Depressão: falar abertamente sobre a doença é caminho para reduzir o preconceito

Flávia Ivo
fivo@hojeemdia.com.br
10/04/2017 às 06:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:03

Lucas Prates / N/A

“A oscilação de humor diária não é depressão, é o ciclo normal da vida. Todos temos alegrias e tristezas”, ressalta o médico psiquiatra Roberto Lúcio Vieira de Souza

Aos 40 anos, a dentista Maria do Carmo Santos Freitas, hoje com 57, acreditava não ter mais motivos para viver. O então marido dizia com frequência que ela, mãe de seus dois filhos, era a pior mulher do mundo.

“Ele dizia tanto que comecei a admitir ser a pior mãe, esposa, amante, dentista... Só pensava em morrer”, conta. 

“Eu não dormia entre 3h e 5h da manhã e foi só piorando. De madrugada, quando eu acordava, sentia tanta angústia que pedia para o mundo acabar. Então, houve uma situação tensa que foi um gatilho para que o que eu tinha de forças acabasse. Eu só chorava”Isabela SoaresArquiteta, 42 anos

O pensamento de que a vida havia acabado ali, levou Maria do Carmo a tentar suicídio por quatro vezes, três delas com excesso de remédios e a última cortando os próprios pulsos com um estilete.

“Meu cachorrinho me encontrou caída no chão, começou a latir, e acabou acordando minha filha, que me levou para o hospital”, lembra.

A dentista, hoje aposentada, estava em depressão, um transtorno mental frequente no mundo e que pode atingir pessoas de todas as idades, em qualquer etapa da vida. Globalmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 350 milhões sofram com a síndrome. 

Neste mês, comemora-se o Dia Mundial da Saúde e a OMS elegeu a depressão para a campanha de conscientização de 2017. Com o lema “Let’s talk” (“Vamos conversar”, na tradução livre), a iniciativa busca mostrar formas de prevenir e tratar a doença. 

Conforme a OMS, 5,8% dos brasileiros sofrem de depressão, o segundo maior percentual das Américas, atrás apenas dos EUA, com 5,9%.

Conscientização

A resistência que a sociedade tem em falar sobre as doenças mentais e a ignorância sobre o assunto reforçam a importância dessa tentativa de conscientização, afirma o médico psiquiatra Roberto Lúcio Vieira de Souza, diretor-técnico do Hospital Espírita André Luiz.

“Depois da terceira tentativa de suicídio, fui levada a um psiquiatra pelo meu ex-marido e meus filhos. O médico recomendou choque elétrico e internação para fazer sonoterapia. Fiquei internada por mais de mês. Tomei tantos remédios que nem me lembro mais”Maria do Carmo Santos FreitasDentista aposentada, 57 anos

“A nossa cultura tem uma visão de que só é doença aquilo que é visível. Uma ferida ou uma mudança brusca na aparência, por exemplo. Os deprimidos acabam ouvindo que não têm vergonha na cara ou que lhes falta o que fazer ou até mesmo fé”, observa o psiquiatra.

Sintomas

A mudança do aspecto exterior foi o que mostrou aos conhecidos do servidor público Guilherme Neves, de 44 anos, que ele havia superado a depressão.

“Não tinha motivação pela vida e buscava auxílio na comida. Cheguei aos 152 quilos. A expectativa por um recomeço me reequilibrou e já eliminei mais de 50 quilos até agora. Resgatei minha verdadeira identidade”, afirma.

A oscilação do apetite, menor ou maior, é um dos sintomas mais comuns enfrentados por aqueles que sofrem de depressão, explica o psiquiatra Marco Túlio de Aquino, integrante do Comitê de Especialidades da Unimed-BH.

“As mulheres são mais acometidas pela depressão do que os homens. Seja por fatores hormonais, por uma maior pressão da vida, já que elas têm a preocupação com o lar, com os filhos... Além disso, expressam melhor os sentimentos do que eles”Marco Túlio de AquinoMédico psiquiatra

“Os sintomas variam de intensidade de indivíduo para indivíduo. Quando há o aumento do apetite, a depressão vem associada à ansiedade”, destaca.

Recusa

A negação dos sintomas é uma das situações mais comuns entre os deprimidos. É o caso da arquiteta Isabela Soares, de 42 anos.

“Eu já estava com depressão há bastante tempo, mas é difícil assumir o problema. Fui empurrando”, recorda.

Na semana passada, Isabela foi liberada dos remédios pelo psiquiatra. Hoje, percebe claramente como se sentia há dez meses, quando iniciou o tratamento. “Estava totalmente apática, sou uma pessoa muito dinâmica e otimista e tinha virado o oposto”.

Diferente da tristeza ocasional, a depressão é um distúrbio crônico em que a alteração do humor é uma das características mais presentes, como aconteceu com a bancária aposentada e designer, Regina Lúcia Metzker, de 64 anos. 

“Foram vários antidepressivos e em ‘toneladas’. Comecei a não sair da cama, não cuidar da minha saúde, tampouco da aparência. Mas, em momento algum pensei em suicídio, sempre amei a vida”Regina Lúcia MetzkerBancária aposentada, 64 anos

“Quando me separei do meu segundo marido, entrei em estado de euforia, parei de chorar e achei que estava tudo resolvido. Mas logo comecei a sentir uma tristeza profunda, tudo parecia escuro, um poço profundo”. 

Terapia e medicação são tratamentos eficazes para o transtorno

A projeção da OMS é a de que 50% das pessoas ao redor do mundo com o transtorno nem cheguem a receber tratamento. No entanto, ele existe e deve ser feito assim que ocorre a percepção dos sintomas.

“Procurar um profissional especializado é o primeiro passo para clarear a causa desses sintomas. É possível haver um quadro orgânico por trás da depressão, como uma outra doença que possa ter desencadeado o transtorno”, esclarece o psiquiatra Roberto Lúcio Vieira de Souza.

“A oscilação de humor diária não é depressão. Todos nós temos momentos de tristeza e alegria. Mas, a tristeza na depressão tem um tempo mais prolongado. Além disso, é importante dizer que, apesar de estar triste ser uma característica comum à maioria dos que sofrem com o transtorno, há pessoas que estão deprimidas e não se sentem tristes. Nestes, os principais sintomas são a apatia, a falta de ânimo e de força para executar atividades simples do dia a dia. Uma dona de casa, por exemplo, não conseguirá pensar nos pratos que irá fazer para o almoço”Roberto Lúcio Vieira de SouzaMédico psiquiatra

Gatilho

Perdas e frustrações também podem ser gatilhos para um quadro depressivo se instalar, como aconteceu na vida da jornalista Verônica Cruz, de 34 anos.

“Não tinha condições financeiras para concluir a faculdade no tempo certo. Para um curso de quatro anos, acabei demorando nove para formar. Sentia que meus sonhos estavam ficando para trás”, relembra.

“Então, comecei a me automedicar com remédios que via outras pessoas tomarem. Só depois procurei um psiquiatra e comecei o tratamento”, diz.

Dependendo do grau da depressão, é possível que o processo psicoterápico seja suficiente, relata o médico Marco Túlio de Aquino.

“Em casos mais leves, não é necessária a medicação. No entanto, para os mais graves, a associação das estratégias – fármacos e psicoterapia – apresenta melhores resultados do que só os remédios”, explica.

Esperança

A bancária aposentada Regina Lúcia Metzker não está em depressão mais, no entanto, mantém visitas de 15 em 15 dias ao psicanalista.

“Hoje não sei como passei este tempo da minha vida, parece que sonhei. Sonho não, pesadelo. Estou feliz e amando a vida do mesmo jeito de antes”, expõe.

“As pessoas não enxergam o transtorno como uma doença. A gente acaba sofrendo sozinho, fica prostrado, desamparado”Verônica CruzJornalista, 34 anos

A dentista Maria do Carmo Santos Freitas recorda do tempo em que viveu a depressão com a certeza de que tudo já passou.

“Espero que mostrar essa história sirva de ajuda para outras pessoas que enfrentam essa doença, que tanta gente acredita não existir”, coloca.

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