Falta de interesse pela docência pode afetar formação das gerações futuras

Raquel Ramos - Hoje em Dia
15/10/2015 às 08:52.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:04
 (Ricardo Bastos)

(Ricardo Bastos)

Seguir a carreira de professor é opção cada vez menos atrativa aos estudantes que estão prestes a ingressar no ensino superior. Os números de inscritos no vestibular da UFMG, o mais concorrido do Estado, comprovam o desinteresse. Em algumas licenciaturas, como biologia, matemática e química, a quantidade de candidatos em busca de uma vaga caiu em mais de 70%, entre 2006 e 2013 (ver quadro). O cenário é semelhante ao do restante do país.

Hoje, data em que se comemora o Dia do Professor, o assunto ganha destaque. Especialistas em educação afirmam que o futuro é pouco promissor. Se a situação não se reverter, faltarão profissionais capacitados para formar as próximas gerações.

 

Problemas

Engana-se quem pensa que a baixa remuneração dos professores seja o único fator que leve a atividade a ser mal vista. Para a diretora do Instituto de Ciências Humanas da PUC Minas, Carla Ferretti Santiago, a desvalorização social da profissão também tem pesado na escolha dos alunos. “Ainda que algumas pessoas reconheçam a importância de um mestre, a maioria dos pais desencoraja os filhos a optar por esse emprego”, diz.

Da mesma forma, a precarização das condições de trabalho, a ausência de planos de carreira e o aumento de episódios de violência dentro de sala de aula também têm contribuído para a menor busca pelos cursos de licenciatura nas universidades brasileiras, afirma Júlio Furtado, consultor em educação no Rio de Janeiro.
 

Reflexos

O resultado de todo esse desprestígio é sentido em muitas cidades do país, sobretudo nas mais afastadas dos grandes centros urbanos. Nesses locais, profissionais de outras áreas acabam assumindo disciplinas com as quais têm mais afinidade. “Engenheiros dão aula de física, administradores de matemática”, exemplifica Carla Ferretti.

Por mais bem intencionada que essas pessoas estejam, falta a elas preparação para ensinar, alerta a especialista. “Isso compromete a formação do aluno que, consequentemente, não terá nenhum interesse em se tornar professor no futuro. Que estudante quer se tornar professor de português se não gosta da aula daquela disciplina?”, observa.

Pelos cálculos da diretora, a mesma estratégia provavelmente será adotada pelas instituições de ensino das grandes cidades, em menos de uma década, caso os cursos de licenciatura não voltem a atrair os estudantes.

 

Demanda

Mas no fim de 2016 a situação já começará a se complicar. Pelo Plano Nacional de Educação, esse é o prazo para que os municípios e Estados de todo país consigam universalizar o ensino infantil e o ensino médio. Na prática, significa garantir o atendimento de todas as crianças de 4 e 5 anos, e de todos os adolescentes de 16 e 17.

“Para cumprir a exigência da lei, será preciso expandir o atendimento. Isso inclui, obviamente, a contratação de mais docentes. A demanda por professores ficará mais evidente a cada dia”, afirma Carla Ferretti.
Vocação fala mais alto, mesmo diante das dificuldades

Não são apenas as licenciaturas que perderam o prestígio entre os alunos. A faculdade de pedagogia também não atrai estudantes como antigamente. Para se ter uma ideia, a relação de candidatos por vaga no curso oferecido pela UFMG caiu de nove para dois, entre 2008 e 2013.

Embora muita gente tenha abandonado a ideia de se tornar professor nos últimos anos, ainda há quem não se intimide diante das dificuldades e escolhe investir na carreira para a qual se sente vocacionado.

É o caso da pedagoga Thalita do Espírito Santo Castro, de 27 anos. Assim que concluiu o ensino médio, ela resolveu estudar administração de empresas. No meio do curso, porém, teve certeza que estava no rumo errado.

“Sempre soube que queria ser professora. É a minha vocação. Mas aos 17 anos tive medo de admitir isso para as pessoas. Não queria ver ninguém me julgando porque estava escolhendo um curso tão desvalorizado”.

Seguindo os conselhos da mãe, Thalita resolveu terminar a primeira faculdade. Mas tão logo pegou o diploma, fez um novo vestibular para encarar mais quatro anos de estudo até se formar em pedagogia.

Ela não ignora os problemas que terá que enfrentar no dia a dia de trabalho. No entanto, garante estar realizada e satisfeita em optar por uma profissão que julga ser tão nobre.

“Não consigo me imaginar em outro lugar que não seja dentro de sala de aula. E tenho esperança de que, com o passar dos anos, as pessoas passem a enxergar a minha atividade com outros olhos”.

Mudar a imagem do profissional e melhorar as condições de trabalho podem atrair estudantes

A dedicação à docência só voltará a atrair novos estudantes quando houver o resgate social da imagem do professor, que não mais deve ser visto apenas como uma pessoa sofrida. A afirmação é do consultor em educação Júlio Furtado, do Rio de Janeiro, que também defende mudanças das condições de trabalho e salários mais altos como melhorias importantes para despertar o interesse dos alunos pela atividade.

“A imagem do professor está completamente deturpada, contaminada por uma questão negativa muito forte. Precisamos que a profissão chegue a tal nível que os estudantes, de escolas públicas ou privadas, sonhem em seguir a carreira”, diz.

Embora otimista que seja possível reverter o quadro de desprestígio da atividade, Júlio enxerga caminhos para suprir uma eventual falta de educadores no futuro. Com o ensino a distância, por exemplo, um único professor é capaz de atender a demanda de vários alunos de uma só vez. “A tecnologia é uma ferramenta importante. Já existem projetos no interior que funcionam com aulas gravadas e apenas a presença de um tutor para tirar dúvidas”.

Outra alternativa é oferecer aos novos professores uma formação interdisciplinar, de modo que consigam dar aula de várias matérias. Aliás, o próprio Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) já tem apontado para esse caminho ao deixar de cobrar conteúdos de forma isolada, criando áreas do conhecimento – Ciências da Natureza, Ciências Humanas, Linguagens e Códigos, Matemática e Redação. “É uma forma de aproveitar, ao máximo, os poucos vocacionados que escolherem a profissão”.

 

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