Carga de preconceitos na carroceria da profissão de caminhoneiro

Milson Veloso - Do Portal HD
24/08/2012 às 12:43.
Atualizado em 22/11/2021 às 00:43
 (Leonardo Morais/Arquivo Hoje em Dia)

(Leonardo Morais/Arquivo Hoje em Dia)

Eles são tachados de mulherengos, sujos e irresponsáveis por muita gente, mas boa parte das pessoas não conhece como é a realidade de um caminhoneiro. Os preconceitos e estereótipos que carregam são suficientes para encher uma carroceria. Porém, como toda concepção sem conhecimento, a imagem que a sociedade forma do condutor de caminhão é lotada de enganos.
 
A frentista Marilda Nogueira, 22 anos, que trabalha em um posto às margens do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, tem uma opinião forte a respeito dos trabalhadores. Ela acredita que falta responsabilidade por parte dos caminhoneiros e mais policiamento para conter os exageros.
 
“Eles são irresponsáveis, porque passam horas e horas no volante sem parar. Além disso, não respeitam o trânsito e andam na faixa errada”, enfatiza, completando que a fiscalização deveria ser mais rígida com esses condutores para diminuir os acidentes.
 
Para o motorista belo-horizontino Wellington de Rezende, 44 anos, que há 22 passa sete dias da semana na boleia de um caminhão, as pessoas acabam associando à categoria todas as ações erradas de apenas alguns condutores, generalizando algo que se torna prejudicial para quem respeita as leis.
 
Encontramos com ele na BR-040, numa parada em Nova Lima e, entre um cafezinho e alguns petiscos, o condutor nos revelou um pouco sobre como é atuar em uma área vista pela sociedade com tantos adjetivos negativos, além da própria rotina difícil sobre o asfalto.
 
Wellington assume que há muitas irregularidades na vida pelas rodovias, mas nega que o conceito represente a realidade. "Há abusos, não dá para negar, por isso muita gente acaba criando essa imagem", comenta. Ele também diz que falta apoio das empresas que contratam os caminhoneiros para mudar essa concepção.


Drogas nas rodovias
 
Os preconceitos relacionados aos motoristas são reforçados dentro e fora das rodovias. Isso porque, além da imprudência de alguns caminhoneiros nas estradas – o que pode resultar em acidentes graves e mortes – muitos deles acabam recorrendo às drogas para conseguir se manter acordados. Uma mistura nada saudável para quem vive na cabine de um caminhão.
 
O dia a dia em meio aos medicamentos não é difícil de ser percebido. Basta parar em algum ponto de encontro dos caminhoneiros para ouvir histórias sobre colegas que exageram nas substâncias e acabam se tornando viciados, apesar de quase todos negarem usar. As misturas à base de cafeína são as mais comuns, mas também há drogas mais pesadas, como cocaína.
 
“Eu sou contra. O motorista tem que dormir e as empresas precisam se adequar a isso. Se um condutor não dá conta, coloca outro”, opina Wellington. Porém, ele afirma saber de gente que não consegue entregar um frete sem a ajuda dos medicamentos. “Eu conheço muitos amigos que consomem diversas drogas”, confessa.
 

Wellington de Rezende confessa que muitos colegas de estrada recorrem às drogas (Foto: Samuel Costa)

 

A combinação das substâncias com o estresse pode ser fatal. “Boa parte dos acidentes é porque o motorista havia consumido esses medicamentos. Eu mesmo sei de gente que acabou dormindo, pois o efeito passa, e daí é pior ainda”, revela o condutor.


Prostituição como válvula de escape

A fama de mulherengo carregada pela categoria é sustentada, principalmente, pela procura de prostitutas que trabalham nas rodovias. De acordo com a presidente da Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig), Maria Aparecida Menezes Vieira (Cida), esses motoristas são os principais clientes das garotas de programas.

Ela explica que a rotina cansativa se torna um fator decisivo para que eles procurem essas mulheres. "Como estão viajando, muito estressados, eles acabam recorrendo aos serviços por causa da pressão. É uma forma de aliviar a tensão. E todos nós precisamos de sexo", comenta a representante.


Preconceitos são marca forte
 
A imagem que os condutores de caminhões carregam é como a marca de um produto, criada e alimentada ao longo dos anos pelos acidentes, infrações e atos irresponsáveis de alguns deles. Mudá-la é algo que leva tempo, afirma o mestre em psicologia Marco Antonio Torres, professor do Departamento de Educação da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
 
"Como são construídos coletivamente e baseados em opiniões, para desconstruí-los, é preciso que as pessoas saiam deste campo e vão para o conhecimento. Quando você se propõe a conhecer algo, consegue desconstruir a imagem que tinha daquilo", explica.
 
Para o especialista, os preconceitos e estereótipos são prejudiciais para os trabalhadores, pois criam traumas sobre a própria personalidade. “Podem gerar baixo autoestima, isolamento social, além de casos de depressão, em um patamar mais grave”, acrescenta.
 
Em situações de motoristas que se sentem intimidados pela forma de tratamento que lhe é atribuída, o psicólogo orienta que é preciso uma atenção especial. “Uma das maneiras de se proteger é estar presente em uma associação, com indivíduos que também estão na mesma condição”, conclui.

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