Dois anos após rompimento de Fundão, vítimas da tragédia tentam refazer a vida

Mariana Durães*
mduraes@hojeemdia.com.br
03/11/2017 às 19:11.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:32
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

MARIANA – Da casa que Marinalva dividia com a família não restaram nem paredes. Jerônimo viu do alto a horta e a criação de animais serem soterrados enquanto se protegia do tsunami de lama. Paula também precisou deixar tudo para trás. Não foi apenas esse caos que o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, região Central do Estado, provocou. As histórias dos moradores também foram destruídas pela tragédia, que completa dois anos amanhã. 

O desastre ambiental que devastou os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo e chegou ao arquipélago de Abrolhos, na Bahia, é o maior já registrado no país. Para quem não conheceu as comunidades antes do rompimento, fica difícil imaginar como eram, já que tudo, hoje, ainda está sob a lama.

O acesso às áreas afetadas é restrito. Os escombros permanecem. Em alguns pontos, o barro é bem firme. Em outros, parece areia movediça. O minério brilha em tom azulado. 

Nos vilarejos, a lama começa a sumir. Não porque foi retirada, mas está sendo tomada pela vegetação. Em Bento, a água dos diques construídos pela Samarco, mineradora responsável pela barragem, engole espaços que antes eram campos de futebol e pequenas fazendas. “Vai ficar só na lembrança. Perdemos tudo e nem os escombros veremos mais, porque vão alagar tudo”, diz Marinalva dos Santos, de 45 anos, que vivia no local. A empresa nega. 

Mais de 300 famílias moravam em Paracatu de Baixo e em Bento. Hoje, o silêncio toma conta das localidades onde era comum crianças brincando e adultos trabalhando.

Centro de Referência da Assistência Social, que tinha média de mil atendimentos por mês, teve aumento de 580%; no Centro Especializado de Assistência Social as demandas foram de 160 para 240 mensais

Adaptação

Em Mariana, as vítimas da tragédia foram morar em bairros diversos. Quem antes dividia o loteamento ou o muro de casa com conhecidos precisa se adaptar à nova vizinhança e cruzar a cidade caso queira encontrar os amigos. Perderam laços e relações diárias.

Paula Geralda Alves, de 36 anos, morava com pais, irmã e o filho João Pedro ao lado de outros parentes. Era amiga dos vizinhos, com quem dividia até a tarefa de buscar os pequenos na escola. “Alguns amigos, agora, só por telefone. Todo dia é de saudade”.

  

Espera eterna

Enquanto se adaptam à nova vida, os atingidos vivem outro drama: a espera pela construção das novas comunidades. “Parece que tem um século que estou aqui e ainda vai demorar muito. Não consigo me acostumar, nunca gostei de cidade. Minha vida é a roça”, conta, gaguejando, o aposentado Jerônimo Batista, de 53 anos, que vivia em Paracatu de Baixo.

O reassentamento sequer começou a sair do papel. O desejo de quem deixou tudo para trás às pressas é ter o próprio lar. “Só quero minha casa de novo, me sentir em casa de verdade”, diz Marinalva. 

A expectativa é a de que os imóveis e os equipamentos públicos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira (em Barra Longa) sejam entregues no primeiro semestre de 2019. Segundo o gerente-executivo dos Programas Socio-econômicos da Fundação Renova, Marcus Fuchs, o trabalho será “intensificado para manter o cronograma previsto”.Flávio TavaresPara Paula Geralda, todo dia é de saudade dos amigos e da vida no distrito

Moradores buscam atendimento médico para superar trauma

A caminho de Bento Rodrigues, Marinalva dos Santos relembra a vida que levava. O aperto no peito causado pela saudade faz com que ela coloque a mão sobre o coração a todo momento. Além da ansiedade, a agricultora começou a ter problemas para dormir desde a tragédia. Só procurou ajuda quando os efeitos psicológicos se agravaram.

“No começo não queria me tratar, mas vi a necessidade. Há uns meses tive crise de ansiedade e parada cardíaca. Comecei a tomar remédio para a pressão”, conta a mulher, que precisa de medicamento para dormir. Marinalva explica que os filhos têm pesadelos e que, às vezes, também precisam usar medicamentos para adormecerem.

“Lá eu não vou, dói meu peito” (Zezinho do Bento, líder comunitário)

Efeitos

Por ser uma população em situação vulnerável, o psicólogo da Coordenação de Saúde Mental de Mariana, Sérgio Rossi, explica que o contexto de sofrimento propicia o adoecimento. “Observamos desde casos de ansiedade e depressão até o uso abusivo de álcool e outros mais graves, como quadros psicóticos”. Segundo ele, são necessários acompanhamento e acolhimento dessas pessoas. 

De acordo com o profissional, os efeitos da tragédia estão relacionados ao passado e ao futuro. “É uma mudança de ambiente, do meio rural para o urbano, mas também a angústia em relação ao reassentamento, à falta de perspectivas e violação de direitos”, explica.

O processo de adaptação não termina com o reassentamento. “Não falamos de reconstruir o que foi. Serão novas comunidades, em locais diferentes, com os quais vão precisar se acostumar de novo. É um processo a longo prazo”, frisa.Flávio TavaresDa casa que Marinalva dos Santos levou seis anos para construir sobrou apenas uma parte da bancada

Para alguns, visitar o local conforta; outros não querem ir

À medida que se aproxima do local da tragédia, Marinalva dos Santos fica mais agitada. A memória da vida que levava em Bento Rodrigues, cercada por amigos e tradições, salva a agricultora de errar o caminho de casa, já que a rua em que morava não existe mais. 

Da casa verde de oito cômodos só restou parte da bancada que separava a sala de jantar da cozinha. “Levei seis anos para construir, fiquei aqui seis meses e em menos de seis minutos não tinha mais nada”, diz, emocionada.

Mesmo com o sofrimento de reencontrar um cenário de destruição, as visitas confortam. Mas alguns moradores preferem evitar o local. Caso do líder comunitário José do Nascimento de Jesus, de 70 anos, o ‘Zezinho do Bento’. “Lá eu não vou, dói meu peito”, diz. A reação é causada pelas lembranças que carrega. 

A percepção de moradores e profissionais de saúde mental é a de que os mais velhos são mais sensíveis. Alguns idosos têm tido bastante dificuldade com a nova vida. “São mais vulneráveis, quase não têm perspectiva de recuperar a história porque acham que não vai dar tempo”, diz o psicólogo da Coordenação de Saúde Mental do município, Sérgio Rossi. 

Para algumas crianças, trauma. “Meu filho, de 6 anos, se assusta muito. O barulho daquele dia, para ele, é o mesmo de um trovão e quando chove já quer sair pedindo socorro”, conta Paula Geralda Alves, de 36 anos. O garoto também está agressivo e revoltado, requerendo cuidados.

*Enviada especial

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