Sem-teto de Belo Horizonte vive com muito pouco dinheiro, mas é alfabetizado

Raul Mariano
rmariano@hojeemdia.com.br
26/06/2017 às 20:51.
Atualizado em 15/11/2021 às 09:16
 (Fernanda Carvalho)

(Fernanda Carvalho)

Se o crescimento da população de rua de Belo Horizonte nos últimos meses já chama a atenção, o perfil detalhado desses moradores em situação de vulnerabilidade social surpreende ainda mais. Dados da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) mostram que 92% dos mais de 4.500 sem-teto sobrevivem com uma renda média mensal de, no máximo, R$ 85. Ou seja, vivem com R$ 2,80 por dia. 

O número poderia indicar uma população que nunca teve acesso à educação, mas, segundo o levantamento, somente 5% – cerca de 227 pessoas – são analfabetas. Além disso, a maior parte alega estar na rua há cerca de apenas seis meses.

Para especialistas, as mudanças de perfil de quem vive na rua estão ligadas à transformação que o país viveu nas últimas décadas, inclusive no mercado de trabalho. A cientista social Danielle Cireno, do Departamento de Sociologia da UFMG, afirma que essas pessoas são cada vez mais resistentes, o que exige a formulação de ações específicas para o problema.

“Não estamos lidando com a mesma população de rua da década de 1970. Esse é um público que não quer apenas comer ou que está sem-teto. São pessoas com conflitos familiares e em vulnerabilidade socioeconômica, mas com problemas de viés psicológico muito forte”, explica. 

Danielle destaca que resolver a situação é uma tarefa de longo prazo. “Em um ou dois meses não se consegue, de forma alguma, esvaziar as ruas de Belo Horizonte. Uma política pública rápida não funciona nesse caso porque esse não é um problema novo”.Lucas Prates / N/A

Rosemeire sobrevive com a venda das latinhas e papelões que recolhe nas ruas, o que não rende muito dinheiro

Rosemeire de Souza que o diga. Aos 30 anos, ela já perdeu as contas dos anos em que mora na rua. Lembra apenas o que a motivou estar ali. Após a morte da mãe, se viu sem apoio familiar e perdida. Ela entra na estatística dos 95% alfabetizados na mesma condição. Estudou até o início do ensino fundamental e teve que parar quando engravidou. Quando saiu de casa, a filha ficou sob os cuidados de familiares.

Atualmente, Rose (como gosta de ser chamada) mora em uma tenda improvisada com lona e madeira embaixo do viaduto Itamar Franco, no bairro Carlos Prates, Noroeste de BH, com um companheiro. Sobrevive com a venda das latinhas e papelões que recolhe nas ruas, o que não rende muito dinheiro. Em dias muitos bons, consegue no máximo R$ 10. “Mas no dia a dia não tenho nem noção de quanto ganho. Só sei dizer que é bem pouco”, conta. 

Prefeitura vai investir em abordagem mais qualificada

A partir do próximo mês, a prefeitura da capital vai intensificar os trabalhos de abordagem social, com ampliação das equipes que atuam nas ruas. De acordo com a Secretaria Municipal de Políticas Sociais, o hipercentro será o foco principal, já que a região concentra a maior parte dos moradores em situação de rua.

O secretário adjunto de Assistência Social da PBH, José Crus, afirma que as equipes responsáveis vão ganhar o reforço de pelo menos 40 profissionais. A ação faz parte da tentativa de integrar outras áreas no enfrentamento à situação de vulnerabilidade.

“Nesse grupo estamos colocando membros que já moraram na rua. São pessoas que já passaram pelos nossos serviços e agora vão ser contratadas para integrar a equipe de abordagem social. Além disso, estamos contratando 15 educadores para estratégias lúdicas e de convivência. É uma retaguarda do serviço de abordagem”, explica.

Agilidade

Para Maria Cristina Bove, coordenadora nacional da Pastoral do Povo de Rua, as ações são urgentes, já que a cada atualização de dados é constatado um novo aumento no número de moradores de rua na capital. 

“A prefeitura está em um processo de readequação e reordenamento de toda política. O trabalho intersetorial já está sendo feito, mas até agora só foram tomadas soluções paliativas. É necessário trabalhar também a questão da habitação”, afirma.

Para a coordenadora, a expectativa é de que, no segundo semestre, já haja resultados positivos das ações. “A curto prazo é importante humanizar a situação, começando por colocar banheiros e maleiros em vários pontos da cidade”.

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