Desemprego e endividamento, aliados a problemas pessoais, levaram muitos a buscar abrigo nas ruas

Raul Mariano
rmariano@hojeemdia.com.br
14/02/2017 às 19:36.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:56

As histórias de vida de quem faz das ruas de Belo Horizonte a própria moradia são diferentes, mas muitas delas têm como agravante a piora da crise econômica nos últimos dois anos. São pessoas que, na maioria dos casos, já viviam relações conflituosas com as famílias e eram alcoólatras ou dependentes químicos, mas que após o aumento do desemprego, da perda de renda e do endividamento, foram levadas a buscar abrigo sob as marquises da capital.

É o caso de Ismael Assis, ajudante de caminhão, que está sem trabalho desde agosto de 2015. Aos 36 anos, ele lamenta a escassez de oportunidades de emprego e conta que, na rua, só consegue jantar quando encontra grupos religiosos fazendo caridade.

Hoje, Belo Horizonte tem cerca de 770 vagas disponíveis em abrigos para moradores de rua

Lucas Prates / N/A“Eu e meu irmão viemos de São Sebastião do Maranhão (Vale do Rio Doce). O combinado era encontrar um conhecido que nos prometeu emprego. Quando chegamos, ele sumiu” (Ronilson Silva, 25 anos, pintor de acabamentos)

Na fila do Albergue Tia Branca, na região Leste de BH, Ismael aguarda por uma das 320 vagas para pernoite oferecidas à população de rua. “Passo o dia caminhando ou descansando no Parque Municipal. Às vezes vou ao telecentro mexer um pouco no computador. Almoço no restaurante popular porque temos aquela fichinha para comer de graça. O pior são os feriados prolongados, quando está tudo fechado na cidade e acabamos ficando com fome”, relata.

A fome também é o que mais marcou os gêmeos Ronei e Ronilson Silva. Em Belo Horizonte há pouco mais de um mês, eles saíram de São Sebastião do Maranhão, no Vale do Rio Doce, na expectativa de conseguirem trabalho na construção civil na capital. Lucas Prates / N/A“Desde que chegamos a BH passamos por tudo quanto é tipo de dificuldade. Somos MCs também, mas mesmo assim não conseguimos apoio para esse trabalho artístico” (Ronei Silva, 25 anos, pintor de acabamentos)

“Viemos convidados por um conhecido que nos prometeu emprego. Mas quando chegamos, ele desapareceu e ficamos sem ter para onde ir. Perdemos nossos documentos e já passamos muito frio e muita fome nesses últimos dias”, explica Ronilson. 

Piora

Com o cenário de recessão econômica e o fechamento de pelo menos 41 mil vagas de emprego em BH no acumulado do ano passado, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), a situação se torna ainda mais preocupante.Lucas Prates / N/A“Não consigo arranjar trabalho porque tenho um problema sério no pé. Por causa disso, nunca pude andar de tênis. Então, é ainda mais complicado ser fichado por alguma empresa, e vivo lavando carros para me manter” (Cleber Santos, 35 anos, lavador de carros)

cerca de 3 mil moradores de rua

Historiadora e professora da UFMG, Regina Helena Alves explica que as próprias políticas sociais estão em crise no país, e resolver essa questão será uma das grandes demandas da Prefeitura de Belo Horizonte nos próximos anos. “Hoje, demora-se muito para a integração das políticas sociais acontecer depois de eleições municipais. Essa é uma das urgências dessa gestão”.

Desafios

A secretária municipal de Políticas Sociais de BH, Maíra Colares, explica que uma das principais metas para o poder público é mediar os conflitos entre a população de rua e as pessoas que moram e trabalham no mesmo espaço urbano. Lucas Prates / N/A“Passo o dia no telecentro, mexendo no computador, ou descansando no Parque Municipal. Almoço no restaurante popular, mas nos feriados prolongados fica muito difícil porque tudo fecha por vários dias” (Ismael Assis, 36 anos, ajudante de caminhão)

118 mil vagas de emprego foram fechadas em 2016, segundo dados do Caged; construção civil foi o setor que mais teve perdas, com 35 mil postos de trabalho fechados

“Há uma grande dificuldade de garantir uma convivência entre comerciantes, trabalhadores e os moradores de rua. O poder público não tem, nem legalmente, a possibilidade de obrigar alguém a sair da rua. Nossa obrigação é garantir dignidade a essas pessoas e criar uma cidade de convivência”, explica a secretária.

Outro desafio para PBH é melhorar o atendimento nos abrigos e padronizar os serviços prestados à população sem teto. Hoje, não há como garantir que todo serviço oferecido pelo município seja feito de forma humanizada. 

A população sem abrigo na capital já é 70% maior na comparação com 2014, quando foi realizado o último censo

Lucas Prates / N/A“Já tive uma lan house no Rio de Janeiro e também atuei na área de telecomunicações em Belo Horizonte. Mas sou viciado em crack há 18 anos e luto contra esse vício para seguir em frente. Tenho família em BH, mas minha situação me levou para a rua” (Noé Messias Cardoso, 40 anos, técnico em eletrônica)

“Se chegarmos à conclusão de que é preciso aumentar vagas de abrigo, iremos aumentar. Mas podemos apostar mais na melhoria dos serviços que já são oferecidos. Vamos fazer um estudo de toda a situação para traçar as ações. Isso deve acontecer ainda no primeiro semestre”, completa Maíra.

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