Dezesseis gritos de socorro por dia na folia de BH: ao menos 80 mulheres denunciam violência

Tatiana Lagôa
tlagoa@hojeemdia.com.br
15/02/2018 às 20:39.
Atualizado em 03/11/2021 às 01:23
 (Flávio Tavares / arquivo Hoje em Dia)

(Flávio Tavares / arquivo Hoje em Dia)

No Carnaval do “Não é Não” nem todos os homens assimilaram a frase tatuada na pele de várias foliãs pedindo respeito. Do último sábado até quarta-feira, pelo menos 80 mulheres foram parar na delegacia denunciando violências como como assédio, tentativa de estupro, agressão e abusos domésticos em BH. Os casos correspondem a 16 relatos por dia durante a festa de Momo na capital.

Dados da Polícia Civil apontam, ainda, quatro prisões em flagrante, quatro conduções e um pagamento de fiança na Delegacia Especializada de Combate à Violência Sexual da capital. Titular da unidade, a delegada Camila Miller diz que os números poderiam ser ainda maiores se não houvesse tanta subnotificação. 

Constrangidas ou descrentes quanto à punição do abusador, as vítimas não levam o crime ao conhecimento das forças de segurança. Para o chefe da Sala de Imprensa da Polícia Militar (PM), major Flávio Santiago, não denunciar é um erro histórico que precisa ser corrigido. Ele afirma que o assédio deve ser combatido. “Isso vai inibir novas agressões”.

Segundo a delegada Camila Miller, não existe um alvo específico para esse tipo de agressão sexual. “Basta ser mulher. É um crime de ocasião. Não importa se a vítima é branca, negra, pobre ou rica. Qualquer uma pode ser vítima de algo assim”.

No Carnaval deste ano, o mais comum foi a importunação ofensiva ao pudor, caracterizada pela tentativa de contato físico sem autorização. Foi o caso vivido por uma repórter do Hoje em Dia (veja relato ao lado). Já o assédio, embora seja uma expressão usada de forma ampla na linguagem popular, só acontece juridicamente quando há relação de subordinação entre as partes, ou seja, em ambiente profissional.

Criminalidade

Apesar do número de mulheres que precisaram dar o grito para se esquivar dos agressores, balanço da PM mostra que o Carnaval em Minas foi menos violento se comparado ao evento do ano passado. 

Os furtos, principalmente os de celulares, caíram 30% de 2017 para 2018, passando de 1.030 para 1.470. Já os crimes violentos, como roubos, homicídios tentados e consumados, extorsões mediante sequestro e cárcere privado reduziram 31%, saindo de 715 ocorrências para 493 no mesmo período. Policiamento em pontos estratégicos e atuação do início ao fim da festa contribuíram para a queda das estatísticas, afirma o major Santiago. 

O governador Fernando Pimentel também destacou a atitude positiva dos foliões. “Em um momento de tanta intranquilidade social, tanto sofrimento, Minas Gerais mostrou que é possível ter um intervalo de alegria”, disse. Ele lembrou que, no interior, os crimes violentos caíram 37%, passando de 2.071 para 1.306.

NA PRÓPRIA PELE Terça-feira de Carnaval, último dia da folia na capital. Tinha ido ao bloco Magnólia, no Caiçara, quando fui ao banheiro com minhas amigas. Lá, um homem me segurou pelo braço, enfiou a outra mão dentro da minha blusa, tocou meus seios e disse "você é linda". Eu o xinguei, pedi que saísse.Sentei do outro lado da calçada para esperar minhas amigas e ele, que já estava longe, começou a andar em minha direção. Gritei bastante, me senti violada e desrespeitada. Umas senhoras ofereceram ajuda e chamaram a polícia, enquanto minhas amigas tentavam afastá-lo.Os policiais chegaram rapidamente. O homem foi preso em flagrante e umas policiais incentivaram a prestar queixa. Fiquei muito surpresa, talvez por ingenuidade ou despreparo, quando fui levada no mesmo carro do assediador. Ficamos separados só por uma grade. Ainda assim, minha pele encostava na dele. Estava chorando muito e assustada. A policial que nos acompanhou mandou ele não se aproximar e tentou me acalmar.Chegamos à delegacia, no Barro Preto, e fiquei em uma sala. Enquanto isso, o homem foi levado para a garagem para que a polícia registrasse a versão dele. Esperei por mais de uma hora. A delegada de plantão pediu para esperar mais, pois levariam pelo menos duas horas até que a ocorrência fosse finalizada.Fiquei desolada. Disse que iria embora. Minha amiga insistiu para ficar. A policial que me atendeu também pediu para que não fôssemos embora. Reforçou que nós, mulheres, precisávamos registrar situações de assédio para que os homens não ficassem impunes.Não se passaram nem dez minutos e a policial veio me chamar. O caso foi registrado como 'importunação ofensiva ao pudor'. O homem relatou à polícia que estava embriagado e que havia me elogiado, como se não fosse um assédio.A delegada comentou, inclusive, que suspeitava que já havia visto o homem em pelo menos outras três situações de assédio, mas que nenhuma das vítimas tinha representado contra ele. Marcamos uma audiência para 18 de abril, em que terei que ficar cara a cara com ele novamente. Mas, agora, a ficha policial já conta com um registro.Jornalista pediu anonimato para evitar constrangimento.
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