garante dificuldades na mesma linha é a dona de casa Maria Auxiliadora Costa, de 57, que se atrasou em mais de uma hora para uma consulta na última quinta-feira, depois que o ônibus em que estava precisou ser recolhido à garagem por estar com o ar-condicionado danificado.

“Ele saiu da Estação Pampulha com o problema. Chegou no meio do caminho teve que parar e aguardamos outro chegar para nos levar porque o calor ficou insuportável”, conta Maria Auxiliadora.

Segundo a BHTrans, ônibus que têm ar-condicionado devem manter a temperatura do aparelho em 22°C. Mas, conforme a autarquia, há variação aceitável de 19°C a 26°C. Ônibus flagrados circulando fora desta faixa ou com o sistema desligado podem ter a autorização de tráfego recolhida e as empresas, multadas em R$ 499,21.

O Setra, sindicato das empresas, foi questionado, mas não se posicionou sobre os problemas denunciados.

Anunciado em dezembro, o reajuste da passagem de ônibus em BH está em vigor desde 2 de janeiro. O preço passou de R$ 4,05 para R$ 4,50. O aumento chegou a ser barrado por uma liminar, mas a decisão foi derrubada após recurso apresentado pelas empresas

Estresse térmico

Com as temperaturas elevadas, a preocupação também aumenta. Levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou que 2018 foi um ano mais quente que o habitual. O estudo mostrou que o número de pessoas no mundo vulneráveis a ondas de calor cresceu em 157 milhões, entre 2000 e 2018.

De acordo com o cardiologista Gabriel Assis Lopes, professor do Departamento de Clínica Médica da UFMG, um dos traumas que pode acometer a população nessa época é o estresse térmico. O mal-estar está diretamente ligado ao aumento das temperaturas e se manifesta principalmente em idosos e pessoas com baixa imunidade. 

“Os sintomas são tontura, desmaio, contrações musculares, fadiga e, em casos mais extremos, o paciente pode até ter complicações maiores e acabar em coma”, relatou. Gabriel Lopes garante que dentro dos ônibus o estresse térmico pode ser difundido com mais facilidade devido à baixa circulação de ar e à aglomeração de pessoas.

Segundo ele, além da hidratação com água e isotônico, a alimentação à base de frutas é uma aliada. “O principal fator para evitar o estresse térmico, em qualquer ambiente, é a climatização por ar-condicionado, que pode reduzir consideravelmente a sensação de calor e as chances de desidratação”, frisou.

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