De origem indígena, ritual de xamanismo atrai pessoas de todas as crenças ao Santa Lúcia

Aline Louise - Hoje em Dia
04/01/2016 às 07:58.
Atualizado em 16/11/2021 às 00:52
 (Luiz Costa)

(Luiz Costa)

“Aho Metakyase (Por todas as nossas relações)”! “Aguydjebvetê (Leveza)”! Urpillay Soncollay (Alegria do coração)”! Repetindo como um mantra essas expressões de origem indígena, de povos do México, Peru e do Brasil, o xamã Ká Ribas abre o ritual de Temaskal, conduzido por ele na Casa Colibri, no bairro Santa Lúcia, região Centro-Sul da capital.
 
A reportagem do Hoje em Dia participou da celebração de 12 de dezembro, um sábado, dia de Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira do México e da América Latina. “É uma cerimônia de renovação e purificação, onde limpamos não só o corpo físico, mas também o corpo emocional, o mental e o espiritual”, explica Ká.
 
Ele é historiador, especialista em história da América Latina. O Temaskal é um ritual de xamanismo, uma prática religiosa milenar que considera a natureza a própria manifestação da divindade e, por isso, sagrada. Na Casa Colibri, além de Ká e a esposa dele, Dani Cuccia, que o auxilia, mais 13 pessoas chegam para o ritual. De
diferentes idades, religiões e profissões.
 
Muitos, como o dentista Breno Augusto, participavam pela primeira vez. “Meu objetivo é atingir um nível de consciência maior. Estou em busca de uma convivência mais tranquila, menos atribulada”, diz.
 
Elementos
 
Na cerimônia, uma tenda simboliza a “mãe terra”, como ressalta Ká. Ela fica em frente a uma fogueira, que representa o sol. Nesta fogueira são aquecidas pedras, consideradas pelos povos antigos elementos portadores de registros e memórias.
 
“As pedras são as sementes do sol. Da mesma forma que há uma relação entre homem e mulher para gerar a vida, há a relação entre o sol e a terra, a fogueira e a tenda, onde os participantes são gestados. A tenda reproduz o ambiente do útero. Quando as pedras estão quentes, elas são levadas para a tenda, como se fosse o sol fecundando a terra”, explica Ká.
 
Durante a cerimônia, o xamã é responsável por conduzir os cânticos e orações, jogar água nas pedras, que evaporam formando uma espécie de sauna, além de zelar pelo bem-estar das pessoas.
 
Para isso, ele se preparou por quatro anos em tradições indígenas no México e no Sul do Brasil. Nesta “busca de visão”, ficou longos períodos em jejum no alto de uma montanha. “No primeiro ano, são quatro dias de jejum, sete dias no segundo ano, nove no terceiro e 13 no quarto. A cada quatro dias recebia um pouco de água e frutas”, diz.
 
“Você fica isolado do mundo, não tem nenhuma distração, tem que lidar com seus medos, frio, fome e controlar. Tudo está na sua mente”, acrescenta o xamã.
 
“Todas as tradições xamânicas do mundo têm os mesmos fundamentos: o respeito aos mais velhos, à mãe terra, a humildade e a importância de servir” - Ká Ribas historiador e xamã

Participantes oram e pedem intervenção do ‘grande espírito’

No Temaskal de 12 de dezembro, o propósito maior foi a preparação para o solstício de verão, em 22 do mesmo mês, e purificação das águas. Mas cada participante leva seu propósito individual, para orar e pedir intervenção do “grande espírito”, “grande mistério”, diferentes expressões xamãs para Deus.
 
“A gente deixa no Temaskal as angústias, medos, tudo que a gente quer que morra, para renascer”, reforça o xamã Ká Ribas. Todos os participantes receberam instruções antes de entrar na tenda, por volta de 18h30.
 
É preciso usar roupas leves. As mulheres, vestidos ou cangas para cobrir o corpo. As pessoas são “defumadas”, fazendo uma saudação ao “grande espírito” na porta, colocando a testa no chão e se posicionando no espaço pequeno, totalmente fechado.
 
A cerimônia se desenrola em quatro ciclos, chamados de portas (representando os quatro elementos – terra, ar, fogo e água – e as quatro direções – norte, sul, leste e oeste). Ao final de cada ciclo, a porta da tenda é aberta para entrada de mais pedras quentes. São os únicos momentos em que o ar  circula no lugar, que se transforma numa sauna, muito quente, totalmente escuro  e desconfortável.

Sensações
 
Todas essas sensações fazem parte do processo de purificação, diz Ká. Na crença, superar o mal-estar torna-se um desafio, um teste de resistência que leva à renovação. Dentro da tenda, as pessoas são embaladas pelo som de um tambor, chocalho e cânticos indígenas, e orientadas a fazer orações.
 
Terapeuta e instrutora de Ioga, Dani entoa em voz suave as canções e adiciona ervas medicinais sobre as pedras. Cada uma exala um aroma e tem diferentes funções, como “dar coragem, acalmar, além da purificação e elevação do espírito”.
 
No terceiro ciclo, o calor é quase insuportável, com sensação de formigamento nas pernas e braços. A respiração fica ofegante e o coração palpita. A mente trabalha de forma alucinante. Dani orienta a respirar calmamente e desacelerar o pensamento.
 
Ao conseguir relaxar a cabeça, o corpo se adapta melhor ao ambiente. A sensação de autocontrole é muito boa. Dentro da tenda, além do encontro consigo mesmo, sem interferências externas, é possível interagir com os outros participantes. Todos são incentivados, individualmente, a falar os nomes, os dos pais e dos avós, honrando a ancestralidade, além de dizer o propósito.
 
O ritual acaba por volta das 22h. As roupas e cabelos estão completamente molhados. Para finalizar a cerimônia, somos posicionados ao redor da fogueira e todos se abraçam, os semblantes são de alegria e leveza. Antes de irmos embora, compartilhamos uma ceia com frutas. A sensação é de superação e energias renovadas.

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