Em busca dos rios invisíveis de Belo Horizonte

Raquel Ramos - Hoje em Dia
20/08/2014 às 07:49.
Atualizado em 18/11/2021 às 03:51
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Todos os dias, cerca de 60 mil carros passam pela avenida Afonso Pena, no Centro de Belo Horizonte. Mas a maioria das pessoas, inclusive as que estão acostumadas a transitar por uma das principais vias da cidade, desconhece um segredo encoberto pelo asfalto: há, debaixo da terra, um importante córrego, com mais de cinco quilômetros de extensão.

Chamar a atenção para essa parte escondida da capital é a intenção de um projeto idealizado por Luiza Moura Rabelo Costa, de 25 anos. Recém-formada em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG, ela desejou destacar o que chama de “rios invisíveis” de BH.

“Passei a vida toda ao lado do córrego Acaba Mundo e sequer sabia da existência dele. Aproveitei meu trabalho de conclusão de curso para trazer à tona a existência dele e de outros cursos d’água da cidade”.

Com placas metálicas espalhadas por BH, Luiza divulgou dados sobre o Acaba Mundo e informações sobre os prejuízos gerados pela canalização dele. Os locais onde as chapas foram instaladas com lacres plásticos não foram escolhidos aleatoriamente: estão nas mesmas ruas por onde corre o curso d’água, canalizado na década de 20.

A intenção de Luiza é dar continuidade ao projeto com informações sobre outros córregos escondidos da capital.

História

Segundo o geólogo Alessandro Borsagli – que atualmente se dedica a um livro que fará uma retrospectiva dos rios da capital, entre os anos de 1894 e 1975 – os principais córregos de Belo Horizonte são ignorados desde a construção da cidade.

“No plano urbanístico, escolheram um local com abundância de recursos hídricos. Por outro lado, a planta não levou em consideração os cursos d’água que existiam ali, como o Acaba Mundo, o Leitão e o córrego da Serra”.

A canalização ocorreu ao longo da década de 20. Anos mais tarde, diz o geólogo, a população aplaudiu a cobertura dos cursos d’água pelo asfalto. Acreditava-se que as intervenções ajudariam a acabar com focos de doenças e também reduziriam as enchentes.

Com o crescimento da cidade, porém, os problemas voltaram a aparecer. “As calhas naturais estão aterradas, o solo foi impermeabilizado e isso tudo tem resultado em inundações frequentes”.

Esse não é o único prejuízo, ressalta Alessandro. A canalização dos córregos também geraram perda da qualidade de vida da população. “Hoje, sabe-se da necessidade de uma refor-mulação de paradigma em relação à drenagem urbana de BH”.

PONTO A PONTO

- Belo Horizonte conta com 700 quilômetros de córregos, segundo dados oficiais da Prefeitura de Belo Horizonte. Duzentos quilômetros estão canalizados e o restante corre em leito aberto na malha urbana ou está em áreas de proteção ambiental.

Segundo a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), a prefeitura não tem nenhum projeto para ser colocado em prática nos próximos anos para descobrir os córregos já canalizados.

O leito natural do Acaba Mundo começa no bairro Sion, próximo à praça JK, descendo pela rua Uruguai, avenida Nossa Senhora do Carmo, avenida Professor Morais, avenida Afonso Pena, até desembocar no Arrudas.

Renovação prioriza a natureza

Na avaliação de Sérgio Myssior, conselheiro do Instituto de Arquitetos do Brasil em Minas, por muitas décadas os córregos de Belo Horizonte e de outros municípios ao redor do mundo foram preteridos pelas autoridades públicas que privilegiaram intervenções para melhoria da mobilidade urbana.

Aos poucos, porém, algumas cidades tentam reverter essa história. A capital da Coreia do Sul, por exemplo, apostou em uma surpreendente renovação urbana em nome da natureza.

“Há muitos anos, um rio de Seul foi canalizado para dar espaço a um viaduto. Recentemente, toda essa estrutura foi jogada ao chão e o trânsito foi desviado para outros pontos. No lugar, foi construído um parque linear e quem visita essa área encontra um verdadeiro boulevard, com águas cristalinas e um local totalmente revitalizado”, afirmou. Experiências semelhantes foram feitas na Europa e nos Estados Unidos.

Embora a rena-tura-lização de cursos d’água possa estar distante da realidade belo-horizontina, Myssior ressaltou que há outras ações que podem trazer melhorias à cidade. “É preciso investir numa política ambiental consistente, com trabalhos de conscientização”.

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