Dor de familiares de vítimas resiste a reparo prometido pela Vale

Raul Mariano*, Simon Nascimento e Renata Galdino
16/07/2019 às 20:51.
Atualizado em 05/09/2021 às 19:34
 (Maurício Vieira)

(Maurício Vieira)

Passados seis meses do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, na Grande BH, luto, revolta e desconfiança ainda predominam sobre as famílias que perderam parentes na tragédia. Nem mesmo a indenização de R$ 700 mil a ser paga individualmente a pais, mães, filhos e cônjuges das vítimas será suficiente para diminuir a dor provocada pelo desastre. Além disso, quem ficou de fora da compensação financeira também reclama, e muito.

A fala pausada, o olhar cabisbaixo e quase sempre acompanhado por lágrimas são comuns a muitos moradores que, sem alternativa, tentam retomar a rotina. Afastada do trabalho por problemas de saúde após a perda do filho, Maria das Dores, de 52 anos, garante que a lacuna jamais será preenchida. Ela relata que, depois da tragédia, o marido entrou em depressão profunda e vem “se acabando” dia após dia. 

Vivendo à base de remédios, Maria conta que perdeu a vontade de sair de casa e tem dificuldade até para comer. “Mesmo que a gente ficasse milionário, dinheiro não ocupa esse vazio. Meu filho morreu com 30 anos”.

Vale poderá ser punida caso não deposite R$ 400 milhões por dano moral coletivo até 6 de agosto

Receio

O casal Ilda e Adail Santos, pais do trabalhador Adail Júnior, que tinha 23 anos, estão receosos quanto à indenização. Além de não terem certeza sobre o pagamento, afirmam que a revolta permanecerá. “Meu filho tinha uma vida inteira pela frente e foi vítima de um crime. Dinheiro nenhum traz ele de volta nem vai tirar essa dor”, afirma Ilda.

Também incrédula está Jandira da Cunha, de 79 anos. Sentada na varanda, observando a calmaria da rua em que mora, ela passa a maior parte do dia em silêncio, pensando na filha Dirce Barbosa, que era funcionária da Vale há décadas e foi levada pela lama. A força para prosseguir, reconta mulher, vem do apego à fé. “É Deus quem me ajuda a seguir em frente. Não tem como explicar com palavras o que é perder uma filha”, relembra.

No Centro de Brumadinho, a notícia sobre o pagamento da indenização ainda é novidade. Há os que consideram o valor muito baixo e quem diga que o montante poderá até atrair a atenção de criminosos. “É um bom dinheiro, mas isso vai trazer a bandidagem para dentro da cidade. O cuidado agora dessas pessoas vai precisar ser redobrado”, diz o taxista Antônio Dias.

O acordo é positivo, diz Leônidas Maciel, vice-prefeito da cidade. Porém, ele pede que outros atingidos sejam contemplados.  O Executivo, diz o vice-prefeito, irá propor à Vale o custeio de obras para finalizar um hospital  e construir uma ponte.  “São intervenções necessárias e que a Vale poderia nos ajudar, principalmente no hospital. A população está adoecendo mais”, explicou

De fora

Fora da lista de contemplados pelo acordo firmado entre a Vale e o Ministério Público do Trabalho (MPT), familiares de outras vítimas, produtores rurais e comerciantes lamentam. Auxiliar de cozinha, Leidiane Paula Araújo, de 24 anos, perdeu a mãe Cristina Paula da Cruz Araújo, de 40. A mulher trabalhava como faxineira na Pousada Nova Estância, varrida pela lama.

“Minha mãe não era funcionária (da Vale), mas foi essa empresa que a matou. Ao mesmo tempo, nenhum valor pagaria pela vida dela”. 
Já Adriana Leal, de 28 anos, e pai, Antônio Francisco de Assis, de 63, tocavam uma das maiores hortas de Brumadinho.

As plantações que abasteciam a Ceasa Minas, em Contagem, e municípios da Grande BH, eram cultivadas em um terreno no Parque da Cachoeira, também tomado por rejeitos. Desde então, a família não consegue mais produzir e acumula dívidas. “A gente fez um levantamento dos danos e repassamos à Vale, mas não tivemos retorno até hoje. O que a gente recebe são três salários mínimos e o valor fica só nas despesas da casa”, reclamou Adriana.

Sem calote

O procurador do MPT Geraldo Emediato de Souza não acredita que haverá calote no pagamento das indenizações. O valor que cabe a cada pessoa deverá ser depositado em até dez dias após a mineradora receber a intimação informando quem aderiu ao acordo. “Tem multa de 50% se não quitar no prazo, além de juros e correção monetária”, explicou. O valores são válidos tanto para os funcionários da Vale quanto os terceirizados.

 Maurício Vieira“É Deus quem me ajuda a seguir em frente. Não tem como explicar com palavras o que é perder uma filha”, diz Jandira; vítima era funcionária da Vale

Mariana

Pessoas que perderam casas e comércios em Brumadinho, na Grande BH, ainda deverão aguardar por muito tempo pelo ressarcimento dos danos. Em Mariana, na região Central, muitos atingidos ainda esperam pelas indenizações, mesmo passados mais de três anos da tragédia da Samarco.

Lá, as tratativas com a mineradora estão em fase final, mas os acordos aguardam um dossiê com o levantamento dos prejuízos causados às famílias. Líder comunitário, José do Nascimento de Jesus perdeu a residência que tinha em Bento Rodrigues. Ele não recebeu nenhum centavo. 

“Algumas pessoas já receberam porque fizeram negociação individual. A gente fica com um sentimento de revolta porque em novembro já vamos ter quatro anos do rompimento e nada feito”, afirmou o Zezinho do Bento. 

Promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, Guilherme Meneguim atua nas negociações. Ele diz que o acordo com as famílias foi fechado em outubro do ano passado, porém “as indenizações estão ocorrendo paulatinamente”.Maurício VieiraIlda e Adail perderam o filho Adail; eles estão inseguros com relação à indenização

Retornos

Em nota, a Fundação Renova informou que as famílias de Mariana estão negociando as indenizações por danos materiais, morais e lucros cessantes. Até 12 de julho, das 882 famílias cadastradas, 354 iniciaram as negociações com o Programa de Indenização Mediada (PIM) e 88 atendimentos foram concluídos. Quanto aos dossiês, 181 foram entregues. Cerca de R$ 1,7 bilhão foram pagos, até o momento, em indenizações e auxílios financeiros emergenciais em toda a região impactada.

Também por nota, a Samarco diz que celebrou acordos com 17 das 19 famílias que perderam parentes após o rompimento de Fundão. “Até o momento, 16 foram concluídas e uma foi paga parcialmente”. A empresa diz que segue em contato com essas pessoas e os advogados para buscar a conciliação. Os valores recebidos em Mariana não foram divulgados.

Sobre Brumadinho, a Vale informou que a empresa e a Defensoria Pública assinaram, em abril deste ano, Termo de Compromisso por meio do qual as pessoas da comunidade, atingidas pelo rompimento podem optar por celebrar acordos individuais ou por grupo familiar.

Leia Mais:

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por