Cemitérios de BH convivem com roubo de fiação e esculturas, jazigos depredados e manutenção precária

Igor Patrick
ipsilva@hojeemdia.com.br
07/06/2016 às 20:18.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:47
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

Quem passa pela avenida Carlos Luz, no bairro Caiçara, região Noroeste de Belo Horizonte, logo vê o Cemitério da Paz. Construído em 1967 com o conceito de cemitério parque – sem lápides –, a instalação pública sofre com depredação, furtos e manutenção insuficiente, situação que tem se repetido em outras duas necrópoles públicas da cidade. Na da Paz, os velórios foram realizados com luz natural na última semana, já que, pela terceira vez só neste ano, os cabos de luz foram roubados.

“Lá tem mato de dois metros de altura. O muro que cerca a unidade de acolhimento de pequenos volumes é baixo, facilitando a entrada de marginais e vândalos”, diz o vereador Adriano Ventura. Desde o início do ano, o parlamentar já enviou quatro requerimentos para a Comissão de Administração Pública da Câmara Municipal, relativos às condições dos cemitérios em BH. Em duas visitas técnicas, o vereador afirma ter constatado problemas alarmantes.

 Flávio Tavares

CEMITÉRIO DA PAZ - Furto de fiação deixou o local sem luz

Acesso improvisado

No Cemitério da Saudade, região Leste, uma abertura foi improvisada há cinco anos na rua Padre Júlio Maria para a passagem de caminhões com material de reforma. Hoje, o caminho está fechado com um portão de madeira e o muro ao lado está rachado, facilitando o acesso direto ao ossário. De acordo com Ventura, roubos de ossos foram reportados e moradores que não quiseram se identificar denunciam que grupos de jovens usam a passagem para consumir drogas à noite. 

A obra da área para velório e vestiário para os funcionários do cemitério está parada. Visitantes convivem com faixas que impedem o acesso a corredores do local. Uma casa de madeira improvisada é utilizada como banheiro e depósito para objetos pessoais dos funcionários. A estrutura precária atrai ratos e escorpiões.Flávio TavaresACESSO - Muro rachado facilita entrada ao ossário no Cemitério da Saudade

“Cemitérios são locais de preservação da historicidade humana. No Saudade há lápides dos anos 1940 onde foram enterradas pessoas importantes para a nossa trajetória enquanto povo. O descaso visto nesses locais é inaceitável”, afirma Ventura.

No Cemitério do Bonfim, Noroeste da cidade, o cuidado precisa ser redobrado. Tão antigo quanto a própria capital mineira, com 119 anos, a necrópole possui cerca de 17 mil lápides, adornadas com esculturas italianas e obras de arte. Por lá estão enterrados nomes como o jornalista Roberto Drummond, e a mãe de Juscelino, Julia Kubitschek.

“Já foram relatados roubos de peças de bronze e depredação de esculturas. A prefeitura não tem braço para reparar e fiscalizar ao mesmo tempo, deixando o patrimônio exposto”, completa o vereador.

Preocupação é maior com peças históricas do Cemitério do Bonfim, datadas do século 19

Proposta pode encarecer valor de sepultamento na capital

Em tramitação desde o fim de 2015 na Câmara de Belo Horizonte, um projeto de autoria do Executivo municipal deve ampliar o debate sobre o tema. A proposta deve entrar na pauta de votação hoje.

A intenção da prefeitura é conceder os cemitérios para a iniciativa privada, permitindo que empresas administrem o serviço funerário nos quatro cemitérios e capelas velório, inclusive com a instalação de forno crematório. Inspirada no modelo que já funciona no Rio de Janeiro, a proposta é criticada por sindicatos e funcionários municipais. Por não estabelecer teto para cobranças de taxas e não restringir a atuação das concessionárias, o texto pode dar margem para aumento drástico nos custos de sepultamento. 

“No Rio, as empresas estão priorizando os velórios de quem fecha o pacote funerário de parceiros delas. Do contrário, o familiar é obrigado a esperar uma vaga para realizar o funeral. Além disso, as taxas subiram 400%”, afirma o presidente do Sindicato de Empresas Funerárias de Minas Gerais, Daniel Pereirinha.

O vereador Adriano Ventura alerta para as fraudes encontradas na capital fluminense depois do novo modelo de administração. “Um esquema de venda ilegal de jazigos foi descoberto. Tinha gente vendendo jazigo por R$23 mil e até exumavam corpos de túmulos alugados para liberar espaço”.

Para ele, o projeto pode elevar os custos do sepultamento em BH, atualmente em torno de R$ 800, pagos à vista.

Outra preocupação do parlamentar é a preservação das peças e o respeito às regras impostas pelo patrimônio ao Cemitério Bonfim. “Não há estrutura para um crematório ali, mas é o que tornaria essa concessão rentável para as empresas. Administrar peças de arte não traz lucro. Empresa nenhuma vai pegar o cemitério só para ter gastos”.

Líder do governo na Câmara, o vereador Preto foi procurado pela reportagem durante todo o dia de ontem para comentar o projeto de lei, mas não foi encontrado.

Resposta

Em nota, a PBH negou que o portão do Cemitério da Saudade facilitasse a entrada de estranhos no local. O texto diz que “nunca houve furto de ossos no ossuário e o local é trancado com cadeado. Em relação ao muro, existe uma passagem que dá acesso à entrada dos materiais de construção usados na obra do cemitério”. O Executivo, porém, não menciona quando será instalado um portão definitivo.

Quanto ao mato alto nas instalações, a Fundação de Parques Municipais informou que “possui seis funcionários que realizam diariamente os serviços de capina e roçada. Cerca de 80% do Cemitério da Saudade encontra-se capinado”. Quanto ao Cemitério da Paz, sete funcionários fazem, periodicamente, os serviços de capina e roçada. “Cerca de 70% da área está capinada”, diz o texto. O restante, frisou o órgão, será capinado ao longo dos próximos meses. Como o Hoje em Dia constatou, as áreas capinadas são as da entrada dos locais. O mato alto afeta principalmente os túmulos nos fundos das instalações.

Sobre os cabos de luz furtados no da Paz, a fundação informou que os fios já foram substituídos e uma vigilância eletrônica será implantada no cemitério. Boletins de ocorrência foram registrados e a Guarda Municipal vai aumentar o efetivo no local. A nota diz ainda que os velórios não são realizados à noite, não impactando o funcionamento da necrópole.

  

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