Sem regras, expansão da mobilidade em BH prejudica a locomoção de pedestres

Lucas Eduardo Soares
19/04/2019 às 15:38.
Atualizado em 05/09/2021 às 18:18
 (Ana Paula Lima)

(Ana Paula Lima)

A chegada de bicicletas e patinetes compartilhados facilitou a mobilidade urbana em Belo Horizonte. No entanto, a falta de pontos específicos para estacioná-los e de bom senso por parte de quem os guia prejudica a acessibilidade na capital. Equipamentos largados no meio da calçada ou bloqueando rampas atrapalham a locomoção e são um perigo sobretudo para idosos e pessoas com deficiência.

Vários flagrantes foram registrados pelo Hoje em Dia na última semana. A reportagem encontrou bikes junto a acessos para cadeiras de rodas e piso tátil e em passeios onde há grande circulação de pedestres, como estações de metrô. 

O problema já motivou projeto de lei em tramitação na Câmara Municipal. O texto do vereador Gabriel Azevedo propõe regras para o uso das magrelas e dos patinetes nas vias da cidade. A proposta foi aprovada em primeiro turno. No entanto, ainda não há previsão para voltar a plenário.

Segundo o parlamentar, o objetivo é regulamentar, inclusive, o estacionamento dos equipamentos, para evitar que dificultem ou interrompam o trânsito regular de pedestres. “Caberá às empresas que oferecem o serviço a orientação aos usuários para que não atrapalhem a mobilidade. A fiscalização e autuação serão de responsabilidade do poder público municipal”, explica Gabriel Azevedo.Lucas Prates

A reportagem encontrou bikes e patinetes sobre rampas de acessibilidade e piso tátil e em calçadas em áreas com grande circulação de pessoas, o que pode trazer riscos para pedestres, especialmente idosos e pessoas com deficiência 

Educação

Determinar uma norma pode ser eficaz para o uso consciente dos equipamentos de transporte. É o que diz o professor Paulo Rogério Monteiro, da UFMG. “A culpa não é da bicicleta. Nesse caso, a empresa transfere o bom senso para o usuário”, explica o consultor de trânsito e mestre em engenharia de transportes. “Com uma norma definida, as pessoas não poderão fazer o que bem entenderem”, avalia.

Professor do Departamento de Engenharia de Transporte do Cefet-MG, Guilherme Leiva afirma que o uso das bicicletas e dos patinetes é benéfico para o trânsito na cidade e para usuários, embora elas estejam disponíveis somente em algumas áreas de BH.
 
Para ele, a redução dos transtornos, como o estacionamento nas calçadas, passa pela educação. “É um problema da sociedade pensar só em si mesmo, o que é refletido no trânsito, prejudicando sempre o mais frágil, no caso, o pedestre. Por isso, as empresas deveriam reforçar as campanhas e indicar, a cada viagem, como as bicicletas e os patinetes deverão ser devolvidos”, explica. 

Ainda de acordo com Paulo Rogério, é necessária uma campanha que planeje a mobilidade de uma forma geral, pois é melhor ensinar do que punir. 

Toda a população

Até mesmo quem utiliza as bicicletas como meio de transporte e luta pelo respeito no trânsito defende que a atitude de alguns usuários seja repensada. Associada à BH em Ciclo, que representa cidadãos que pedalam e defendem o uso das bikes na capital, Mariana Oliveira, de 27 anos, diz que o conceito de mobilidade é pensado para o bem-estar de toda a população.

Para especialistas, mudança no cenário passa pela educação dos próprios ciclistas

“Do mesmo jeito que queremos o respeito do carro, também temos que respeitar o pedestre, porque a cidade também é dele. Lutamos por uma cidade amigável, que deixe o ciclista à vontade, mas também temos que oferecer isso”, afirma a jovem, que também é arquiteta e urbanista. Trazer os problemas à tona representa, na visão dela, uma mudança positiva de comportamento das pessoas que fazem parte do trânsito. 

Mariana conta que passou uma temporada na Holanda – país que tem 23 milhões de bicicletas para 17 milhões de habitantes – e que problemas como esses começaram a aparecer quando as magrelas tomaram conta das calçadas, muitas vezes estreitas. 
“É um novo e importante conflito. Não é necessário impor regras, e, sim, educar”, diz a ciclista.Lucas Prates

Além disso

Em nota, as empresas de bicicletas e patinetes compartilhadas em BH, Grin e Yellow, informaram que “o pedestre é sempre prioridade” e que no termo de uso, disponível no aplicativo e no site, orienta os usuários a estacionar em locais onde seja permitido e gratuito parar os veículos – preferencialmente em vagas comuns – ou perpendicularmente à via, como motos. “O termo pede que não parem em calçadas ou áreas em que os equipamentos possam atrapalhar a circulação de pedestres e veículos”, diz o texto.

Questionadas se foram orientadas a seguir algum código de posturas na capital, as empresas relataram que “estão em constante diálogo com os órgãos públicos para alinhar o bom ordenamento da cidade”. 

Já a prefeitura da metrópole, procurada para comentar sobre as bicicletas e patinetes deixadas nas calçadas, informou apenas que a BHTrans está com um grupo de trabalho que estuda regras de circulação para prevenir acidentes.

500 bicicletas foram disponibilizadas pela Yellow em janeiro deste ano, quando a empresa começou a operar na capital mineira

Instituto São Rafael se mobiliza para proteger alunos

Escola referência de ensino para adultos e crianças com deficiência visual, o Instituto São Rafael, no Barro Preto, região Centro-Sul, se viu obrigado a adotar ações para proteger alunos dos equipamentos deixados na calçada. Em fevereiro, a diretora da unidade chegou a retirar uma bike que oferecia risco às mais de 350 pessoas cegas que circulam naquele entorno.

A pedagoga e gestora do instituto, Juliany Sena, conta que logo no início das aulas, quando as bicicletas e os patinetes começaram a aparecer com maior frequência nas ruas da metrópole, observou uma “amarelinha” obstruindo a passagem e sobre o piso tátil – mecanismo que orienta as pessoas com deficiência visual. 

“Pegamos a bicicleta, que fez um barulho estridente quando a carregamos até o interior da escola, e chamamos a Patrulha Escolar (da PM), que acionou, logo em seguida, a BHTrans”, lembra. Segundo Juliany, ao notar que aquela situação poderia ser recorrente, passou de sala em sala para orientar os alunos. “Pedi que redobrassem o cuidado”, diz.

Por dia, mais de 350 pessoas com deficiência visual transitam no entorno do Instituto São Rafael, no Barro Preto. Referência, a escola de 92 anos capacita, gratuitamente, crianças e adultos cegos

De acordo com a pedagoga, que considera positivo para a mobilidade urbana o uso de bicicletas e patinetes, falta empatia em quem usa o sistema compartilhado. “As pessoas precisam ter mais consciência, se colocar no lugar do outro”, pondera Juliany, que recorreu ao Movimento Unificado de Deficientes Visuais (Mudevi) para eliminar as chances de acidentes ao redor da escola.

Vice-coordenador do movimento e professor do São Rafael, Antônio José de Paula diz que a entidade procurou os órgãos públicos quando houve a queixa da direção. Agora, não é mais permitido o estacionamento naquele quarteirão. “O Mudevi vai interceder junto à BHTrans no sentido de estabelecer normas que garantam a segurança das pessoas com deficiência nos passeios. A proposta é que bicicletas e patinetes sejam estacionados junto ao meio fio, exceto nos lugares onde existem pontos de ônibus”, detalha.

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