Diretor da Urbel culpa omissão do poder público por onda de invasões em BH

Renata Galdino - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
05/10/2015 às 06:57.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:56
 (Ricardo Bastos/Hoje em Dia)

(Ricardo Bastos/Hoje em Dia)

Por muitos anos, quando se falava em Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel), logo as pessoas se lembravam das áreas de risco na cidade. Agora, ao completar 32 anos, o órgão ficou bem mais conhecido por causa da explosão de ocupações ilegais na capital mineira.

As invasões, bem como a questão das moradias para pessoas de baixa renda na cidade, são os desafios que o diretor-presidente da Urbel, Genedempsey Bicalho, espera superar à frente da companhia, onde está há três anos. “A desordem urbana é o grande desafio que temos. É evitar o puxadinho, as invasões, a incapacidade do poder público de coibir esses tipos de desvios, que acabam desordenando a cidade”, afirma.

Algo em especial motivou essa explosão de ocupações ilegais em Belo Horizonte?
A omissão dos órgãos públicos, com certeza, contribuiu para esse cenário. O Estado se omitiu, a Justiça não cobrou o cumprimento de sua decisão (na questão de reintegração de posse) e houve interferência de várias instituições que tomaram a luta por moradia. Tudo isso permitiu as ocupações na cidade. A complexidade que hoje temos no Granja Werneck (zona Norte), considerada por nós a mais problemática, porque atrapalha até mesmo um empreendimento social que está previsto para lá, é decorrente dessa omissão. Fico me perguntando: ‘existe lei para quê?’. É muito triste ver o poder público apoiando as ocupações irregulares. A Urbel foi invadida pelo movimento do Isidoro e três promotores de Direitos Humanos deram guarida aos invasores. Eu e mais 200 funcionários sem poder trabalhar durante três dias.

Muitas vezes vocês reclamaram que a própria Polícia Militar (PM) não atuava para retirar os invasores.
A PM se sentia muito incomodada com a ordem para não agir na retomada de posse. Às vezes, na flagrância (início) de uma invasão, a prefeitura queria atuar e demandava apoio policial, que é obrigação do Estado, mas esse respaldo não tínhamos. Acabou que as pessoas começaram a pensar: ‘vamos invadir porque ninguém vai tirar a gente’.

Essa atitude que o senhor classifica como omissa estimulou ainda mais as ocupações irregulares?
Claro, principalmente em áreas públicas. Por exemplo, uma invasão que muito nos preocupa hoje é na região da Várzea da Palma, em Venda Nova. Os invasores estão numa área de obra pública. Conseguimos a liminar na Justiça, mas ela foi cassada quando íamos retirar esses moradores. E a Justiça ainda não decidiu o caso. A obra está contratada e estava sendo executada, mas agora está paralisada por causa da invasão.

Quando há reportagens sobre invasões, ouvimos muitas pessoas brincarem, dizendo que invadir um terreno é o meio mais fácil para conseguir um imóvel.
Parece que é mais vantajoso invadir. Têm o Ministério Público do lado deles, a Defensoria Pública que parece enxergar apenas o lado dos ocupantes, mas não olha quem está necessitado. Eu não vou generalizar os órgãos, mas alguns setores desses órgãos. Há promotorias que se confrontam. Quando a Promotoria de Direitos Humanos é a favor da ocupação, o que a de Meio Ambiente e a de Urbanismo falam? O crime ambiental na região do Isidoro, por exemplo, é uma coisa absurda.

E o que fazer para inibir as invasões na cidade, já que a própria população tem a sensação de que nada é feito nesse sentido?
Percebemos que agora há proposta para não permitir as ocupações. Já se acorda que, no estado de flagrância, as invasões serão retiradas com o apoio da Polícia Militar. Tivemos duas invasões em unidades habitacionais em construção e conseguimos retirar os ocupantes, sem mandado judicial, mas com a ação feita dentro da lei. A PM está agindo. Acabou a festa para invasões e ocupações, e vamos ver se retomamos o caminho do Estado de direito, o caminho do ordenamento urbano da cidade.

A prefeitura estima que quase 40% dos moradores ilegais na região do Isidoro são de outros municípios, em especial Santa Luzia, na Grande BH. A capital acaba prejudicada com a precariedade de políticas públicas em outras cidades?
Precisamos considerar que Belo Horizonte é polo: os melhores serviços públicos, como saúde e educação, estão aqui. Isso normalmente atrai muitas pessoas de outros municípios. Agora estamos abrigando em moradias pessoas de cidades que não têm preocupação com a produção de unidade habitacional com interesse social. No início, a ocupação na Granja Werneck estava restrita no limite de Santa Luzia, mas hoje avançou para aquele município. Percebemos que Santa Luzia tem demanda habitacional, mas o que a cidade faz para atender a essa população? Reclamei, e ainda reclamo, no Ministério Público a falta de uma ação mais incisiva do órgão nesses outros municípios. A alegação de que o colega de Santa Luzia age assim ou assado não cola, porque o colega de Santa Luzia não é o colega pessoa, mas ele encarna o Ministério Público. Por que a Promotoria de Direitos Humanos é tão atuante em BH, favorece tantas ocupações em BH, mas não favorece o atendimento à demanda em Santa Luzia, por exemplo? São questões que precisam de respostas.

A mesa de negociações, instituída pelo governo estadual no primeiro semestre deste ano, propôs reassentar os ocupantes irregulares, que se enquadrarem no perfil de baixa renda, no empreendimento previsto para o Isidoro. Isso não prejudica quem está na fila de espera há mais de 20 anos?
As 17 mil famílias que estão no núcleo organizado em Belo Horizonte, aguardando de forma ordeira e pacífica pela moradia, já estão prejudicadas porque a invasão impediu a construção dos imóveis. Flexibilizamos a proposta, tanto o Estado quanto o município, para resolver o impasse no Isidoro, mas ela foi rejeitada pelos ocupantes. A ideia é a de que os invasores passem por uma sindicância, para ver quem realmente precisa de uma unidade habitacional. Esses receberiam um auxílio-moradia até que o empreendimento fique pronto.

Haverá um final para a invasão na Granja Werneck?
Trabalhamos combatendo a desesperança, acreditando que terá reintegração de posse, que o empreendimento previsto para lá, com mais de 13 mil unidades habitacionais, ficará pronto para atender quem precisa de moradia. O empreendedor garantiu que, liberado o terreno, em 18 meses entrega as primeiras unidades. Mas já vem de um atraso, pois a obra já era para ter sido iniciada no ano passado.

Em relação às áreas de risco, ainda há locais que preocupam a Urbel?
Reduzimos de 3 mil para 600 as áreas de risco na cidade. A única classificada como de risco muito alto é um loteamento irregular na rua Sustenido, no bairro Serra. Conseguimos uma sentença judicial para remover as 69 famílias que lá estão e demolir os imóveis. Porém, a Defensoria Pública entrou com recurso e cassou a liminar, já são vários trâmites judiciais. Nesse período, houve um adensamento porque não há como o poder público entrar lá, somos ameaçados. Já peticionamos à Justiça, por três vezes, apoio policial para evitar novas construções, mas não obtivemos resposta.

O imbróglio nessa rua já dura anos...
O problema é que o caso está na esfera judicial, a Procuradoria do Município está tentando reverter a decisão. Enquanto não se resolve, há um jornal circulando na área estimulando as pessoas a construírem no local, alegando que a construção estabiliza a encosta. Só que lá é uma encosta formada por materiais inservíveis combinados com filito. Para se ter ideia, instalamos dois inclinômetros na rua para medir a alteração da encosta, e já existem sinais de que o maciço está escorregando. O curioso é que uma mulher construiu um barracão onde estão os equipamentos, que agora ficaram no quintal dela. Para técnicos monitorarem os aparelhos, eles precisam pedir autorização para a moradora.

A situação por lá pode piorar?
A sorte é que houve uma grande estiagem, mas a previsão para este ano é de muita chuva. Se vier muita chuva, a encosta na Sustenido fatalmente irá descer. O que estamos fazendo é tentando salvar vidas.

A Urbel completa 32 anos em 2015. Quais os principais desafios para os próximos anos?
Em termos habitacionais, o envelhecimento da população é um dos fatores importantes e que já é estudado. Para 2029, a projeção é que a maioria da população tenha mais de 60 anos. Diante desse fator, seria mais interessante pensar em ceder unidades habitacionais que seriam de propriedade dessas pessoas ou pagar aluguel social? São instrumentos que estão à nossa disposição e já pensamos como iremos fazer. O aluguel social permite que as pessoas idosas tenham moradia e favorece rotatividade para atender aos necessitados.

Vamos zerar o déficit habitacional em Belo Horizonte?
Talvez sim. Mas zerar pela produção habitacional? Talvez não. De repente, podemos ter pessoas voltando para a zona rural ou indo para cidades da região metropolitana, privilegiando as cidades-dormitório. Temos uma previsão mínima do que irá acontecer. Não sabemos quando, mas perseguimos esse objetivo.

Vivemos um período crítico no país, com a crise financeira assolando todo o Brasil, e Belo Horizonte não fica fora desse cenário. A política habitacional será afetada na cidade?
Há uma incerteza com o lançamento do Minha Casa, Minha Vida 3, há incertezas sobre o contingenciamento de recursos. Acreditamos que haverá redução de verba para a produção habitacional. É um desafio. Se navegássemos em águas tranquilas, se tivéssemos a tranquilidade em saber que existem recursos garantidos...
Estamos em um país que não está estabilizado. Você pega os Estados Unidos, que passaram por uma crise econômica, mas se recuperaram. Agora, aqui no Brasil, não estamos vendo isso. Estamos vivendo uma crise e todo o prognóstico que fizermos tem uma possibilidade de alteração muito grande.
 

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por