Desconfiança sobre qualidade da água muda rotina em Valadares

Ana Lúcia Gonçalves - Hoje em Dia
06/12/2015 às 07:55.
Atualizado em 17/11/2021 às 03:13
 (Leonardo Morais / Hoje em Dia )

(Leonardo Morais / Hoje em Dia )

GOVERNADOR VALADARES – Embora uma das frases mais usadas seja “legado para o futuro”, o desastre ambiental que exterminou a vida no rio Doce e agravou uma crise hídrica sem precedentes alterou o “presente” dos moradores de Governador Valadares.
Além dos prejuízos ambientais, sociais e econômicos, a tragédia marcou a vida dos valadarenses. A busca por água limpa virou necessidade básica, exigiu estrutura de guerra e foi motivo de prisões.

Um mês após a tragédia, os que tiram o sustento do rio repensam o futuro. “Sabemos que o rio está morto e não temos expectativa de melhoria nem a longo prazo”, diz Rodolfo Zulske, presidente da colônia de pescadores Z-19, que reúne 500 profissionais.

Ele lamenta o sumiço de espécies como o piau-vermelho e o cascudo, dizimados pela lama. “Na verdade, nosso rio vai continuar morto por cem anos”.

DESVALORIZAÇÃO
A administradora Rochelli Goulart Ramos, de 34 anos, chegou a abandonar a cidade por causa da falta de água e se instalou temporariamente na casa de parentes, em Teófilo Otoni. De volta ao lar na Ilha dos Araújos, não consegue colocar a vida em ordem.

Os pais dela pensam em se mudar de vez, mas, como o preço dos imóveis caiu, fica difícil negociar. “A água que sai da torneira tem cheiro e gosto ruins e está amarela. Tive coceira na pele e o meu cabelo está péssimo. Não temos condições de comprar água para tomar banho, apenas para beber e cozinhar, o que é um alento. Quem não tem enfrenta filas enormes”, diz Rochelli.

 POLUIÇÃO - Presidente de colônia de pescadores, Rodolfo Zulske chora a morte do rio Doce

Os reflexos da contaminação do rio Doce e interrupção do abastecimento são sentidos em diversos setores, como no comércio, que registra queda de 70% nas vendas, e nos bares, hotéis e restaurantes, onde os prejuízos chegam a 100%.

O Hotel Panorama, por exemplo, concedeu férias coletivas e fechou as portas por uma semana, dias após o rompimento da barragem. Embora tenha reaberto uma semana depois, ainda opera com 30% da capacidade.

“Fechamos porque não havia perspectiva e as previsões eram sombrias. Mas o abastecimento foi retomado logo. O problema é que os clientes ainda desconfiam da qualidade da água que sai das torneiras e evitam a cidade”, conta o proprietário, Marcelo Moura Neto, que calcula prejuízos acima de R$ 70 mil.

PROVA -  Para mostrar aos clientes que água usada no restaurante é de mina, dono instalou caixa d'água

No ápice da crise hídrica, contratar um caminhão-pipa com 8 mil litros custava R$ 1.500, quase o dobro dos dias normais, e o hotel precisaria de no mínimo dois por dia. A polícia até que tentou coibir os abusos na elevação dos preços, especialmente na venda da água mineral, mas apenas um flagrante com prisão foi feito.

No Hotel Realminas, o prejuízo superou 25%, e só não foi maior porque o estabelecimento recebeu hóspedes recusados de outros hotéis. O gerente Bernardo Matoso calcula ter gastado, a cada quatro dias, R$ 10 mil com logística para obter água. “Tivemos de alugar caminhões-pipa, bombas e comprar caixa d’água”, explica, contando que a água voltou em uma semana, mas a desconfiança afasta turistas de negócios da cidade.

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