Dois meses de saudade: 1.440 horas após a tragédia, 93 vítimas ainda estão sob a lama

Simon Nascimento
23/03/2019 às 18:33.
Atualizado em 05/09/2021 às 17:56
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Nesta segunda-feira (25), quando os ponteiros dos relógios marcarem 12h28, completam-se 1.440 horas do colapso da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. Um tempo arrastado, mas que dá a medida exata da saudade de quem perdeu amigos e parentes na tragédia. E que anuncia uma dor que vai atravessar a eternidade. 

Com 212 mortos e 93 vítimas ainda desaparecidas sob o mar de lama, o trabalho heróico dos bombeiros no cenário da tragédia não tem data para acabar. Até agora, já são pelo menos 964 horas de buscas incansáveis para tentar amenizar a angústia das famílias. 

É um consolo paliativo. Sem remédio capaz de curar o vazio no peito, parentes de quem perdeu a vida no desastre relatam dificuldades para dormir, trabalhar, se alimentar e seguir adiante. “A esperança é encontrar nem que seja só um pedaço do corpo. Eles não podem deixar meu pai lá”, desabafa Adilson Lopes da Silva, de 35 anos, morador do Córrego do Feijão. O pai dele, Levir Gonçalves da Silva, de 59, era empregado de uma rede ferroviária que prestava serviços à Vale.

No momento do colapso na barragem, Levir estava próximo aos vagões que apareceram em um vídeo sendo carregados e retorcidos pela avalanche de lama. Funcionário da empresa há 15 anos, o hobby do pai de Adilson era a pesca. “Na quinta-feira, um dia antes da catástrofe, a gente ia pescar junto, mas ele não conseguiu ir porque estava cansado. Na volta, passei na casa dele e a gente conversou por um bom tempo”, lembrou. Foi o último contato com o pai.

Diferentemente de Adilson, a viúva Zulma Pires, de 39 anos, conseguiu enterrar o marido Ângelo Gabriel Lemos, de 57. Ex-motorista de uma empresa que prestava serviços à mineradora, o corpo do trabalhador foi localizado seis dias após a tragédia. 

Com o adeus, Zulma passou a ser arrimo da família, formada, ainda, pelos dois filhos de 21 e 23 anos. “Estou vivendo um luto na luta. Minha filha está sem estudar porque não consigo pagar o valor da mensalidade e ela perdeu o prazo de renovação do contrato em meio à calamidade”, lamentou.

A doação de R$ 100 mil feita pela mineradora aos familiares das vítimas é um desrespeito, na opinião de Zulma. “É uma forma de calar nossa boca. Quero que os culpados pela tragédia sejam responsabilizados e que nossos direitos sejam respeitados”, pontua.

Mãe de Helbert Vilhena, de 32 anos, que trabalhava como técnico de informática da Vale, Maria da Glória, de 55, lembra que o filho havia comentado sobre os riscos da barragem. “Eles estavam cientes. Os funcionários sabiam que não estava segura. Meu filho estava preocupado e até se inscreveu para um processo seletivo em outra empresa. Perdi o que tinha de mais importante na minha vida”, conta. 

Promotor do Ministério Público de Minas Gerais e integrante da força-tarefa que investiga o rompimento da estrutura, André Sperling diz que a companhia tem colocado empecilhos para pagar as indenizações aos atingidos. 

“Eles alegam ser muita gente, que há dificuldade para pagar a dívida dos agricultores. Mas se deram conta de fazer o desastre, de ceifar a vida de centenas de pessoas, então precisam arcar com a reparação. É o mínimo”, ressalta. 

A Vale informou que o atendimento de registro para pagamento das indenizações emergenciais de moradores de Brumadinho e municípios atingidos começa hoje e termina em 29 de abril. Dúvidas podem ser esclarecidas pelo 0800 888 1182. 

Operação de resgate é a maior da história de Minas Gerais 

A operação de busca às vítimas do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho é a maior realizada pelo Corpo de Bombeiros de Minas em toda a história. São 60 dias de trabalho, com cerca de 1.800 oficiais mineiros e de outros 11 estados envolvidos. 

Diariamente, a média é de 150 militares atuando na área varrida pela lama. Doze cães farejadores ajudam nos trabalhos. Os cachorros, inclusive, foram responsáveis por 80% dos resgates. 

Segundo o porta-voz da corporação, tenente Pedro Aihara, ainda que se trate de uma situação catastrófica, o legado após o término dos trabalhos de busca será positivo. Para o oficial de 26 anos, que se destacou pela serenidade ao atualizar os boletins, as operações em Mariana, em 2015, e agora em Brumadinho credenciam o Corpo de Bombeiros do Estado a ser uma referência internacional no resgate de vítimas de desastres ambientais. 

“Antes da tragédia da Samarco a gente já tinha uma capacitação grande porque a atividade de mineração no Estado é intensa. Essas técnicas se intensificaram em Brumadinho e avalio que tivemos muito sucesso até agora”, afirmou o tenente. 

Conforme Aihara, outro legado relevante da operação em Brumadinho foi o uso da tecnologia e a integração de trabalho com universidades, militares de outros estados e forças de segurança de Israel. "Foi um esforço muito bonito de se ver. Sempre há espaços para melhoria e investimentos tecnológicos. Tudo que chegar será bem recebido e colocado a serviço da população”, destaca.

Uma das maiores dificuldades durante os dois meses de trabalho em Brumadinho foram as fake news, revela o tenente. Os boatos falavam de rompimento de novas barragens e, até mesmo, do encerramento das buscas. “Brincar em uma tragédia como esta é ferir a esperança das famílias. Lamentável que a crueldade humana tenha chegado a esse nível”, critica. 

Os primeiros dias de buscas foram os mais desgastantes. Aihara diz que ficou até cinco dias sem dormir e sem se alimentar direito devido à dinâmica da operação. “É inerente à profissão. Não tem cansaço que se compare à dor dessas famílias. Então farei o que estiver ao meu alcance para trazer conforto e tranquilidade aos familiares”, garante. 

Ainda não há previsão para o término das buscas. O que pode ocorrer, conforme o porta-voz dos bombeiros, é uma diminuição no efetivo de militares nas próximas semanas. 

Em nota, a Vale informou que fará um aporte de R$ 20 milhões para o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais.

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