Cúpula do PCC no Norte de Minas comandava crimes em dois estados; ouça os áudios

Daniele Franco
03/10/2019 às 17:28.
Atualizado em 05/09/2021 às 22:03
 (Reprodução/Polícia Civil)

(Reprodução/Polícia Civil)

Alvo da maior operação policial contra o crime organizado de 2019, a cúpula do Primeiro Comando da Capital (PCC) instalada na Penitenciária de Segurança Máxima de Francisco Sá, no Norte de Minas, era responsável por ordenar crimes em Minas e no Paraná. Após quase dez meses de investigações, a Polícia Civil deflagrou nesta quinta-feira (3) a Operação Muralha, que cumpriu 38 mandados de prisão. Os onze detentos do PCC que comandavam ações de dentro da penitenciária em Francisco Sá foram transferidos para presídios federais ao redor do país, mas o destino deles não foi revelado por questões de segurança.  Agora, os presos ficarão alguns dias incomunicáveis, em celas individuais. 

Segundo o delegado, o rigor maior nas prisões federais dificulta que novos crimes sejam comandados pelos detentos. "Mesmo que a penitenciária de Francisco Sá seja de segurança máxima, as prisões federais são mais rigorosas em vários aspectos, como o isolamento dos detentos, a falta de tomadas para carregar aparelhos celulares [em prisões estaduais os detentos usam as que ligam a TV] e a própria visitação é dificultada, porque além de ser mais limitada, os presos estão longe de seus estados de origem", detalhou o comandante da operação, delegado Alberto Tenório Cavalcanti Filho. Dos 38 mandados de prisão, oito eram contra pessoas em liberdade e 30 contra alvos já presos. 

Esses onze presos comandavam através de dois aparelhos celulares ações criminosas em cidades do Triângulo Mineiro, no Norte de Minas e em Umuarama, no Paraná. "Cada preso tinha um chip e eles dividiam dois aparelhos, que foram identificados pela análise de quase 35 mil ligações telefônicas em um período de 30 dias", detalhou.

A investigação, conforme o policial, começou após uma carta que determinava o assassinato de cinco agentes penitenciários da prisão de Francisco Sá ser interceptada. Além dela, começaram a circular vídeos com ameaças à nova direção do presídio. Em um deles, um homem com o rosto coberto e arma na mão afirma que se a direção não atender as reivindicações dos detentos, o problema não seria resolvido na conversa, fazendo alusão ao uso do revólver.

Veja um dos vídeos:

A direção do presídio foi alterada recentemente e, segundo o delegado, vinha tomando medidas dentro da lei para garantir o rigor no tratamento dos detentos, o que gerou insatisfação. "Todas as medidas tomadas pela direção foram tomadas dentro da lei, ao contrário do que os presos estavam reivindicando, que eram direitos que eles não tinham, como mais tempo de banho de sol e de visita íntima", exemplificou Filho.

Interceptações

Entre as ligações interceptadas, a PC identificou conversas entre os detentos e pessoas do lado de fora do presídio. Os conteúdos vão desde comentários, como quando um preso reclama do preço do celular na penitenciária, que era de R$ 15 mil, até uma ordem para o roubo de uma carga de fertilizantes em Uberaba, no Triângulo, avaliada em R$ 5 milhões. Somente para esse serviço, a organização pagou R$ 100 mil.

A operação interceptou, ainda, conferências entre membros do alto escalão da organização, que chegam a durar cerca de duas horas. Na conversa, os chamados Jets - comandantes da quadrilha em presídios de todo o país - contabilizam os números de membros e se certificam sobre o controle da facção sobre o presídio correspondente. 

Em um dos áudios aos quais a reportagem teve acesso, um detento confirma "32 irmãos e 143 companheiros", enquanto o outro anota o dado. Segundo o Alberto Filho, irmão é o título dado aos batizados na facção, mais graduados, enquanto companheiros são associados, que são favoráveis e ajudam a cometer os crimes dentro e fora dos presídios. Os oito presos na operação desta quinta que estavam em liberdade eram considerados companheiros.

Além das ligações, a operação interceptou uma carta que detalhava um plano de resgate de dois detentos do presídio. Um grupo de criminosos invadiria o local com fuzis para resgatar os comparsas. Com a informação, a PC conseguiu que os dois fossem transferidos para outra penitenciária.

Entre os crimes nos quais detentos do presídio de Francisco Sá estavam envolvidos durante o período de investigação, a PC identificou tráfico de drogas, roubo qualificado, corrupção de menores, ameaça e possível corrupção ativa e passiva.

Ouça os áudios interceptados:

Cúpula nova

A atuação de membros do PCC de dentro de uma penitenciária no Norte de Minas é recente, segundo contou o delegado. Dos 11 detentos transferidos, 9 vieram de presídios do Sul de Minas ou do Triângulo e apenas dois foram presos em Montes Claros, cidade vizinha a Francisco Sá. Entre eles, há naturais de São Paulo, do Paraná e de Minas.

"O impacto da operação no PCC de Minas vai ser bastante significativo principalmente no Norte do Estado, mas para o PCC em nível nacional deve ser menor, já que os principais pontos de atuação são em São Paulo e no Paraná", afirmou o delegado. Segundo ele, outras 15 transferências de membros da facção estão sendo pleiteadas. Os detentos estão confinados em presídios de Patrocínio, no Alto Paranaíba, e em Uberaba, no Triângulo Mineiro. "O objetivo dessa operação é desarticular completamente essa organização e combater a criminalidade organizada", completou.

Próximos passos

Apesar do grande número de mandados cumpridos, a operação ainda terá novas prisões em uma próxima fase. Os mandados foram expedidos para suspeitos identificados, mas outras pessoas estão envolvidas nas conversas interceptadas e "por questões de segurança e de estratégia de operação" devem ser identificadas após a coleta de mais informações. 

As próximas fases da operação Muralha irão investigar a facilitação da entrada de celulares e drogas no presídio. 

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