Contrariando prognósticos de infertilidade, mulheres se tornam mães

Flávia Ivo
fivo@hojeemdia.com.br
10/05/2017 às 06:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:29

Aos 23 anos, durante uma viagem com a família, a jornalista Lilavati Oliveira, hoje com 35, desmaiou depois de sentir uma dor muito forte na região pélvica. Aquele era o primeiro sinal da endometriose, uma doença silenciosa que acomete entre 10% e 15% das mulheres em idade reprodutiva (13 a 45 anos), de acordo com a Associação Brasileira de Endometriose (Abend), e que pode ter como consequência a infertilidade.

Apesar de novos estudos mostrarem que a enfermidade também pode ser causada por alterações na flora intestinal, a teoria mais utilizada para explicar o problema é a do refluxo menstrual. 

O tecido do endométrio (parede interna do útero) cresce, todos os meses, preparando o órgão para uma possível gravidez. No caso de não ocorrer a fertilização, ele é eliminado em forma de menstruação. 

O refluxo acontece quando o sangue volta para dentro do corpo, atingindo regiões como trompas, ovários, peritônio, bexiga, intestinos e o fundo da vagina, criando um “ambiente inflamatório”, explica o ginecologista Marcos Sampaio, especialista em medicina reprodutiva e membro da Clínica Origen.

“Esse refluxo tem de estar associado a algo mais no sistema imunológico, que não reconhece o tecido endometrial e o trata como algo anômalo”, explica.

Receio

Depois da descoberta da doença, Lilavati passou para a fase do tratamento, com medicamentos de incômodos efeitos colaterais, mas nada comparado ao medo de não poder engravidar. 

“Tive medo porque a maternidade sempre foi meu sonho. Já estava aberta a tratamentos para conseguir”, relembra.

O temor da jornalista é justificado pelo índice de infertilidade entre as mulheres com endometriose, cerca de 30%, conforme a Abend. No entanto, o médico Marcos Sampaio explica que, dependendo do grau de manifestação da doença, a fertilização do óvulo ocorre sem intervenções.

“Endometriose não tem cura, trabalhamos para controlar os sintomas. Há casos em que o meio cirúrgico é necessário para melhorar a qualidade de vida da paciente”Inês KaterinaDiretora da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig)

“No caso de uma endometriose grau leve, se houver dificuldade para engravidar, pode ser realizada uma estimulação à ovulação. Já para as situações moderadas e graves, o ideal é a fertilização in vitro”, observa.

Apesar disso, a especialista em reprodução humana e fertilidade Inês Katerina, diretora da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), esclarece que a gravidade da doença não está diretamente relacionada com a intensidade dos sintomas. 

“Os mais importantes são cólica intensa e progressiva (dentro ou fora do período menstrual), dor na relação sexual e para evacuar. Mas há mulheres que não têm dor alguma”, afirma.

Dádiva

Por nove anos, o tratamento para a jornalista foi tomar a pílula anticoncepcional ininterruptamente, para evitar que ela desenvolvesse mensalmente o tecido do endométrio. Quando se casou, em 2013, logo interrompeu o uso da medicação para, finalmente, tentar realizar o sonho.

“Em 2015, descobri que estava grávida da Lis. Engravidei sem nenhum tratamento. Não precisou, graças a Deus. Fui abençoada com a Lis e penso logo em ter mais um bebê”, conta, esperançosa.Flávio Tavares / N/A

“Tive medo de não conseguir engravidar, mas fui abençoada com a Lis”, afirma Lilavati Oliveira

 sou muito mais completa’ 

A técnica em imagem pessoal Thalita Sampaio, de 35 anos, foi mãe pela primeira vez aos 21, quando teve Lara, hoje com 14. “Foi uma gravidez traumática”, nas palavras dela. No sétimo mês de gestação, ela contraiu citomegalovírus e a filha nasceu com paralisia cerebral. Um desafio diário para ela e a família.

No entanto, o trauma vivido não afastou de Thalita a imensa vontade de ter mais filhos. Em 2010, ela descobriu que estava grávida novamente, porém, mais uma experiência difícil estava por vir. 

Com dois meses de gestação, ela começou a sentir cólicas muito fortes, “insuportáveis como as contrações do parto”, descreve. “Em um dado momento, fui ao banheiro e já estava com hemorragia”, conta.

No hospital, perguntou ao médico se estava tudo bem com o bebê e ouviu: “Ele já se foi, agora precisamos tratar de você”. Thalita havia tido uma gravidez ectópica ou tubária, como é mais conhecida.

“O embrião se implanta em uma trompa que está doente. É uma condição assintomática, geralmente as mulheres não sabem previamente que têm um problema no local”, explica a ginecologista Inês Katetina, diretora da Sogimig.

“A chegada do Cauã representou para mim a certeza de que sou capaz de gerar uma criança saudável. Depois de ter um citomegalovírus e uma gravidez tubária, cheguei a me questionar se eu tinha essa capacidade” Thalita SampaioTécnica em Imagem Pessoal

Naturalmente

Na ocasião do aborto, a trompa de Thalita se rompeu e teve de ser removida por meio de uma cirurgia cesárea. “Como se eu tivesse tido um bebê”, relembra.

Depois do procedimento, a notícia dos médicos é de que seria muito difícil uma outra gravidez. Apesar disso, ela se manteve serena, conformou-se em não poder mais ter filhos naturalmente e começou até a cogitar uma adoção. 

Oito meses depois do episódio, uma surpresa maravilhosa encheu de alegria a casa de Thalita, Lara e do marido Vinícius: a chegada de mais um membro para a família.

“A chegada do Cauã me trouxe paz e mais amor ainda para minha vida. Foi uma oportunidade de entender o quanto sou capaz de gerar uma criança saudável, inteligente e amorosa como é meu filho. Tive dúvidas quanto a isso em vários momentos da minha vida”, revela. 

Além Disso

Uma recente pesquisa da USP mostrou os efeitos da endometriose na vida das mulheres. De acordo com o estudo realizado no doutorado da ginecologista Flávia Fairbanks, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, pacientes com endometriose têm mais que o dobro de disfunções sexuais (desejo, excitação, dor na relação e orgasmo/satisfação) em relação à população sem a doença. 

Foram avaliadas 583 mulheres entre 2013 e 2015, sendo 254 com endometriose e 329, sem. Na avaliação geral, 43,3% das pacientes com a doença apresentaram disfunções sexuais, enquanto que na população sem endometriose, as disfunções ocorreram em 17,6%. 

Estima-se que 10% da população feminina apresentem essa doença e, quando são estudadas populações específicas de mulheres com dor pélvica ou infertilidade, a prevalência pode atingir até 47% dos casos.

Os sintomas mais presentes da endometriose são representados por dor e infertilidade e relacionam-se diretamente com prejuízos na atividade sexual, mas aspectos específicos da função sexual dessas mulheres permanecem obscuros, o que motivou a realização deste estudo.

As principais causas são o refluxo menstrual, associado a causas genéticas (o risco é maior entre parentes de primeiro grau), ambientais (exposição a ambientes poluídos com resíduos de monóxido de carbono como as dioxinas) e imunológicas (o organismo não reconhece, adequadamente, esse tecido fora de lugar e não faz uma “faxina” adequada todos os meses, que serviria para remover esse tecido e evitar a doença).

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