Abandono e falta de monitoramento em barragens transformam minas desativadas em 'bombas-relógio'

Daniele Franco*
11/02/2019 às 19:18.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:29
 (Facebook)

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A iminência de novos rompimentos de barragens de rejeitos como os que assolaram as cidades de Brumadinho, na Grande BH, no dia 25 de janeiro deste ano, e Mariana, na região Central de Minas, em novembro de 2015, deixa em alerta moradores de áreas onde as estruturas estão situadas. A sensação de insegurança, no entanto, aumenta quando se leva em consideração que algumas dessas barragens estão em minas que não são exploradas há muito tempo. De acordo um levantamento de 2016 feito pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), há 400 empreendimentos nessa situação em todo o Estado.

A contagem não leva em consideração as barragens em si, mas minas que foram exploradas e, por motivos diversos, foram abandonadas pelos empreendedores. No entanto, as barragens mais vulneráveis de Minas Gerais, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), pertencem a empresas que hoje estão com as atividades paralisadas.

O exemplo mais icônico é o das barragens da Mina do Engenho D'Água, que fica em Rio Acima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Alimentadas pelos rejeitos da exploração de ouro pela Mundo Mineração, as barragens são alvo de ações do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) desde 2014. A promotoria de Meio Ambiente conseguiu que o Estado assuma o descomissionamento e a descaracterização da estrutura, que é a de maior risco no Brasil.

A ação, segundo a promotora Claudia Ignez, teve parecer favorável da Justiça, que expediu uma liminar atribuindo ao executivo estadual a responsabilidade pelas barragens. No entanto, ela afirmou que ainda não houve atitudes nesse sentido. "Encaminhamos na última quinta-feira (7) uma ação à juíza de Nova Lima para que ela obrigue o governo a cumprir a liminar em caráter de urgência, também estamos apelando ao Ministério do Meio Ambiente para garantir que a população esteja segura", afirmou.

A Mundo Mineração está em processo de recuperação judicial e, segundo Ignez, os responsáveis pela empresa nunca foram encontrados. "Nosso esforço, além de manter a população segura, é no sentido de procurar esses empreendedores, se é que podemos chamá-los assim, e seus ativos financeiros a fim de que eles sirvam para custear todo o processo necessário na mina".

A professora de engenharia civil das Faculdades Kennedy Rafaela Baldi Fernandes, explicou que a barragem em Rio Acima tem um alto potencial contaminante. "Além de ser uma estrutura em risco, o dano ambiental, em caso de rompimento, seria muito grande porque você tem, junto ao rejeito, cianeto e arsênio, que são altamente contaminantes". Segundo a especialista, a mina na RMBH já passou pelo controle de vários empreendedores até chegar à Mundo Mineração. 

A reportagem tentou o posicionamento da Mundo Mineração e chegou a entrar em contato com o escritório que era responsável pela contabilidade da empresa, mas os funcionários disseram que há muito tempo a mineradora não consta mais na carta de clientes. No site JusBrasil é possível encontrar vários processos trabalhistas tramitando contra a empresa, que pertence ao grupo australiano Mundo Minerals.

Licitação

Acontece ainda em fevereiro deste ano a licitação das obras de desativação das barragens I e II da Mina do Engenho D'água em Rio Acima. A informação foi divulgada pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e o aviso de licitação foi publicado no Diário Oficial de Minas Gerais, no dia 2 de fevereiro. 

O objetivo é a execução com fornecimento total de materiais das obras e serviços para proteção e preservação das barragens I e II.  Já a licitação está prevista para acontecer no dia 27 de fevereiro deste ano.  

Ainda de acordo com a Copasa, as obras foram definidas a partir de ações consolidadas no "Plano de Trabalho do Convênio de Cooperação Técnica", firmado em 2017 entre a companhia, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), a Secretaria de Estado de Transporte e Obras Públicas (Setop), o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, a Defesa Civil de Minas Gerais (Cedec), a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e o município de Rio Acima. 

"O projeto produzido por meio desse convênio foi recebido na Copasa em novembro de 2018, tendo sido remetida à Semad correspondência solicitando as definições dos procedimentos necessários à autorização ambiental para realização das obras naquele local. Essa solicitação foi atendida em 29 de janeiro 2019", completa a nota divulgada pela companhia de saneamento.

Plano de fechamento

De acordo com a professora Rafaela Baldi Fernandes, a legislação para o licenciamento de um empreendimento de exploração mineral prevê um plano de fechamento. Nele, a professora explicou que a empresa deve fazer uma previsão de até quando os recursos serão explorados e inserir um plano para o descomissionamento ou a descaracterização da barragem de rejeitos.

Nesse documento, a empresa deve inserir a rotina de monitoramento da barragem até que ela seja totalmente descaracterizada e não ofereça risco de rompimento. "Há uma série de fatores envolvidos, muitas empresas optam por colocar a descaracterização no plano de fechamento para que não seja necessário monitorar, mas por causa dos custos, que são mais elevados, e do tempo maior para a conclusão, outras acabam colocando somente o descomissionamento no plano para pensar depois, ao longo do tempo, no que realmente fazer para garantir a segurança do local", explicou Fernandes.

Risco

O levantamento da Feam, embora não liste as situações das barragens em si, cita casos em que as estruturas não apresentaram relatórios de segurança sobre seus rejeitos. Três casos são classificados como preocupantes: Mundo Mineração, Minar Mineração Aredes e Topázio Imperial Mineração.

Quem entende do setor garante que as minas desativadas de Minas Gerais são uma "bomba-relógio". Para Carlos Martinez, professor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), a situação é "desesperadora". "A conta um dia vai chegar e tem o potencial de quebrar de vez o Estado", diz ele. "Muitas dessas mineradoras sequer existem mais. E quem vai pagar a conta do desastre ambiental e social? O poder público."

Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Bruno Milanez diz que a legislação brasileira deveria prevenir que "aventureiros" se lançassem na mineração e deixassem para trás perigos ambientais e sociais. "Vários países com atividade minerária relevante exigem que as empresas provem sua viabilidade econômica antes de iniciar a exploração de uma determinada área."

A mina da Minar Mineração Aredes, companhia de Itabirito, município da Grande BH próximo a Brumadinho, fica dentro de uma área de preservação ambiental e não funciona há quase uma década. O atual dono, o empresário Lucas Cabalero, já foi notificado pelo Ministério Público Federal (MPF) a apresentar um relatório de estabilidade. Como a mina está parada, o proprietário afirma que os rejeitos estão secos e que o reservatório não corre risco de romper. Já o MP diz ter cobrado providências s e classifica o caso como "urgente".

Outra mina desativada que preocupa é a da Topázio Imperial Mineração, no distrito Rodrigo Silva, em Ouro Preto (MG). A reportagem esteve em Rodrigo Silva e, segundo os moradores, a mina não é explorada há vários anos.

Guilherme Capanema Gonçalves, que se identificou como filho de um dos sócios da companhia, disse que as atividades da mina estão paralisadas desde 2017, quando o MP entrou com ação contra a empresa. 

(*Com Estadão Conteúdo e José Vítor Camilo)

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