Cotidiano em Paracatu de Baixo foi interrompido de repente em 5 de novembro

Letícia Alves - Hoje em Dia
05/12/2015 às 07:37.
Atualizado em 17/11/2021 às 03:13

PARACATU DE BAIXO – A lama no pequeno distrito de Paracatu de Baixo, a 39 quilômetros de Mariana, baixou, mas a vida dos moradores nunca mais será a mesma. Um mês após a tragédia, é possível andar pelas ruas e ver o que restou do vilarejo. Uma bola no meio da quadra, um troféu no campo de futebol e instrumentos ainda embalados na escola emergem sobre os rejeitos de minério e revelam como a vida da comunidade foi abruptamente interrompida no dia 5 de novembro.

Apesar de ficar a mais de 60 quilômetros de Bento Rodrigues, a lama da barragem de Fundão invadiu o rio Gualaxo e destruiu 90% do distrito. A sorte dos moradores foi a chegada de um alerta, à tarde, por meio de um helicóptero. À noite, algumas horas após a evacuação, os rejeitos destruíram mais de cem casas.

Só muitas semanas depois é que a Samarco, responsável pela barragem, instalou o alarme sonoro. É o equipamento que, agora, se destaca em meio aos destroços de Paracatu de Baixo.

Lembranças

O campo e a quadra de futebol eram os espaços prediletos dos moradores da localidade aos finais de semana, segundo o ajudante de pedreiro Edinaldo José da Silva, de 32 anos, nascido e criado no distrito. Próximo a esses locais, a igreja era um conhecido ponto de encontro, principalmente dos mais velhos. A estrutura foi uma das poucas que ficaram de pé, juntamente com a escola de ensino fundamental e outra de educação infantil, que funcionava há apenas um mês.

Edinaldo ainda se lembra quando fixou as grades coloridas nas janelas da edificação. “Acabou a área de lazer. Acabou tudo. Isso aqui era uma praça muito grande”, afirmou.

Em cima da lama seca sobre a antiga praça da comunidade, Edinaldo é só saudade. Perto dali, ele aponta uma blusa do São Paulo, um colchão e um quadro da Santa Ceia que seriam de primos, tios e amigos.

Apesar dos riscos

Cerca de dez casas, localizadas no alto do distrito, resistiram à tragédia. Entre os imóveis está a residência de Edinaldo. Caminhando pelo local é possível encontrar moradores que se recusaram a sair dos lares.

Segundo o Ministério Público Estadual (MPE), cerca de 90 pessoas continuam nas comunidades afetadas pela lama da barragem rompida. As famílias já foram notificadas pelo órgão e assinaram um termo sobre o risco que correm.

Apesar disso, Edinaldo, que está hospedado em um único quarto com a esposa e duas filhas na Pousada Minas Gerais, em Mariana, espera passar o Natal em casa. Lá, ele plantou mandioca, acerola, jabuticaba, melancia e mantém uma criação de galinhas.

Sobre a reconstrução de Paracatu de Baixo na parte alta do distrito, perto das casas que resistiram ao desastre, Edinaldo é enfático. “Queremos construir aqui pra cima. O nosso lugar é aqui, e não queremos sair”.

Moradores ainda esperam criar os filhos em Bento Rodrigues

O sonho era criar a filha em Bento Rodrigues, distrito onde nasceu e cresceu. Mas o rompimento da barragem de Fundão obrigou Jozimara Conceição Souza, de 15 anos, a mudar os planos. A tragédia aconteceu em um momento de festa: quando colegas realizavam o chá de bebê da estudante na escola do distrito.

Carregando no colo a pequena Sthefany, de apenas oito dias, Jozimara ainda não sabe o que será do futuro. A criança nasceu em Mariana e chegou a ficar quatro dias em um quarto de hotel, com a mãe e os avós. Depois de o Ministério Público intermediar, eles se mudaram há seis dias, às pressas, para uma casa alugada pela Samarco. Agora, tentam colocar as coisas no lugar.

Assim como Jozimara, 115 famílias de áreas atingidas pelo desastre foram realocadas em casas alugadas em Mariana. A maior parte, porém, continua em hotéis – algumas morando em um mesmo quarto de poucos metros quadrados. Antes, elas tinham quintais com árvores frutíferas e desfrutavam da alegria de viver perto de familiares e amigos.

“Nasci e cresci lá. Queria que ela também pudesse viver em Bento”, disse Jozimara, em meio às recordações dos encontros com as amigas para estudar e jogar futebol. No distrito, o quarto de Sthefany estava montado do jeito que a estudante planejou.

 

 

Para a avó da pequena, Maria de Lourdes do Carmo Souza, de 49 anos, a neta é “a esperança” que renasce. “Meu sonho é que a gente reconstrua Bento e que todo mundo volte a viver perto um do outro”.

Esse também é o desejo de Elisângela Aparecida Messias, de 35 anos. À espera de Heitor, ela teme que o filho passe os primeiros dias em um quarto do Hotel Providência, onde está hospedada com o marido desde a destruição da casa em Bento Rodrigues. “Tinha tudo lá. O quarto do bebê estava pronto”. A expectativa da mulher é a de se mudar para uma casa alugada perto da mãe, que era vizinha dela no distrito.

Distância

Há uma semana em um imóvel alugado no bairro Morada do Sol, o casal Solimaria Madeira dos Santos de 17 anos, e Geziel Júnior Mariano da Silva, de 20, lamentam não poder criar o filho João Lucas, de nove meses, perto dos avôs.

A nova casa no distrito estava perto de ser finalizada, mas foi destruída pela lama. Os avós estão em um hotel, mas antes todos moravam juntos. “Sinto falta de todo mundo. Estávamos morando na casa do meu pai, perto da minha avó. Éramos muito unidos”, disse Geziel, que trabalhava em uma empresa terceirizada da Samarco.

ALÉM DISSO

Enquanto alguns moradores de Bento Rodrigues voltavam às casas para resgatar documentos e pertences, o garimpeiro João Leôncio Martins, de 63 anos, procurava o amigo Fred, um dos quatro cães de estimação dele. Assobiando entre os destroços, ele acredita que o fiel escudeiro corra para o tão esperado reencontro. “Ele é companheiro. É a mesma coisa de uma pessoa. Gosto muito dele”. Na tentativa de encontrar o cão, João já foi quatro vezes ao distrito procurá-lo.

O garimpeiro relembra que todo dia de manhã saía com os quatro cachorros para procurar tesouros escondidos no rio Gualaxo. Na hora em que a lama invadiu a comunidade, ele viu a cachorra Leite voltando para casa e, por isso, acredita que tenha perdido outra amiga para a tragédia. Outros dois cães, o Malhado e o Teimoso, estão na casa da filha em Santa Rita, mas já fugiram diversas vezes para Bento Rodrigues na esperança de rever o lar. O garimpeiro espera sair do quarto de hotel onde está hospedado para uma casa com quintal, onde possa viver com a família e os animais de estimação.
 

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